A maior troca de informações entre os Fiscos de vários países vai elevar o risco de autuação das companhias que não deixarem claro a substância econômica das operações realizadas em outras localidades. A vulnerabilidade das multinacionais brasileiras aumenta a partir deste ano, com a obrigatoriedade da Declaração País-a-País (DPP) e do Padrão de Declaração Comum (Common Reporting Standard – CRS) para as instituições financeiras.
Com isso, empresas que tiveram em 2016 receita consolidada igual ou maior do que R$ 2,26 bilhões, após considerar as receitas de todas as unidades do grupo – e passam a ter que enviar a DPP anualmente à Receita Federal – já começam a reanalisar suas estruturas no exterior.
Há substância econômica quando a empresa comprova quais são suas atividades e das vinculadas no exterior, como é feita a alocação global de renda, quais são os impostos pagos e devidos, qual o lucro das suas unidades, onde a empresa gera empregos, onde se localizam os escritórios e ativos tangíveis, entre outros pontos. E todos esses dados deverão estar descritos na DPP.
Instituído pela Instrução Normativa da Receita nº 1.680, publicada em 29 de dezembro, o CRS ajudará nessa caracterização. A partir de 2018, os Fiscos dos 101 países signatários do “Acordo Multilateral de Autoridades Competentes do Common Reporting Standard” poderão acessar as informações bancárias dessas empresas, referentes a 2016 em diante, por meio do documento eletrônico.
A Receita instituiu a DPP pela Instrução Normativa nº 1.681. A declaração segue os padrões e patamares econômicos da União Europeia por ser um dos instrumentos que colocará em prática o Plano de Ação sobre Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (BEPS), desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE) para aumentar a transparência fiscal e evitar “estruturas agressivas ou abusivas”, algumas inclusive teriam o objetivo de financiar o terrorismo.
As informações requisitadas não são novas, mas mais detalhadas do que as já exigidas pelo Fisco no Brasil. A advogada Ana Cláudia Utumi, do TozziniFreire Advogados, elogia a transparência fiscal, mas preocupa-se sobre como o Fisco brasileiro vai usar as informações da declaração, sem haver uma norma antielisiva no Brasil.
É a norma antielisiva que define os parâmetros de um planejamento tributário abusivo. “Isso deveria ser regulamentado por lei no Brasil para a Receita não interpretar os dados sobre as estruturas e operações das multinacionais na DPP da maneira que melhor lhe convier”, diz Ana.
Por isso, para a advogada, o momento é de reanálise das estruturas criadas no exterior para a realização dos negócios. Por exemplo, se uma multinacional brasileira vende para uma trading em uma ilha do Caribe, que vende o produto para um cliente na França. “Se a própria multinacional brasileira entrega a mercadoria ao cliente francês e paga IR no Brasil no fim do ano, pode passar a ser autuada por não ter recolhido o IR mês a mês”, afirma. Para Ana, aumenta a chance de o Fisco considerar que, na verdade, foi feita uma venda direta do Brasil para a França.
As multinacionais brasileiras com controladas registradas em Luxemburgo também correm risco. As despesas dessas empresas costumam ser usadas contabilmente para reduzir o lucro – que é a base de cálculo do Imposto de Renda. “Se não houver estrutura física em Luxemburgo, as despesas lá registradas poderão não ser mais dedutíveis e o Fisco deverá desconsiderar a personalidade jurídica internacional dessa empresa”, afirma Ana.
Uma norma antielisiva deixaria os critérios do Fisco brasileiro menos subjetivos, segundo o advogado Marcos Neder, do Trench Rossi e Watanabe Advogados, ex-subsecretário de Fiscalização da Receita. “Nessa nova fase que vivemos, de transparência fiscal global, os riscos aumentam”, diz.
Segundo Neder, no Brasil tudo já é muito informatizado. A novidade maior da DPP são as informações detalhadas que devem vir dos outros países, onde localizam-se as subsidiárias. “Na Áustria, por exemplo, há muitas holdings brasileiras porque o tratado internacional segundo acordo firmado com o Brasil para evitar a bitributação isenta os dividendos ali registrados”, diz.
Antigamente, para o Fisco brasileiro conseguir dados de outros países sobre as subsidiárias brasileiras tinha que fundamentar bem e ter paciência. O advogado lembra de um processo administrativo relativo à Eagle, do grupo Ambev, em que a Espanha levou um ano e meio para responder ao pedido de informações. “Agora há uma convenção e uma declaração global, com a possibilidade de aplicação de multa para quem deixar de informar.”
Se as multinacionais enviarem a DPP com omissão, informação inexata ou incompleta, deverá ser aplicada multa equivalente a 3%, não inferior a R$ 100,00, do valor omitido, inexato ou incompleto. Já se a empresa não enviar a DPP no prazo, a multa chega a R$ 1,5 mil por mês.
Para o tributarista João Dácio Rolim, do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, independentemente de haver uma norma antielisiva no Brasil, a comprovação da substância econômica será a regra geral. “Todas as multinacionais terão que fazer mudanças de estruturas, operacionais ou, ao menos, colocar substância econômica nas estruturas existentes, como criar a presença física de uma empresa ou aumentar o volume de suas operações”, diz.
Segundo Rolim, os próprios requisitos da DPP deverão servir como parâmetros para a aplicação das regras tributárias globais. “Talvez os países adotem novas fórmulas de preço de transferência e alterem os tratados internacionais por conta desses novos critérios. E as empresas terão que se adaptar”, afirma.
Fonte: Valor Econômico