A recente entrada em vigor da Lei 12.846/2013 possui um forte significado, sem dúvida. Igualmente incontestável é a dificuldade de se banir, com uma só penada, a relação promíscua muitas vezes estabelecida quando poder público e iniciativa privada assumem os papéis de fornecedor e cliente, na tentativa de materializar o dever do Estado de suprir a nação em algumas de suas necessidades básicas.
Na verdade, a grande mudança surgida é o fim da complacência para as pessoas jurídicas que aleguem desconhecer possíveis desvios de conduta dos seus comandados ao negociar com os entes dos municípios, estados e União.
Uma medida louvável, porém de efetividade duvidosa se continuarmos pródigos em criar atmosferas propícias à ação dos que confiam no risco desmedido e tomam decisões por pura ganância, sem refletir sobre as consequências do seu comportamento. O principal motivo para essa lamentável realidade está no fato de nossas legislações se basearem em punições que acabam por incentivar a desobediência.
A meta de finalmente tornar o Brasil um país mais ético esbarra frontalmente nas benesses concedidas aos agentes públicos – fenômeno extensivo desde a quem esteja lotado na mais remota repartição até os representantes do povo no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e câmaras municipais,.
O novo dispositivo legal, que tanta repercussão tem merecido, também amplia, em grande medida,a responsabilidade do segmento contábil, pelo qual passam todas as operações diárias de uma organização, inclusive as eventualmente ilícitas efetuadas com órgãos de governo e autarquias.
Interno ou terceirizado, esse setor vital à gestão estratégica precisa estar mais preparado e atento do que nunca em relação a cada contrato, recibo ou nota fiscal analisada, sob pena de ter sua histórica missão preventiva transformada na mais pura conivência com o chamado mal feito, não raro à revelia das presidências e conselhos de gestão, hoje nitidamente carentes de mecanismos para identificar irregularidades nas corporações.
Neste cenário, as fraudes se multiplicam, da compra de mercadorias à contratação de serviços públicos, cabendo à atividade contábil prevenir e recusar um ato administrativo maculado por propinas e outras práticas desde sempre condenáveis.
As consequências se agravaram para as pessoas físicas com o advento da Lei da Lavagem de Dinheiro, no ano passado. Agora, as empresas que infringirem a 12.846 estarão sujeitas a multas de até 20% do faturamento, podendo várias delas serem extintas, conforme a gravidade do caso em que se envolvam.
Contudo, punir apenas a sociedade empreendedora com o rigor da nova lei certamente não basta para repetir a conclusão de episódios como o do Mensalão, que mesmo demorado e juridicamente complexo em sua resolução, está colocando na cadeia alguns dos seu principais protagonistas.
Seria muito mais importante e produtivo para o ambiente de negócios brasileiro se, verdadeiramente, já tivéssemos passado por amplas e irrestritas reformas nas esferas fiscal, trabalhista, previdenciária e política. Hoje, certamente, já estaríamos inseridos em um estágio mais adiantado, sem perder tempo com discussões insípidas, muitas delas ainda focadas na simples análise de causa e efeito.
Na ausência das inúmeras mudanças estruturais há muito necessárias, um cerco em nome da ética e moral precisaria focar prioritariamente o setor público, campo ainda extremamente fértil à corrupção, retroalimentado pela carga tributária excessiva e uma burocracia surreal nas relações com o contribuinte, este sim ansioso pela simplificação unificada nos âmbitos municipal, estadual e federal.
O Estado brasileiro deveria atender a esta e tantas outras demandas da sociedade, acabando finalmente com a gama de obstáculos que sempre atravancou qualquer lampejo de desenvolvimento em todos os setores da nossa economia. Esse conjunto de medidas levaria o brasileiro a acreditar que o governo existe para servir o povo com igualdade de condições, de forma a mitigar qualquer motivação para atitudes moral e eticamente reprováveis.
E que não se venha imputar às pequenas e médias empresas, em virtude de suas natureza e perfil, o papel de principal entrave ao sucesso da Lei Anticorrupção, como alguns já tentaram fazer. Afinal, elas só teriam a ganhar com o surgimento de um Brasil realmente ético, onde se pudesse competir de forma mais justa e equilibrada em todos os sentidos.
(*) José Maria Chapina Alcazar é empresário contábil, vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e conselheiro da Fiesp