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ARTIGO TRIBUTÁRIO

A parte mais difícil da reforma tributária

Neste artigo, o especialista comenta sobre a reforma tributária e a questão dos privilégios que a circulam.

26/07/2023 13:30

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A parte mais difícil da reforma tributária

A parte mais difícil da reforma tributária

Não tenho dúvidas de que, a despeito das constantes turbulências político-partidárias, o assunto reforma tributária será dominante neste segundo semestre, que já começa a andar a passos largos.

A primeira parte da reforma ainda engatinha e enfrentará muitos obstáculos para que finalmente seja aprovada. Tomara que a espinha dorsal não seja destruída pelas emendas, quase sempre modificações exatamente para que nada mude. E reformar é mudar. E mudar mexe sempre com privilégios. Daí que a queda de braço será gigante.

O bloco de alterações que está sendo analisado é o que sempre tratei como o lado mais perverso da tributação, aquele que tributa igualmente os diferentes sem se preocupar com sua capacidade contributiva, se ele pode pagar pelos tributos.

Assim se constrói, mundo afora, as maiores desigualdades sociais, nas quais o gigante e sempre adormecido Brasil ocupa lugar de destaque junto aos países africanos, que estão no topo da lista. Continuamos firmes entre a sétima e a oitava maiores desigualdades sociais do planeta.

E isso é resultado, exatamente, da predominância da tributação regressiva sobre a tributação progressiva. Nossa matriz tributária é invertida em relação aos países que apresentam melhores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e Índice de Gini, e a reforma terá muita dificuldade em amenizar esse quadro.

Por isso não tenho dúvidas de que a parte mais difícil da reforma é a que está por vir, a que foca a tributação sobre patrimônio e renda. É somente aqui que será possível melhorar nossos indicadores, tributando mais quem tem mais e ganha mais e menos que tem menos, ganha menos ou nada tem. É a capacidade que tem a justiça fiscal de fazer crescer a justiça social.

Uma das prováveis medidas a serem propostas já teve seu balão de ensaio lançado e, com certeza, vai gerar muita gritaria. 

Trata-se da proposta do governo de acabar com o Juros sobre Capital Próprio (JCP).

A regra surgiu na década de 90, visando estimular o mercado de capitais, e prevê a distribuição de parte dos lucros aos acionistas, conforme regras próprias em relação à proporção desses lucros e reserva de lucros, sendo considerada despesa para a empresa que paga o JCP. Para o beneficiário pessoa física, ocorre a tributação exclusiva na fonte à alíquota de 15%.

O segmento financeiro, os bancos, serão diretamente afetados pela medida. Em determinados bancos, 100% do lucro distribuído é feito através do JCP.

Na mesma seara, tudo indica que também a outra forma de distribuição de lucros, os dividendos, desde 1º de janeiro de 1996 isentos para a pessoa física, passarão a ser tributados. 

Por aqui, onde a tributação sobre a pessoa jurídica já é bastante alta, o ideal é que os dividendos sejam tributados no máximo em 15%, com a proporcional redução da tributação da pessoa jurídica.

Hoje, apenas Brasil, Estônia e Letônia não tributam a distribuição de lucros e dividendos. Os Estados Unidos tributam, na fonte, a 30%.

Também a tributação sobre patrimônio, em especial sobre herança e legado, poderá sofrer alguma alteração com o aumento da tributação. Também aqui o Brasil está muito distante do que é cobrado no mundo desenvolvido.

O país campeão na tributação da herança é a Bélgica, que taxa em 80%. Estados Unidos, Holanda e Grécia tributam em 40%. Em Portugal, destino de muitos brasileiros nos últimos anos, a tributação está em 20%. Aqui a alíquota máxima permitida do Imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCMD) é 8%.

Mesmo na primeira parte da reforma, em análise, já tivemos uma sinalização na direção da justiça fiscal: a possibilidade da extensão de um tributo semelhante ao hoje existente Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) para barcos, iates, jatos, lanchas, jet ski e outros que hoje nada pagam. 

E deixei para o final a polêmica intenção de se tributar as grandes fortunas. Hoje ainda existe a tributação sobre grandes fortunas na Espanha, Noruega e Suíça.

Por razões óbvias, a resistência e a grita será muito grande caso a reforma propunha a criação dessa tributação.

Também não vejo com bons olhos a iniciativa, vejo que não compensa o desgaste.

O que precisamos é de mecanismos que impeçam que grandes fortunas sejam construídas sem a devida tributação: 

  • Acabar com a distribuição de lucros e dividendos sem nenhuma tributação;
  • Aumentar a progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) ;
  • Tributar em proporções justas a transferência patrimonial e, para que não haja aumento da carga tributária;
  • Reduzir a tributação da produção e consumo.

E, claro, combater com mais eficácia a sonegação, que é muito maior do que qualquer estimativa e número que são divulgados.

E se você que chegou até aqui acha que estou exagerando, recomendo uma conferida criteriosa nos grandes números do Imposto de Renda da Pessoa Física divulgados pela Receita Federal anualmente.

Lá será possível ver o quanto estamos distantes de uma tributação justa, ainda que a análise se ocupe do tributo com maior capacidade para promover essa justiça.

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