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O mito da pessoa física que achar ser pessoa jurídica

O artigo comenta sobre o registro de pessoas físicas e jurídicas e o caso de registros equivocados.

11/07/2024 19:00

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O mito da pessoa física que achar ser pessoa jurídica

O mito da pessoa física que achar ser pessoa jurídica Foto: Andrea Piacquadio/Pexels

Em nosso ordenamento jurídico, existe a pessoa natural (pessoa física) e a pessoa jurídica, sendo esta última uma ficção do direito. 

A personalidade é a qualidade inerente à pessoa, é a condição de pessoa, ou seja, é uma situação jurídica subjetiva, uma qualidade reconhecida pelo direito ao ser humano (pessoa física ou natural) e organizações humanas, tais como a sociedade, as organizações, as fundações e entidades políticas.[1] 

A pessoa jurídica é uma ficção do direito, ficção para representar um grupo de pessoas (físicas, físicas e jurídicas ou jurídicas) que se reúnem para exercício de determinada atividade econômica ou somente com interesso social.                  

É de longa data que pessoas (física e ou jurídicas) veem se organizando, como pessoa jurídica, à exemplo são as PJs tidas como Holding Patrimonial, com propósito de serem constituídas e gerirem seus patrimônios (imóveis por exemplo). 

Mas, também de forma corriqueira e usual inclusive,  estas PJs são registradas na Junta Comercial – JC, o que em quase nada resolve a questão da proteção patrimonial. 

O reconhecimento e aquisição de Personalidade Jurídica se dá a partir do registro no órgão competente (registro próprio) conforme artigos 985, 45 e 150 do Código Civil, resumindo: se foi registrado  na JC e deveria ser no Cartório, a suposta PJ NÃO É PJ,  e isso tem graves consequências,  além de não proteger o patrimônio. 

No caso como exemplo da Holding Patrimonial ela não pratica qualquer ato de comércio, portanto o seu registro é de competência do Cartório de Registros de Pessoas (Físicas e Jurídicas).

Também é comum encontrarmos empresas de prestação de serviços de profissão regulamentada (contador,   engenheiro, arquiteto, economista, médicos e dentistas, etc) registradas na JC. O registro de uma PJ que exercerá a atividade de profissão regulamentada é no cartório! A JC é para quem pratica atos de comércio! Mas o problema é mais grave. 

Da aquisição da personalidade jurídica 

O Código Civil de 2002, Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002, trouxe diversas e significativas alterações, principalmente no tocante ao Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de Junho de 1850, que foi quase todo revogado, ficando tão somente a parte de comércio marítimo, artigos 457 a 913, e os demais institutos regidos pelo atual e moderno Código Civil.

Quanto à aquisição da personalidade jurídica, o Código Civil nos traz a seguinte prescrição:

Quanto à Pessoa Natural ou Pessoa Física

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida. 

Quanto à Pessoa Jurídica

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.[2] 

Pela simples leitura dos enunciados, conclui-se que a pessoa física adquire a personalidade com o nascimento com vida e a pessoa jurídica com o registro de seus atos constitutivos no respectivo órgão competente. 

Costa Machado nos presta a seguinte interpretação ao art. 45 do CC:

A existência legal das pessoas jurídicas, para todos os efeitos legais, para o gozo de direito, para ser autora e ré em ações judiciais, começa com a inscrição do ato constitutivo no registro. Para alguns casos previstos em lei, há, ainda, necessidade de autorização ou aprovação do Poder executivo, por exemplo quando ligados a bancos, seguros, consórcios, montepios, caixas econômicas.[3] 

Ainda contribuindo com esta lição, Luiz Guilherme Loureiro, leciona:

Com efeito, a existência legal da pessoa jurídica de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedido quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder executivo (art. 4, CC). Com a inscrição do Ato constitutivo, a sociedade adquire personalidade e, portanto, pode exercer direitos e contrair obrigações.[4] 

Paulo Roberto Colombo Arnoldi ao interpretar o art. 985 do CC leciona:

A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, na forme de lei do seu contrato social, ou estatuto, no Registro Público de Empresas Mercantis de sua sede, a cargo da Junta Comercial do Estado. Deferida essa inscrição, a sociedade passa a ter a qualificação de sujeito de direito e de obrigações, com a existência diversa da de seus sócios membros (sócios). Sua personificação gera os seguintes efeitos: cardeais: autonomia patrimonial, (distinta de seus sócios) titularidade negocial jurídica, e capacidade própria de estar em juízo, ou seja, capacidade patrimonial, negocial e processual.[5] 

Nas lições Waldo Fazzio Júnior, a pessoa jurídica e sua personalidade resulta de uma ficção, vejamos:

Pessoa jurídica é pessoa só no universo jurídico. Resulta de uma ficção pragmática necessária que atribui personalidade e regime jurídico próprio a entes coletivos, tendo em vista a persecução de determinados fins.

A existência das pessoas jurídicas de direito privado deflui da inscrição de seus atos constitutivos no registro peculiar (CC de 1916, art. 18/ CC 2002, arts. 45 e 985).

Por conseguinte, quer seja contratual, quer seja institucional, a personalidade jurídica da sociedade empresária começa com o registro, cujos efeitos retroagem à data do ato constitutivo. Em outras palavras, somente com o arquivamento de seu ato constitutivo (contrato ou estatuto, conforme o caso) no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins (Junta Comercial), a sociedade empresária adquire personalidade jurídica, quer dizer, o direito ser, positivamente, no mundo jurídico.[6] 

Ainda contribuindo, Luiz Guilherme Loureiro, assenta a seguinte lição:

Como consequência da personalidade jurídica da sociedade, temos os seguintes resultados:

a entidade tem vontade própria, capacidade de querer, embora sua vontade seja manifestada por intermédio de quem legalmente a represente;o seu patrimônio é próprio e independente daquele dos associados e constitui a garantia dos credores;os bens particulares dos sócios ou associados, consequentemente não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais, salvo quando o sócio prestou alguma garantia ao respectivo pagamento (v.g., figura como avalista ou fiador da pessoa jurídica). É a chamada responsabilidade subsidiária;a entidade exercita a atividade para a qual foi constituída sob um nome social que lhe é próprio, tendo um domicílio seu, embora possa manter filiais ou sucursais;pode fazer parte de outra sociedade ou associação, como sócia, mesmo coma função de administrador ou gerente, nos termos da lei;os débitos e créditos dos sócios são independentes e não se confundem com os da sociedade, razão pela qual não se admite que nem os sócios nem a sociedade, possam opor compensação perante terceiros.[7]

 Do registro irregular 

Em virtude da atividade desenvolvida junto às empresas de contabilidade e auditoria ou mesmo em departamentos internos, o Dr. Natal Moro Frigi já deparou-se e ainda depara-se com situações em que empresas que deveriam estar registradas no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas e no entanto estão registradas na Junta Comercial.

Em muitos casos destes registros equivocados, dar-se pelo custo cobrado pela Junta comercial e o valor cobrado pelo cartório que é bem maior.

Com ressalva ao parágrafo único do art. 45 do CC, a empresa que deveria ser registrada no cartório e foi registrada na junta comercial, não está devidamente constituída, ou melhor dizendo, não adquiriu a personalidade jurídica, não beneficiando-se da previsão do art. 985 do CC.

Vamos agora nos colocarmos na seguinte situação: empresa prestadora de serviços de engenharia, registra-se na junta comercial, do Estado em que possui sede. Após o registro, participa de processo licitatório para prestação de serviços de engenharia e sai vencedora, entretanto o segundo colocado argumenta que a vencedora não possui prerrogativas de contrair direitos e obrigações, tendo em vista o seu irregular registro.

No caso hipotético, o segundo colocado está amparado na norma de que o primeiro colocado não possui personalidade jurídica para contrair direitos e obrigações. Neste caso, não estamos a falar de perda de personalidade jurídica, pois o que ocorrera é a não aquisição da personalidade. Restando desta forma a desclassificação do primeiro colocado, causando prejuízo para o mesmo, decorrente de um simples registro irregular.

Da perda da personalidade jurídica

Adquirida a personalidade, esta prerrogativa não é perpétua. A pessoa jurídica deve sempre estar condizente com os diplomas legais e estatutários para que não haja a sua perda.

 O CDC – Código de defesa do consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, prevê a desconsideração da personalidade jurídica, quando a empresa age em desconformidade com seu estatuto. Vejamos o art. 28:

  Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

        § 1° (Vetado).

        § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

        § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

        § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

        § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

O legislador com esta previsão trouxe maior proteção dos direito do consumidor. Leonardo de Medeiros Garcia leciona:

O CDC foi o primeiro dispositivo legal a se referir à desconsideração da personalidade jurídica. Posteriormente, foi inserida em outras leis: art. 18 da Lei nº 8.884/1994 (Lei do CADE); art. 4º da Lei  9.605 de 12.02.98 (dispõe sobre as sanções derivadas de danos ao meio ambiente) e art. 50 do Novo Código Civil.

O CDC, ao acolher a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) teve o intuito propiciar a máxima proteção ao consumidor, estipulando de forma expressa e ampla a possibilidade de a pessoa jurídica ser desconsiderada no caso concreto, afetando assim o patrimônio dos sócios. Importa salientar que o instituto da desconsideração será episódico, casual, ou seja; somente ocorrerá no caso concreto e ser avaliado pelo juiz.[8]

 Posteriormente ao enunciado pelo CDC, o Código Civil de 2002, em seu art. 50, trouxe a previsão da desconstituição da personalidade jurídica.

 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.[9] 

Em interpretação ao art. 50 do Código Civil, Silmara J. Chinellato nos presta a seguinte lição:

A desconsideração da personalidade jurídica não é novidade no Direito brasileiro, pois já fora agasalhada nas seguintes leis: art. 2º, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho; art. 135, III, do Código Tributário Nacional; art. 10 do Decreto nº 3.708/19 (Lei das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada); art. 28 do Código de Defesa do Consumidor. Mais recentemente também o foi na Lei Antitruste (Lei nº 8.884/94) e na Lei do Meio Ambiente (Lei nº 9.605/98). A origem histórica e os fundamentos de tal prática encontra-se no ensaio pioneiro de (1969) de Rubens Requião in RT 410/12-24.

A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, quando declarada pelo juiz, a requerimento da parte ou do Ministério Público, é casuística e temporária. Não importa a extinção da pessoa jurídica, com o previsto no Projeto do Código Civil. Quando decretada, terá efeitos apenas ao caso concreto, no qual os efeitos patrimoniais atingirão os bens particulares dos administradores ou sócios. A extinção compulsória e definitiva da pessoa jurídica se dá por meio de despersonalização, por via judicial.[10] 

Em resumo, a desconsideração da personalidade jurídica dar-se-á em conformidade com a previsão dos artigos 28 do Código de Defesa do Consumidor e 50 do Código Civil. Ressalta-se que a perda da personalidade é aplicada ao caso concreto. 

No exemplo mencionado, a pessoa jurídica registrada em órgão que não é o correto, a mesma não chegou a adquirir a personalidade, e por este motivo não tem a prerrogativa de firmar compromissos (direitos e obrigações) e seus constituidores e administradores respondem como pessoas físicas. 

A responsabilização civil de sócios por atos praticados em nome de PJ que não adquiriu a personalidade é certa, inclusive a responsabilização tributária, conforme art. 135 do Código Tributário Nacional[11] sem maiores dificuldades (direcionamento de execuções fiscais e outras demansdas). 

E ainda, no caso do Fisco Federal, poderá exigir o tributo dos sócios constituintes, tributando-os como pessoas físicas. 

Já no exemplo das Holding são somente em muitos casos estão registrada em órgão incompetente como a JC,  mas ainda possuem contratos sociais patrões  daquele órgão, que no caso saída e ou falecimento de um sócio não protege quase nada o socio vivo.

É de bom alvitre, que as empresas que foram registradas nas Juntas Comerciais, transfiram seus registros paras os Cartórios de Registros de Pessoas Jurídicas, para não correrem a responsabilização de sócios, administradores e consequentemente seus patrimônios possam responder pelo atos.  

Críticas, sugestões e elogios: 

NATAL MORO FRIGI

www.tolentinomorofrigi.adv.br

[email protected]

(61) 98121-9785 

[1] LOUREIRO, L. G. (2010). Curso Completo de direito Civil (3ª ed.). São Paulo: Método. p. 95.

[2] BRASIL. (2002). Código Civil Brasileiro.

[3] MACHADO, A. C. (2008). Código Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri - SP: Malone. p. 46.

[4] LOUREIRO, L. G. (2010). Curso Completo de direito Civil (3ª ed.). São Paulo: Método. p. 153.

[5] MACHADO, A. C. (2008). Código Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri - SP: Malone. p. 696.

[6] JÚNIOR, W. F. (2006). Manual de Direito Comercial (7ª ed.). São Paulo.: Atlas. p.163.

[7] LOUREIRO, L. G. (2010). Curso Completo de direito Civil (3ª ed.). São Paulo: Método. p. 155.

[8] GARCIA, L. d. (2008). Dirieto do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência (4ª ed.). Niterói - RJ: Impetus. p. 179.

[9] BRASIL. (2002). Código Civil Brasileiro.

[10] MACHADO, A. C. (2008). Código Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Barueri - SP: Malone. p. 50.

[11] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

 

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