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ARTIGO TRABALHISTA

A obrigatoriedade de divulgação do Relatório de Transparência Salarial

Neste artigo, o especialista Jorge Matsumoto comenta sobre o relatório de transparência salarial entre gêneros e os novos desafios de conformidade para as empresas.

01/02/2024 13:30

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A obrigatoriedade de divulgação do Relatório de Transparência Salarial

A obrigatoriedade de divulgação do Relatório de Transparência Salarial Foto: Kampus Production/Pexels

A implementação da Lei nº 14.611/2023 e do Decreto 11.795/2023, regulamentado pela Portaria Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nº 3.714/2023, impõe novos desafios de conformidade para as empresas que operam no Brasil, focando na igualdade salarial e transparência de remuneração entre os gêneros. 

As empresas são obrigadas a publicar relatórios semestrais, elaborados pelo MTE, detalhando a compensação dos empregados, com a exigência de que esses relatórios sejam anonimizados de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) .

Não fosse só isso, identificada desigualdade entre gêneros, a empresa terá 90 dias para o estabelecimento de um Plano de Ação para corrigir as disparidades identificadas, devendo, tais planos, incluir objetivos mensuráveis, prazos e envolver representação sindical e dos empregados. O não cumprimento das obrigações de relatório pode resultar em multas de até 3% da folha de pagamento da empresa, até um máximo de 100 salários mínimos mensais.

Além disso, a legislação estabeleceu o avanço das habilidades e treinamento das mulheres, instando as empresas a promover programas de diversidade e inclusão no local de trabalho. Esses programas devem se concentrar em treinamentos sobre igualdade de gênero e no avanço das carreiras das mulheres em paralelo com seus colegas masculinos.

Ademais, a nova legislação amplia a vigilância governamental para garantir a adesão às leis de discriminação salarial, o que pode levar a inspeções trabalhistas mais rigorosas. Portanto, as empresas devem estar preparadas para um aumento do escrutínio governamental e social e a necessidade de manter mecanismos de conformidade robustos para gerenciar e relatar os dados salariais.

Os dados de remuneração divulgados, embora destinados a serem anonimizados, podem sujeitar as empresas a julgamentos públicos e afetar suas reputações. Consequentemente, as empresas estão preocupadas com a divulgação dessas informações sensíveis e antecipam seu impacto nas percepções das partes interessadas.

Para garantir a conformidade, as empresas devem desenvolver planos de ação para abordar as desigualdades salariais, adotando uma abordagem abrangente e proativa para se alinhar com esses novos requisitos legais, antecipando a necessidade de revisão de políticas, atualizações tecnológicas, treinamento aprimorado e comunicação aberta com representantes trabalhistas.

Além disso, os empregadores devem permanecer vigilantes a atualizações regulatórias adicionais que possam esclarecer ou aumentar as obrigações estabelecidas sob o atual quadro legal.

Contudo, a análise das fragilidades da Lei 14.611/2023 e do Decreto 11.795/2023 e da Portaria que o regulamente, especialmente à luz da LGPD do Brasil e da teoria de conflito de direitos fundamentais de Robert Alexy, revela um terreno complexo onde se equilibram os direitos à privacidade, à proteção de dados e à liberdade econômica.

A exigência de relatórios semestrais detalhando remunerações pode entrar em conflito com a LGPD, especialmente no que diz respeito à anonimização efetiva de dados, ainda que de modo indireto. Mesmo dados anonimizados podem, em certos contextos, ser reidentificados, especialmente em pequenas empresas ou em posições únicas, o que pode violar a privacidade e segurança dos funcionários, assim como o direito à livre concorrência.

O tratamento e armazenamento seguros desses dados representam um desafio significativo e a divulgação pública de informações salariais, mesmo de forma anonimizada, pode ser vista como uma intrusão na privacidade dos empregados, acarretando um dilema entre o direito à privacidade e a transparência salarial.

A imposição de relatórios detalhados e ações corretivas para disparidades salariais pode ser interpretada como uma intervenção excessiva do Estado na autonomia das empresas, contrariando os princípios da Lei da Liberdade Econômica, que busca reduzir a burocracia e promover a liberdade econômica.

À luz da teoria de Robert Alexy sobre conflitos de direitos fundamentais, esses pontos representam um "caso de colisão" onde deve haver uma ponderação entre os direitos conflitantes. Alexy propõe que tais conflitos sejam resolvidos através do princípio da proporcionalidade, avaliando a necessidade, adequação e proporcionalidade das medidas em questão.

Uma abordagem legal que as empresas podem considerar é a contestação judicial com base na desproporcionalidade da aplicação da lei, argumentando que ela impõe ônus excessivos e desnecessários que colidem com a LGPD, com os direitos constitucionais de privacidade e com os princípios da Lei da Liberdade Econômica. 

As empresas podem buscar uma ordem judicial que reavalie a extensão e a forma de divulgação das informações salariais para garantir a proteção da privacidade dos empregados e que proporcione um equilíbrio mais adequado entre a transparência salarial e os direitos de privacidade, concorrência e liberdade econômica e que estabeleça diretrizes mais claras para a anonimização efetiva dos dados, alinhadas com a LGPD, permitindo uma implementação mais flexível da lei para diferentes tamanhos e tipos de empresas, considerando seus recursos e capacidades. 

Essa abordagem não apenas defende os interesses das empresas, mas também contribui para um debate mais amplo sobre como equilibrar transparência, privacidade e liberdade econômica de forma justa e proporcional.

Nesse sentido, a medida judicial apropriada que uma empresa pode adotar para contestar os aspectos da Lei 14.611/2023 e do Decreto 11.795/2023, que possivelmente entram em conflito com a LGPD, direitos constitucionais de privacidade e a Lei da Liberdade Econômica, seria o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) por meio das Associações que nacionalmente a representam. 

O objetivo seria questionar perante o Supremo Tribunal Federal (STF) a conformidade da Lei 14.611/2023 e do Decreto 11.795/2023 com a Constituição Federal ou evitar ou reparar lesões a preceitos fundamentais decorrentes de atos do poder público, inclusive em face da legislação.

Na Justiça Federal, as empresas também podem fazer uso do ajuizamento de uma Ação Civil Pública ou uma Mandado de Segurança Coletivo por meio também de suas respectivas associações, objetivando refutar a aplicação de aspectos específicos da lei que são considerados lesivos aos direitos de privacidade, proteção de dados e liberdade econômica sob o argumento de que a implementação da lei em sua forma atual causa danos a um interesse coletivo ou difuso, como a privacidade dos empregados ou a liberdade de atuação empresarial. 

E no caso do mandado de segurança coletivo, proteger direitos líquidos e certos das empresas que não exigem prova complexa, e que possam ser afetados pela aplicação da nova legislação e defender contra ato ilegal ou abusivo de autoridade pública que afeta as empresas em relação à lei, sendo a concessão de uma liminar para suspender imediatamente os efeitos da lei ou de seus dispositivos específicos, seguida de uma decisão que assegure os direitos das empresas.

A conclusão é que, diante dos desafios impostos pela Lei 14.611/2023 e pelo Decreto 11.795/2023 e Portaria que o regulamente no Brasil, especialmente no que tange à igualdade salarial e transparência de remuneração, as empresas necessitam adotar uma abordagem multifacetada para garantir a conformidade. 

Este cenário envolve não apenas a adaptação a requisitos técnicos e operacionais mais rigorosos, mas também a necessidade de navegar por um ambiente legal complexo, onde as novas regulamentações podem entrar em conflito com direitos fundamentais como a privacidade, a proteção de dados pessoais e a liberdade econômica.

Diante desses conflitos potenciais, como dito, as empresas têm à disposição medidas legais para buscar um equilíbrio mais justo entre as exigências da nova legislação e outros princípios legais consagrados. 

O ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), bem como ações na Justiça Federal, como Ação Civil Pública ou Mandado de Segurança Coletivo, emergem como ferramentas para que as empresas desafiem aspectos da legislação que considerem desproporcionais ou prejudiciais.

O cerne da questão é a busca por uma aplicação da lei que respeite a balanceamento entre a transparência salarial e a igualdade de gênero no local de trabalho, por um lado, e a proteção da privacidade dos empregados e a liberdade de gestão empresarial, por outro. Essa busca por equilíbrio deve ser informada pelo princípio da proporcionalidade, conforme proposto por Robert Alexy, garantindo que as medidas adotadas sejam necessárias, adequadas e não excessivas em relação aos objetivos pretendidos.

Portanto, a conclusão é que, além das estratégias internas para cumprir com as novas regulamentações, as empresas devem estar preparadas para participar ativamente no diálogo jurídico e político sobre a implementação dessas leis. 

Isso pode envolver tanto a adoção de medidas judiciais para proteger seus interesses e os de seus empregados quanto o engajamento em discussões mais amplas sobre a melhor forma de alcançar a igualdade de gênero e a transparência no ambiente de trabalho, sem comprometer outros direitos fundamentais.

Com a coautoria de Christiana Fontenelle, sócia da área trabalhista do Bichara Advogados

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