1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê em seu art. 155, §2°, inciso I, que o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) rege-se pelo princípio da não-cumulatividade. Por isso, segundo esta norma constitucional, deveriam os Estados membros da Federação, entes federados competentes para instituir tal imposto, oportunizar aos contribuintes “compensação tributária”.
Significa dizer que o ICMS deveria gerar créditos em favor dos contribuintes, podendo estes optarem por compensação ou restituição de valores. No Estado de Minas Gerais e certamente em muitos outros, tem ocorrido uma verdadeira injustiça fiscal, porque o Decreto Estadual n° 44.650/2007, que alterou o Regulamento do ICMS, não tratou de garantir compensação tributária em relação àquele tributo para as optantes do regime Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar 123/2006.
Em verdade o aludido Decreto simplesmente acatou a vedação ao aproveitamento tributário pelos contribuintes optantes pelo Simples Nacional, estabelecida pelo artigo 23 da própria Lei Complementar instituidora do regime, a qual no nosso sentir padece de inconstitucionalidade material.
Neste aspecto, as microempresas e as empresas de pequeno porte de Minas Gerais têm sido obrigadas a recolher diferencial de alíquota do ICMS das operações interestaduais que realizam, quando há diferença da alíquota interna comparada com a externa, sem poderem implementar compensação tributária por meio de creditamento de operações anteriores.
O Simples Nacional foi criado exatamente para estabelecer um regime tributário diferenciado e favorecido às atividades empresárias, de modo a lhes fomentar o crescimento e a permanência com longevidade no mercado, hoje tão competitivo no Brasil. Por este regime de tributação o contribuinte já recolhe tributos federais, estaduais e municipais, e neste caso, o ICMS.
O Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário 970.821, reconheceu a Repercussão Geral deste tema. Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski se manifestaram na sessão do dia 07 de novembro de 2018, pela inconstitucionalidade da cobrança, e o ministro Edson Fachin, relator, votou pela constitucionalidade da diferença de alíquota. Atualmente o processo encontra-se com vista para o Ministro Gilmar Mendes.
O tema, portanto, mostra-se relevantíssimo, na exata medida em que esbarra em macro temas de importância nacional, tais como, o fomento à economia, a livre iniciativa, a tributação justa, o tratamento diferenciado e favorecido aos contribuintes optantes do Simples Nacional e, especialmente, a atividade legiferante do Estado.
Deixemos registrado, por fim, que o tema proposto não adentrará em outros tributos regidos também pela não-cumulatividade, limitando-se apenas a tratá-la no âmbito do ICMS.
2 MODULAÇÃO DE EFEITOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
O Supremo Tribunal Federal pode realizar dois tipos de controle de constitucionalidade: o concentrado e o difuso.
Por controle concentrado de constitucionalidade temos: a atuação jurisdicional por parte do Supremo Tribunal Federal, com competência originária e exclusiva, para extirpar ou não do ordenamento jurídico norma considerada violadora ou respeitadora da Constituição da República Federativa do Brasil, conforme o caso, cuja decisão assume caráter vinculativo e para todos, além de ser este tipo de controle o objeto principal do processo a ele correlato, isto é, a inconstitucionalidade da norma é ao mesmo tempo a causa de pedir e o pedido principal.
O controle difuso de constitucionalidade, por outro lado, significa: a cognição judicial, por qualquer juiz, instância ou tribunal e em qualquer fase do processo, acionada para declarar a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica que ocasione violação à Constituição Federal, podendo ser realizado também no âmbito dos recursos excepcionais pelo Supremo Tribunal Federal, cuja eficácia pode ser erga omnes, sendo certo que este tipo de controle se consubstancia incidental ao processo, isto é, o objeto da ação é outro e de forma subsidiária como prejudicial de mérito declara-se a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de uma norma.
Uma determinada norma jurídica declarada inconstitucional pelo STF, como regra, produz como efeito principal a nulidade de todos os atos dela decorrentes desde seu nascedouro, eis que sua presunção relativa de constitucionalidade foi desmascarada, por ter sido considerada violadora da Constituição da República, servindo a modulação de efeitos para estabelecer a partir de quando os atos e ou fatos decorrentes da norma serão afetados.
No primeiro deles (controle concentrado), temos o regramento positivado pela Lei 9.869/99 que dispõe sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade. O artigo 27 da referida norma assim estabelece: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.
Observemos que há critério objetivo com relação ao quórum para a modulação de efeitos, ficando a cargo da interpretação subjetiva dos Ministros do STF delimitar se a decisão afetará a “segurança jurídica” e ou se há “excepcional interesse social” que justifiquem a modulação. Não havendo, a regra é pela retroatividade dos efeitos de declaração da inconstitucionalidade ou constitucionalidade.
Por outro lado, o controle difuso de constitucionalidade comporta uma importante reflexão específica, eis que não existem no nosso ordenamento regras objetivas com relação ao quórum para a modulação de efeitos numa decisão proferida pelo STF, ao julgar, por exemplo, um Recurso Extraordinário através do qual se declara a inconstitucionalidade de uma norma, porque o artigo 927, §3° do Código de Processo Civil não tratou desta questão.
Diante desta lacuna normativa, fica a cargo do próprio Supremo Tribunal Federal estabelecer os critérios em termos de quórum para modular efeitos no controle difuso, além de ter o poder subjetivo de analisar a existência ou não de interesse social e ou insegurança jurídica, para modular ou não os efeitos de uma decisão que profira no âmbito do controle concreto de constitucionalidade, produzindo precedentes vinculantes[1].
Historicamente o STF não tem modulado efeitos nas suas decisões de controle de constitucionalidade em matéria tributária, e quando modulou, tratou de respeitar os contribuintes que ingressaram em juízo para discutir as exações indevidas, como podemos ver, por exemplo, nos RE’s 560.626 e 556.664 (Rel. ministro Gilmar Mendes), nas ADI’s 4.628, 4.357 e 4.425, não sendo seguro, contudo, estabelecer qualquer previsão acerca do presente tema perante o Pretório.
3 O SIMPLES NACIONAL NO BRASIL E A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 23 DA LC 123/06
O Simples Nacional é um sistema tributário unificado de recolhimento de tributos Federais, Estaduais e Municipais aplicável às microempresas, às empresas de pequeno porte e aos microempreendedores individuais, nos sendo de interesse aqui apenas as ME´s e EPP´s. Tal Sistema Tributário foi instituído a partir da norma constitucional de eficácia limitada contida no artigo 146, inciso III, alínea “a” da Carta Política de 1.988, como uma forma de promover o crescimento econômico do país.
Observa-se que o Simples Nacional foi fundado por força de um mandamento do Poder Constituinte Derivado ao Legislador Infraconstitucional, na medida em que previu a necessária instituição de um regime tributário que visasse naquele momento histórico, em 2003 pela Emenda Constitucional n° 42, a facilitação da tributação para as microempresas, empresas de pequeno porte e, hoje, também para os microempreendedores individuais.
Em certos pontos, de fato, o Simples Nacional representou avanço na gestão tributária, mediante a diminuição das obrigações acessórias a serem cumpridas pelos sujeitos passivos, mas apresenta problemas de ordem técnica, pois há no texto legal, artigo 23 da LC 123/06, uma taxativa vedação de aproveitamento tributário por parte das optantes do Simples Nacional. Vejamos: “As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional”[2].
Na Constituição da República Federativa do Brasil estão positivados os limites ao poder de tributar, nos artigos 150, 151 e 152 da Carta Magna. Há também outras limitações, como, para o nosso caso, o estabelecido pelo artigo 155, §2°, inciso I da Lei Maior Nacional, o princípio da não-cumulatividade, cuja positivação diz: “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”[3].
O que observamos, naturalmente, é que a LC 123/06 fere diretamente a não-cumulatividade prevista na CRFB/88, pois, proíbe qualquer compensação tributária por parte das empresas optantes do Simples Nacional.
A Constituição da República quando determinou a compensação para o ICMS não fez ressalvas quanto ao regime tributário adotado, cabendo, portanto, a qualquer um deles, seja opcional como no caso do Simples Nacional, seja obrigatório, a depender do faturamento bruto anual da atividade empresária, o instituto da compensação e, por via de consequência, a geração de créditos tributários.
Portanto, não restam dúvidas de que o artigo 23 da Lei Complementar 123/06 encontra-se eivado de inconstitucionalidade material por violar a não-cumulatividade constitucionalmente estabelecida, de modo que toda a Legislação Tributária que daquela decorra estará também viciada, tal qual a mineira, conforme demonstrado supra.
4 CONCLUSÃO
Muito embora nos pareça evidente a inconstitucionalidade material do artigo 23 da Lei Complementar 123/06, pois de fato há direta violação ao princípio tributário da não-cumulatividade que rege o ICMS, já tendo sido proferidas decisões nestes exatos termos na primeira e segunda instâncias, respectivamente, através dos processos 0145.14.038.668-4 (Vara da Fazenda Pública e Autarquias Estaduais da Comarca de Juiz de Fora/MG) e 1.0166.08.022384-4/001 (5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais), somente teremos o efetivo amadurecimento desta tese depois do pronunciamento de mérito pelo Supremo Tribunal Federal.
Sugerimos, por derradeiro, a alteração pelo Poder Legislativo competente, do artigo 23 da Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, passando a constar o seguinte texto:
“Art. 23. As microempresas, as empresas de pequeno porte e os microempreendedores individuais optantes pelo Simples Nacional farão jus à apropriação de créditos tributários relativos a impostos e ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional e poderão transferi-los, obter a restituição correspondente e nos termos da legislação específica do ente tributante ou compensá-los, à escolha do sujeito passivo, conforme a sistemática da não-cumulatividade prevista na Constituição da República Federativa do Brasil, respeitados os demais princípios constitucionais que emanem garantias fundamentais do contribuinte”.
Portanto, demonstrada a inconstitucionalidade da diferença de alíquota de ICMS exigida das empresas optantes do Simples Nacional, elas poderão se valer do Poder Judiciário para buscar a tutela de seus direitos constitucionalmente garantidos.
REFERÊNCIAS
STF. Emb. Decl. no RE nº 500.171 GO. Rel: Min. Ricardo Lewandowski. Julgado em 16.03.2011. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=623737>. Acesso em: 26 de dezembro de 2018.
STF. ADI nº 4.628. Rel: Min. Luiz Fux. Julgado em 24/11/2014. Acesso em: 27 de dezembro de 2018.
STF. ADI nº 4.357. Rel: Min. Luiz Fux. Julgado em 20/09/2018. Acesso em: 27 de dezembro de 2018.
STF. ADI nº 4.425. Rel: Min. Luiz Fux. Julgado em 09/12/2015. Acesso em: 27 de dezembro de 2018.
BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Simples Nacional. Art. 23. Brasília: DF, 2006. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp123.htm >. Acesso em: 28 de dezembro de 2018.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988. Art. 155, §2°, I. Brasília: DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm >. Acesso em: 28 de dezembro de 2018.
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário: completo. 6. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 27. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.
MINAS GERAIS (Estado). Decreto nº 44.650, de 07 de novembro de 2007. RICMS. Belo Horizonte, MG.
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