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REFORMA DO IR

Reforma do IR: pejotização não tem sido abordada como deveria

Alguns detalhes têm passado despercebidos a contadores, parlamentares e formadores de opinião em geral, mas que ganham importância singular diante da Reforma Tributária de Renda.

16/02/2024 18:30

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Pejotização não tem sido abordada como deveria na reforma do IR

Reforma do IR: pejotização não tem sido abordada como deveria Foto: Tima Miroshnichenko/Pexels

Desde os idos anos 1990, pelo menos, a pejotização é uma prática comum a certos segmentos do mercado de trabalho, sobretudo nas áreas de tecnologia, marketing, saúde, engenharia e outras profissões entendidas como “intelectuais” pelo Fisco.

Embora as opiniões se dividam sobre a legalidade desse modelo, não pretendo aqui entrar na discussão se a pejotização é justa, legal ou lícita.

Em vez disso, sinto a necessidade de abordar alguns detalhes cuja observação ganha importância diante das discussões inerentes à fase 2 da Reforma Tributária: renda e IR dos profissionais PJ.

Ao acompanhar este assunto pela mídia especializada, me surpreende como distinções básicas escapam até à análise de bons formadores de opinião - principalmente os da área contábil e econômica! Para não falar dos próprios contabilistas…

Primeiramente, vamos lançar luz a algumas diferenças trazidas do dia a dia prático. E depois, uma provocação sobre as consequências de não corrigir essa rota num momento tão crucial da nossa História (leia-se: Reforma Tributária).

O assalariado

É aquele que trabalha todos os dias úteis do mês na mesma empresa, por pelo menos seis horas diárias e ganha um salário pago mensalmente. Costuma cumprir todos os requisitos pautados pela CLT: subordinação, pessoalidade, onerosidade e habitualidade, embora nem sempre tenha registro em carteira de trabalho (sem entramos no mérito de isso ser incorreto).

Muitos assalariados nos procuram para abrir um CNPJ, não como forma de trabalhar por conta ou empreender, mas para acordar com seus patrões um contrato distinto da CLT - a famigerada pejotização.

Apoiem ou não esse estratagema, eu vejo muitos contadores confundirem a pejotização de assalariados com uma suposta transição para o trabalho autônomo. E isto não procede!

Senão, vejamos a definição do autônomo.

O autônomo

É quem “pega serviços” de vários contratantes diferentes ao mesmo tempo e se organiza para executá-los, no tempo que lhe convier ou conforme combinado com os clientes.

Esta classe merece ainda uma segunda distinção:

  1. Pintores, eletricistas, terapeutas, dentistas, web designers, etc. - com renda mensal não muito superior a R$ 15 mil;
  2. Profissionais liberais renomados, como médicos e advogados de destaque em suas áreas, cuja renda ultrapassa os R$ 100 mil por mês.

Os serviços que eles nos demandam são completamente distintos. Enquanto o assalariado e o “autônomo tipo 1” podem ser atendidos com uma micro empresa no Simples Nacional (ou mesmo um MEI) , para o segundo é necessário avaliar se o Lucro Presumido não se faz mais vantajoso, o que traz outro rol de obrigações acessórias.

A grande questão aqui é: tanto os assalariados quanto os autônomos podem escolher dois caminhos para tributar seus ganhos:

  • Pessoa física, via carnê leão, CLT ou RPA; 

  • Abrir um CNPJ.

Isto é, “ser PJ” é uma coisa; ser autônomo ou assalariado é outra! Essas duas dimensões são independentes e não podem mais ser confundidas!

Quando o autônomo pensa em abrir um CNPJ, eu já não costumo utilizar o termo “pejotização” - pois entendo que este fenômeno se aplica apenas aos assalariados.

Nos dois casos, nossa experiência mostra que ter um CNPJ não muda as rotinas, compromissos nem hierarquia de ninguém; apenas o valor dos impostos. Muito embora isso talvez devesse acontecer segundo o que reza a CLT.

O empreendedor

Já o empreendedor é quem mobiliza recursos, capital e (outras) pessoas para gerar valor, assumindo os riscos de o empreendimento dar errado. Portanto, alguém que desenvolve trabalhos solo, mesmo tendo CNPJ, encaixa-se na classe dos autônomos e não dos empreendedores.

A tênue linha entre as classes

Vale ressaltar também que não é a profissão, atividade ou formação do profissional que o enquadra numa dessas categorias, mas sim o seu contexto prático.

Por exemplo, um médico que trabalha por conta em seu próprio consultório está na classe dos autônomos. Porém, se ele for contratado como diretor de um hospital, passa a ser assalariado.

Uma web designer empregada numa agência é assalariada. Mas quando passa a fazer sites por conta própria para quem busca esse serviço, autônoma.

Caso ela crie site comercial e monte uma empresa para gerenciar espaços publicitários, empreendedora.

Para que relembrar tudo isso?

Para concluir, vamos entender o problema que surge quando esquecemos essas sutilidades…

O contador é o primeiro profissional a quem o trabalhador recorre quando precisa avaliar “virar PJ”, e portanto deveria dominar com maestria essas distinções, bem como saber explicá-las com clareza cristalina.

Infelizmente, não é o que tenho visto no mercado. Os contadores com quem converso são as principais vítimas do engano, e chegam até a amplificar o desentendimento.

Os contadores que compreenderem isto não só sairão na frente dos seus concorrentes como terão uma comunicação mais assertiva com seus clientes - poupando tempo a eles e a si mesmos.

E sobretudo, com o advento das discussões sobre a Reforma Tributária de Renda (ou Reforma do Imposto de Renda), dominar essas distinções ganha vital importância para toda a sociedade.

Afinal, quando um parlamentar falar em “tributar os PJ’s” ou que “tem PJ ganhando 100 mil por mês sem pagar nenhum centavo de imposto”, quem desconhecer as sutilidades aqui expostas corre o risco de dar o mesmo tratamento tributário a dois atores econômicos super distintos:

  • ao profissional liberal que de fato lucra R$ 100 mil ou mais por mês; e

  • ao assalariado que mal ganha R$ 10 mil, embora tenha um CNPJ.

Seria isso justo?

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