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TRIBUTÁRIO

Reforma Tributária: o segundo Projeto de Lei Complementar traz risco de antecipação de recolhimento do ITBI

Especialista alerta para o risco de o contribuinte ter que recolher antecipadamente o ITBI, em razão do texto do segundo projeto de lei complementar da Reforma Tributária, em discussão no Congresso Nacional.

12/07/2024 19:30

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Reforma Tributária: o segundo Projeto de Lei Complementar traz risco de antecipação de recolhimento do ITBI

Reforma Tributária: o segundo Projeto de Lei Complementar traz risco de antecipação de recolhimento do ITBI

O Grupo de Trabalho (GT) da Câmara Federal que está discutindo o projeto de regulamentação da reforma tributária, atendendo a uma pressão da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), está mantendo a mesma redação constante do PLP nº 108/2024, apresentado pelo Ministro da Fazenda, para permitir que as Prefeituras cobrem antecipadamente o Imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI) já no momento de assinatura de mero contrato particular de compromisso de venda e compra de imóvel e não no ato de transmissão da propriedade que só ocorre com o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

A legislação atual do ITBI prevê, como fato gerador do imposto, a transferência da propriedade do imóvel, que acontece no momento do registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis. É somente neste momento que se dá a obrigatoriedade de recolhimento do ITBI.

Com a redação atual do segundo projeto de lei complementar (PLP nº 108/2024), em apreciação no Congresso Nacional, com destaque para a rápida tramitação, sem muitas discussões com a sociedade civil organizada, o contribuinte está obrigado ao recolhimento do ITBI de forma bem antecipada em relação ao efetivo e verdadeiro fato gerador do imposto. Por ex., o comprador de um apartamento na planta, portanto, muito antes da construção do imóvel e bem anteriormente ainda ao registro da futura propriedade no Cartório de Registro de Imóveis, já estará obrigado a efetuar o recolhimento do ITBI.

A manobra consiste em acrescer um novo artigo ao CTN – Código Tributário Nacional, por meio da futura lei complementar, mudando os requisitos e características do fato gerador do ITBI, à revelia de toda a jurisprudência do STF e do STJ, que manda somente recolher o imposto sobre a transmissão onerosa de bens imóveis no ato da transmissão da propriedade, que ocorre exatamente no momento do registro do bem no Cartório de Registro de Imóveis.

Neste artigo vamos explorar a questão, detalhar a posição do STF sobre o tema e demais diplomas legais que regulam a matéria, bem como chamar a atenção dos contribuintes para o risco iminente da medida.

O assunto é importante e se justifica pelos reflexos no bolso do contribuinte e pela responsabilidade dos contadores e consultores tributários se anteciparem à alteração proposta na legislação, para bem orientarem seus clientes sobre a tungada.

O Art. 190 do PLP nº 108/2024 propõe nova redação ao Art. 35 do Código Tributário Nacional (CTN), nos seguintes termos:

CTN atual

CTN após a aprovação do PLP nº 108/2024

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II. (grifamos).

"Art. 35. O imposto sobre a transmissão intervivos, por ato oneroso, de bens imóveis e de direitos a eles relativos, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador:

I - a transmissão intervivos, a qualquer título, por ato oneroso, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II - a transmissão intervivos, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III - a cessão intervivos, por ato oneroso, de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.”

Acrescentado pelo PLP nº 108/2024:

“Art. 35-A. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento da celebração do ato ou título translativo oneroso do bem imóvel ou do direito real sobre bem imóvel. (NR)” (grifamos).

Pela redação do Art. 190 do PLP nº 108/2024, o fato gerador do ITBI continua sendo praticamente o mesmo que aquele vigente atualmente. Há apenas uma melhora de redação.

O ponto relevante a exigir atenção do contribuinte é a inserção do Art. 35-A no CTN. Por este dispositivo, o legislador trouxe uma antecipação da incidência do fato gerador para o momento da celebração do ato ou do título translativo oneroso do bem imóvel ou do direito real sobre bem imóvel. Assim, por ex., basta a lavratura da escritura pública pelo tabelião ou a assinatura de um contrato particular de promessa de venda e compra de imóvel, para a ocorrência do fato gerador do ITBI e com isso tornar-se devido o imposto ao município de localização do imóvel.

Esta obrigatoriedade de antecipação do pagamento do ITBI sequer constou da EC nº 132/2023, e, por conseguinte, não tem previsão expressa na CF/1988, Seção V, dos Impostos dos Municípios, que contém apenas o Art. 156, como segue:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

II - transmissão "intervivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

(...)" (grifamos).

Segundo se depreende da leitura do item 155 das justificativas que acompanham o projeto de lei complementar já referido, essas mudanças incorporadas (Art. 35-A acima) foram feitas a pedido das entidades representativas dos Municípios brasileiros.

A legislação em vigor hoje define que o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade ou do direito real de propriedade de caráter oneroso, sendo que a transmissão da propriedade somente se dá no momento do registro no Cartório de Registro de Imóveis, consoante dispõe o Art. 1.245 do Código Civil:

"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

(...)" (grifamos).

Portanto, não sendo ainda registrado o título translativo (escritura pública, por ex.) do imóvel, não ocorre a transferência da propriedade. Neste aspecto, o CC acentua, a fim de tornar firme e seguro o direito de propriedade no país, como um dos pilares da economia de mercado, que enquanto não se registrar o título de transferência, o vendedor continua sendo o dono do imóvel. Isto significa que até este momento não é devido o recolhimento do ITBI.

Esta dúvida chegou ao STF e a Corte Suprema já emitiu decisão no RE nº 1.294.969 com agravo em 11/02/2021 e depois, no esclarecimento final em sede de embargos de declaração ao mesmo RE nº 1.294.969 com agravo, datado de 21/02/2022, onde ficou firmado o seguinte acórdão:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI. FATO GERADOR. COBRANÇA DO TRIBUTO SOBRE CESSÃO DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DA TRANSFERÊNCIA EFETIVA DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA MEDIANTE REGISTRO EM CARTÓRIO. PRECEDENTES. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. ERRO MATERIAL. INOCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DESPROVIDOS." (grifamos).

Ora, o STF é muito preciso neste Acórdão, dizendo não ser possível a cobrança do ITBI nas operações de cessão de direitos. Para a ocorrência do fato gerador do ITBI se exige a transferência efetiva da propriedade imobiliária mediante registro no Cartório e que este já é entendimento consolidado na jurisprudência do STF. 

Diz mais, o Relator do STF, Ministro Luiz Fux, no mesmo processo:

"... esta Corte possui jurisprudência sedimentada no sentido de que o fato gerador do imposto sobre transmissão intervivos de bens imóveis (ITBI) somente se aperfeiçoa com a efetiva transferência do bem imóvel, que se dá mediante o registro. Nessa esteira de pensamento foram os seguintes julgados, entre outros: ...". (grifamos).

Neste ponto o Ministro Relator justifica a posição, trazendo à baila vários acórdãos já proferidos pelo STF no mesmo sentido que, na sequência do seu voto, os nomina.

Foi ainda firmada pelo STF a seguinte tese de repercussão geral: “O fato gerador do imposto sobre transmissão intervivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro. (grifamos).

Atualmente há apenas o julgamento de novo embargo de declaração no mesmo ARE 1.294.969, em 29/08/2022, onde a Corte Suprema apenas acolheu os embargos para reconhecer a existência de matéria constitucional e sua repercussão geral, mas sem reafirmar jurisprudência, cuja decisão transcrevemos abaixo:

"O Tribunal, por maioria, acolheu os embargos de declaração para reconhecer a existência de matéria constitucional e de sua repercussão geral, sem, no entanto, reafirmar jurisprudência, nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Luiz Fux (Presidente e Relator), Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Plenário, Sessão Virtual de 19.8.2022 a 26.8.2022." (grifamos).

Desta forma, não pode e não deve ser acatado o pedido das entidades representativas dos Municípios para a antecipação do fato gerador do ITBI, nos termos do dito PLP, tal como deseja o município de São Paulo, na condição de autor da discussão no STF. A municipalidade paulistana defende que o fato gerador do ITBI seja a cessão de direitos decorrentes de compromisso de compra e venda de imóvel firmado entre particulares, por entender que a cessão de direitos de compra e venda é um negócio intermediário entre a celebração do compromisso em si e a venda da propriedade ao comprador.

A inserção do Art. 35-A no CTN, pelo projeto, é uma forma dos municípios driblarem o entendimento jurídico já consolidado sobre o tema, por meio da inclusão da medida através de lei complementar.  É uma tentativa sórdida de se considerar constituído o crédito tributário muito antes da ocorrência do fato gerador, a despeito de todos os pronunciamentos do STF sobre a impossibilidade de se cobrar o ITBI no ato da mera formalização de um compromisso de compra e venda do imóvel e não no momento da alienação propriamente dita e transferência da propriedade plena ao adquirente.

Retomando o fio condutor do nosso raciocínio e combinando-se o disposto no Art. 35 com o Art. 35-A, ambos propostos do PLP nº 108/2024, o contribuinte está correndo sérios riscos de ser obrigado a antecipar o pagamento do ITBI e ainda assumir o risco adicional de, ao final do prazo do contrato, nem receber o imóvel do construtor ou do incorporador, se houver falência, insolvência ou até recuperação judicial. Neste caso, o contribuinte que recolheu o tributo, que por lei, somente deveria ser pago no momento de registro da transmissão da propriedade em Cartório de Registro de Imóveis, nem teve a propriedade do sonhado imóvel. Pasmem!

A questão crucial é que o projeto de lei complementar em tramitação no Congresso considera ocorrido o fato gerador do ITBI no momento da celebração do ato ou título translativo oneroso do "imóvel" ou do "direito real sobre bem imóvel".

Com efeito, o que caracteriza o direito real é o poder direto do titular sobre a coisa. Na prática, o direito real significa que o titular se acha vinculado diretamente à coisa, exercendo de imediato o seu direito real sem dependência da prestação de outra pessoa.

Nas palavras do Professor Dilvanir José da Costa [1], "(...) Por isso se diz que o poder do credor da coisa é indireto ou mediato, porque se exerce por intermédio do devedor, que se obrigou a constituir o direito real em favor daquele." (grifamos). Vejam que, neste caso, estamos mesmo diante de um direito real sobre bem imóvel.

O projeto de lei complementar, do jeito em que está, apresenta alto risco de judicialização porque poderá levar ao entendimento de que a mera celebração de um contrato particular de promessa de venda e compra entre pessoas físicas também deve ter o ITBI recolhido no ato da sua assinatura, o que é bem antes da transferência do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis.

A situação fica mais arriscada para o comprador, uma vez que com a assinatura de um simples contrato oneroso de aquisição de imóvel na construção (por ex., contrato particular de investimento imobiliário em cota correspondente à unidade autônoma a ser construída), por se constituir num direito real sobre o bem imóvel a ser construído, vai exigir de pronto o recolhimento do ITBI.

Do ponto de vista econômico, e na melhor das hipóteses (a entrega do imóvel, sem quaisquer intercorrências, pela construtora), a medida gerará enorme insegurança jurídica pelo risco de se antecipar o pagamento do imposto por dois a três anos em relação à verdadeira e legítima transmissão da propriedade (registro da propriedade do imóvel na matrícula no Cartório de Registro de Imóveis). Só por isso, considerando-se a taxa de juros SELIC atual de 10,5% a.a., uma alíquota de ITBI de 2,7%, havendo uma antecipação do pagamento do imposto de três anos, a medida significa uma alíquota efetiva de 3,64% e não mais os 2,7%, ou seja, praticamente a elevação de 1 ponto percentual na alíquota do ITBI incorrida pelo contribuinte.

Fora a postura extorsiva do Estado sobre o contribuinte, pela antecipação da cobrança do ITBI, está sendo criado um risco adicional para o mercado imobiliário. Trata-se do risco de se pagar o imposto (que incide sobre a transmissão da propriedade de um bem imóvel) sem deter ainda a propriedade do bem, que nem sequer encontra-se edificado. Aqui existe, sim, um risco comercial relevante entre o construtor e o adquirente, que poderá nem receber o imóvel se o incorporador falir ou se tornar insolvente. Nem mesmo a figura do patrimônio de afetação poderá mitigar este risco.

[1] COSTA, Dilvanir José da. O conceito de direito real. In: Senado Federal a. 36 nº 144. out/dez. 1999, p. 71. Disponível em: . Acesso em: 09 de julho. 2024.

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