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POLÍTICA DE TRANSFER

Evolução normativa do TRANSFER PRICE e suas alterações

A grande questão negativa para a política de transfer price fiscal Brasil, é o total esquecimento do princípio “arm’s length”, ou seja, a obediência as regras de mercado para essas transações, e não a imposição de lucros por regras fiscais.

21/03/2024 20:30

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Evolução normativa do TRANSFER PRICE e suas alterações

Evolução normativa do TRANSFER PRICE e suas alterações Foto: RDNE Stock project/Pexels

As novas instruções apresentadas pela Receita Federal para o assunto “preço de transferência” trazem uma roupagem diferente do que, até então, acompanhamos sobre o mesmo tema.

Originalmente,  a questão do preço de transferência foi trazida para a nossa legislação com base na Lei de número 9430/1996. A sua normatização passou, pelo que podemos chamar de duas fases, uma através das Instruções Normativas SRF de números 38/97, 32/01, e 243/02 que foram amplamente questionadas juridicamente, sob a alegação de que traziam bem mais exigências aos contribuintes e limitações de uso da norma legal, do que a própria previsão legal. A outra fase baseada na Instrução Normativa RFB de número 1312/12,  procurou eliminar em sua normatização, os pontos nevrálgicos que as outras Instruções tinham em termos de aberturas para esses questionamentos judiciais.

A questão do uso de legislação vinculada a preço de transferência, tem relação direta com a internacionalização da economia, ou seja, a globalização econômica da qual o Brasil fez parte. O acompanhamento  quanto a legislação tributária e controle tributário das operações das empresas vislumbrava, na época, o início da informatização onde as empresas tinham que atender leiautes definidos pela Receita Federal, para transmitir eletronicamente seus dados a ela, como era o caso da Instrução Normativa RFB de número 68/95 e Instrução Normativa RFB de número 86/01. O Brasil, em 1990, iniciou sua aproximação com a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, e fez parte do primeiro comitê da Organização em 1996. Essa evolução na informatização de dados para serem transmitidos a Receita Federal, e a aproximação com a OCDE, foram instrumentos complementares para se entender a necessidade de uma política de preço de transferência considerando o montante de operações de comércio exterior realizadas na época, e volume de investimentos que empresas estrangeiras realizavam localmente. Questões relacionadas a combate as medidas restritivas de comércio, combate a corrupção e a ilícitos internacionais, validação de regras internacionais de tributação contra a evasão fiscal, passaram a ser tratadas de forma mais objetiva. A participação do Brasil no G20 também fortaleceu essa tratativa.

O mecanismo original do transfer price em uma visão puramente tributária, era direcionado a não possibilitar operações de comercio exterior, na importação, entre empresas vinculadas, com a seguinte estrutura: se paga mais sai mais divisas do País equivale a remessa indireta de lucros pois remunera o exportador com geração de custo local mais custos = menos lucromenos resultado menos IRPJ/CSLL conclusão: operações com empresas vinculadas/coligadas podem interferir no resultado local. Já na exportação o racional é o mesmo mas, direcionado a venda para empresa vincula no exterior, com preço abaixo de 90% do preço praticado localmente, de forma a merecer ajuste, por favorecimento a essa empresa vinculada pela prática de valor abaixo do preço  de mercado, com  manutenção de custos locais  o que impactava o resultado da operação pelo baixo valor de venda.

Para isso, a proposta foi criar mecanismos, com base em preços parâmetros, cujo cálculo comparado com o custo dessa determinada importação (e receita quando de  exportação) para empresa vinculada, caso não atende-se o lucro definido na norma fiscal, geraria ajuste tributário de forma. Assim, para essa finalidade – fiscal/tributária – teríamos o recolhimento de tributos  indicado por esse cálculo referencial. As instruções Normativas mencionadas tinham exatamente essa finalidade, ou seja, esclarecer esse cálculo para fins de ajuste fiscal/tributário. A grande questão aqui, que sempre foi colocada como referencial negativo para política de transfer price fiscal Brasil, é a não importância, ou, total esquecimento ao princípio “arm’s length”, ou seja, obediência as regras de mercado para essas transações, e não a imposição de lucros por regras fiscais. O artigo 9º da Convenção Modelo da OCDE diz o seguinte com relação a essa questão de preço praticado entre empresas vinculadas:

Artigo 9

Empresas Associadas

Quando:

  1. a) uma empresa de um Estado Contratante participar direta ou indiretamente da direção, controle ou capital de uma empresa do outro Estado Contratante, ou
  2. b) as mesmas pessoas participarem direta ou indiretamente da direção, controle ou capital de uma empresa de um Estado Contratante e de uma empresa do outro Estado Contratante, e em ambos os casos, as duas empresas estiverem ligadas, nas suas relações comerciais ou financeiras por condições aceitas ou impostas que diferem da que seriam estabelecidas entre empresas independentes, os lucros que, sem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas o foram por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa empresa e tributados como tal”.

O atual avanço nas relações do Brasil com a OCDE, e consequentemente com seus membros, fez com que, podemos considerar, forçosamente, essa questão relacionada a legislação do transfer price teve que ser alterada, e a alteração migrou para atender as disposições da OCDE relacionadas a questão - princípio “arm’s length”,.

Isso ocorreu, a partir de dezembro/2022 com a publicação da Medida Provisória de número 1152/2022, convertida em junho de 2023 na Lei de número 14596/2023, normatização do tema realizada pela Instrução Normativa RFB de número 2161/2023. Aplicação obrigatória dessas disposições a partir de janeiro/2024, e aplicação opcional para o exercício 2023.

 Essas  novas disposições, tratam das operações controladas para a prática de preço de transferência sendo elas as transações com bens tangíveis ou intangíveis, as prestação de serviços, os contratos de compartilhamento de custos, as operações caracterizadas como reestruturações de negócios, as operações  financeiras, as operações relacionadas a  transferências de ativos, por exemplo ações, ou documentos que representem titularidades e direitos relacionados.

 A “IN” traz a definição de partes relacionadas, citando como exemplo, a situação em que uma delas é influenciada pela outra, de maneira que tenha interferência  para definir termos diferentes  daqueles que seriam normais em uma operação entre partes não relacionadas.

O princípio “arm’s length”  tem destaque em termos conceituais para a nova proposta de acompanhamento do preço de transferência, afinal ele é o balizador do preço da transação, e para essa função primordial como parâmetro comparativo, exige-se uma série de dados que devem ser analisados e devem estar disposição com o objetivo de avalizar a correção da operação em termos de valor justo, sem qualquer favorecimento. De forma geral o uso desse princípio objetiva realizar o delineamento da transação controlada, com fundamento na análise dos fatos e das circunstâncias dessa  transação e das evidências da conduta efetiva das partes com vistas a indicar as relações comerciais e financeiras entre elas e as características economicamente relevantes associadas à operação. Para isso será necessário visão geral  do setor econômico  que o grupo multinacional opera, das atividades do grupo, e dos elementos que afetam o desempenho da operação comercial de uma empresa naquele setor. A mesma visão será necessária quanto a estrutura organizacional do grupo multinacional, as funções operacionais, ativos e riscos relevantes assumidos pelas entidades que fazem parte do grupo multinacional, isso também quanto a cadeia de suprimentos  e agregação de valor a cada entidade do grupo multinacional. Assim, fatores relacionados a termos de contrato de fornecimento, características do item ou bem em questão, estratégia de negócio, questões econômicas são aspectos evidentes e seguros para uma competente comparabilidade e passam a ser parte dos dados de controle para o transfer price da empresa.

Quanto aos métodos para cálculo do  preço parâmetro tanto para importação como exportação são eles PIC – Preço Independente Comprado, PRL – Preço de Revenda Menos Lucro, MCL – Custo mais Lucro, MLT – Margem Líquida da Transação, MDL – Divisão de Lucro, e outros métodos ou metodologias alternativas desde que  a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas, e os métodos mencionados não sejam aplicáveis à transação controlada, ou não produzam resultados confiáveis, e a metodologia alternativa selecionada seja considerada mais apropriada. A utilização de outros métodos compreende técnicas ou modelos de avaliação econômica de ativos geralmente aceitos, em particular os métodos de avaliação baseados em renda, como a metodologia do fluxo de caixa descontado.

Em termos de documentação de suporte para que possa se validar as informações disponibilizadas pelo contribuinte, a “I.N.” menciona a entrega da  declaração país-a-país, (bloco W da ECF) contendo informações relativas à alocação global das receitas e dos ativos e ao imposto sobre a renda pago pelo grupo multinacional a que pertence, juntamente com os indicadores relacionados à atividade econômica global do grupo multinacional. Menciona também a entrega de um  arquivo identificado como  “global” contendo informações relativas à estrutura e às atividades do grupo multinacional a que pertence e às demais entidades integrantes do grupo multinacional, essa entrega será dispensada se o valor total das transações controladas do contribuinte, antes dos ajustes de preços de transferência, no ano-calendário anterior for menor que R$ 15.000.000,00.  E mais um arquivo identificado como “local” contendo informações relativas às transações controladas e às partes envolvidas nas transações controladas. As informações do arquivo terão a composição de acordo com o valor das transações com a vinculada. Ele conterá descrição das atividades do contribuinte, informando entre outros dados: descrição da estrutura organizacional e funcional identificação dos responsáveis pelas áreas de gestão, caracterização das atividades exercidas e áreas de negócio, descrição detalhada das operações e reestruturação de negócios, identificação dos principais concorrentes, identificação das atividades com as quais realiza operações, informações sobre as transações controladas, informação sobre a metodologia de determinação do preço de transferência, identificação dos comparáveis internos e externos, datas das transações, declaração de responsabilidade, informações contábeis, caso o valor total das transações controladas do contribuinte, antes dos ajustes de preços de transferência, no ano-calendário anterior ao ano-calendário a que se refere o arquivo local seja maior ou igual a R$ 500.000.000.Caso o valor total das transações controladas do contribuinte, antes dos ajustes de preços de transferência, no ano-calendário anterior ao ano-calendário a que se refere o arquivo local seja maior ou igual a R$ 15.000.000 e menor que R$ 500.000.000, esse arquivo deverá conter descrição do tipo e características das transações controladas, identificação do método de preço de transferência, comparáveis obtidos e valores  resultante da aplicação do método, justificativa para a seleção do método, explicação dos ajustes do preço de transferência.  Ocorrerá a dispensa desse arquivo caso o valor total das transações controladas do contribuinte, antes dos ajustes de preços de transferência, no ano-calendário anterior ao ano-calendário a que se refere o arquivo local seja menor que R $15.000.000,00 (quinze milhões de reais).

O contribuinte apresentará o arquivo global e o arquivo local em processo digital, por meio de serviço disponível no centro virtual de atendimento - e-CAC da Receita Federal, em até 3 (três) meses após o prazo assinalado para a transmissão da ECF do ano-calendário correspondente. O prazo de apresentação desses arquivos para quem optou para o cálculo do transfer price por essa nova metodologia em 2023,  e para 2024 é  até último dia útil respectivamente de 2024 e 2025.

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