A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou no Diário Oficial da União (DOU) no dia 28 de dezembro de 2018 Instrução Normativa RFB nº 1.862/2018, ampliando as hipóteses para o órgão indicar pessoas físicas ou jurídicas como responsáveis por dívidas tributárias cobradas de terceiros. A norma autoriza que auditores fiscais apontem um responsável tributário por uma cobrança fiscal em diversas oportunidades, como exemplo temos: quando há rejeição de pedidos de compensação ou até mesmo após decisão definitiva do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Seguindo o mesmo entendimento, a RFB manifestou-se por meio do Parecer Normativo COSIT n° 4/2018, quanto à responsabilização de terceiros por débitos tributários, com base na regra do interesse comum estabelecida no Código Tributário Nacional. Em concordância com a ideia de “facilitar a corresponsabilização por débitos tributários”, foi publicada a Instrução Normativa n° 1.862/2018, que instituiu novo procedimento que poderá imputar a responsabilidade tributária. A IN legalizou a instauração de conduta de imputação de responsabilidade tributária a qualquer tempo: ao término da fiscalização, ao término do julgamento de primeira instância ou mesmo após a finalização do contencioso administrativo. Há ainda o prognóstico de impugnação e/ou recurso contra o ato de imputação de responsabilidade.
Nesse sentido, se o sócio for indicado pela fiscalização somente após decisão do CARF, o contribuinte não poderá recorrer ao tribunal administrativo, que conta com representação paritária entre o fisco e os contribuintes. No case em comento só caberá recurso dentro da própria Receita, em um procedimento administrativo interno, onde não há composição paritária.
A IN RFB nº 1.862/2018, determina que os auditores fiscais poderão apontar responsáveis solidários indefinidamente, ou seja maneira indistinta. Assim, os auditores poderão qualificar os responsáveis sem nenhuma trava temporal. O documento permite entender, que desde que haja provas dos atos ilícitos, qual pessoa que tenha interesse no negócio, pode ser responsabilizado.
O texto passou por processo de consulta pública, no período de 20 de novembro e 6 de dezembro e sofreu críticas por parte dos contribuintes, já que, conforme demonstrado, inexiste a possibilidade de recorrer ao tribunal administrativo o que compromete o direito de defesa. Em contrapartida, a RFB afirmou em nota que a IN promove a transparência fiscal e uniformiza a atuação do órgão sob a égide da responsabilização tributária.
Responsabilidade tributária
No âmbito tributário a responsabilidade solidária, é aplicável somente em relação ao sujeito passivo (solidariedade passiva) e decorre sempre de lei, não podendo ser presumida ou resultar de acordo das partes, nem comporta o benefício de ordem.
Tal possibilidade é exposta no Art. 124 da Lei 5.172/1966, amplamente conhecido como Código Tributário Nacional (CTN):
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:
I - o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;
II - a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;
III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.
Perante o Fisco, são solidários, os contribuintes que tenham real interligação na situação constituinte do fato gerador da obrigação principal e os designados expressamente em lei.
Segundo o dicionário jurídico a palavra “responsabilidade” significa responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou, ou do ato que praticou. No direito tributário, a palavra responsabilidade refere-se à sujeição de determinada pessoa, que pode ser o contribuinte ou não, ao direito dá Administração Fazendária exigir a prestação da obrigação tributária.
A responsabilidade tributária é o evento do qual um terceiro que não seja contribuinte, ou seja, não tenha relação direta e pessoal com fato gerador da obrigação principal, está obrigado, total ou parcialmente, ao pagamento ou cumprimento da obrigação tributária.
A exigência do tributo poderá ser feita, na sua totalidade, a um ou a todos os coobrigados, sem qualquer vedação.
Sócios ou administradores poderão ser responsabilizados pela cobrança lavrada contra uma empresa se atuarem com dolo, em situações de fraude ou conluio e/ou se tiverem obtido vantagens ilícitas pela suposta infração. Anteriormente, a RFB somente poderia inserir responsáveis tributários quando o auditor fiscal lavra o auto de infração para cobrar os tributos que considera devidos.
Além desta hipótese já existente, a instrução normativa estabelece quatro novas oportunidades para a Receita cobrar a dívida fiscal de terceiros: quando da rejeição de um pedido de compensação; antes do início do julgamento na primeira instância do processo administrativo fiscal; após decisão definitiva do CARF – antes de o débito ser encaminhado para inscrição em Dívida Ativa; e em casos de dívidas confessadas na Declaração de Créditos e Débitos Tributários Federais (DCTF) .
Se a alargamento da cobrança a terceiros ocorrer no auto de infração, na negativa de compensação ou antes do julgamento na primeira instância administrativa, os contribuintes poderão recorrer no âmbito do processo administrativo fiscal, do qual fazem parte as Delegacias de Julgamento (DRJ) e o CARF.
Entretanto, se a inclusão como responsável solidário ocorrer após decisão definitiva do CARF ou no caso de uma dívida confessada, o julgamento será realizado na própria Receita Federal, nos termos da Lei nº 9.784/1999. A Receita justifica o trâmite por compreender que o crédito tributário nestes casos já está definitivamente constituído. De acordo com a nota “Não tendo mais o que se discutir a seu respeito em âmbito administrativo”. Por outro lado, segundo entendimento do CARF, a inclusão adicional de responsável tributário por cobrança anterior é desconforme com o CTN.
Compensação
Ao criar sistemas informatizados para escrituração de obrigações como o e-Social, a DCTF-Web e o PerDComp -Web (Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação WEB), a Receita terá mais agilidade para cruzar informações e verificar se o contribuinte de fato tem direito ao crédito declarado. O que vem ao encontro de restrições que a Receita Federal implantará em relação a esse tipo de operação, já que a Receita habitualmente adiciona multa de 50% sobre os tributos quando há rejeição da solicitação de compensação, no caso do PerDComp. Ou seja, o fato da declaração não ser homologada já faz com que o administrador possa ser incluído como responsável tributário no auto com valores altos.
Direito de defesa
Em nota enviada à imprensa, a Receita Federal aduz que o proposto pela IN tem como objetivo completar um vazio na legislação tributária brasileira enquanto à imputação de responsabilidade. Ademais, o órgão argumenta que os novos procedimentos preservam o direito de defesa dos contribuintes. Apesar de deixa-lo mais oneroso e demorado.
Entretanto, a 1ª Turma da Câmara Superior do CARF já proferiu decisões no sentido de que uma autuação complementar feita para incluir um responsável tributário por uma cobrança lavrada anteriormente viola o Código Tributário Nacional (CTN). Ou seja, é contra ao que a Instrução normativa trouxe.
Entendemos que os contribuintes têm o direito de defenderem-se da cobrança fiscal em qualquer etapa do processo administrativo. O que, segundo a RFB, não será possível quando da responsabilização após decisão do CARF.
Tal procedimento da RFB choca-se diretamente com a isonomia processual (art. 139, I do CPC/2015) e fere também a transparência fiscal, ficando os contribuintes a mercê do fisco, que poderá arrolar os responsáveis tributários em momentos diferentes e com direito a ampla cerceado, maculando o direito ao contraditório.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 20 fev. 2019.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei Nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 20 fev. 2019.
BRASIL. Lei Nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Brasília, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>. Acesso em: 20 fev. 2019.
RFB - Receita Federal do Brasil. Instrução Normativa Secretaria da Receita Federal Nº 1.862, de 27 de dezembro de 2018, Brasília, Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=97728>. Acesso em 20 fev. 2019.
RFB - Receita Federal do Brasil. Parecer Normativo COSIT n° 4/2018, de 10 de dezembro de 2018, Brasília, Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=97728>. Acesso em 20 fev. 2019.