A recente controvérsia envolvendo a Medida Cautelar no Conflito de Competência nº 8.426, relatada pelo ministro Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF), não traduz apenas uma dissonância pontual entre o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, mas, sobretudo, uma afronta preocupante aos pilares da segurança jurídica.
A 3ª Turma do TST, ao manter os valores sob sua jurisdição em fase de conhecimento, ignora frontalmente a tese já consolidada nas Cortes Superiores de que, a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial, o patrimônio da empresa deve estar integralmente sujeito ao juízo universal.
Essa diretriz não é fruto de mera formalidade: foi expressamente confirmada pelo STF em precedentes como o Recurso Extraordinário nº 583.955, que reforça a competência do juízo recuperacional para concentrar todos os atos de execução que recaiam sobre o devedor, justamente para evitar um tratamento fragmentado que beneficie alguns credores em detrimento de outros.
Ademais, o art. 6º, §2º, da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências) determina a suspensão de todas as execuções em face do devedor após o deferimento do processamento da recuperação judicial, reafirmando a competência exclusiva do juízo recuperacional.
O mais alarmante é que, ao manter bloqueados valores que deveriam estar sob o controle do juízo de falências e recuperações, o TST promove um retrocesso que contraria tanto a ordem jurídica quanto o princípio da par condicio creditorum.
Doutrinadores como Fábio Ulhôa Coelho e Manoel Justino Bezerra Filho defendem, há tempos, que a universalidade do juízo recuperacional não é uma simples formalidade, mas o alicerce que assegura a isonomia no concurso de credores e a preservação das empresas em crise. Esse ponto se torna ainda mais crucial quando se considera o papel econômico da recuperação judicial como um mecanismo voltado à continuidade de empregos, contratos e relações comerciais estratégicas para setores inteiros do mercado.
Ao desconsiderar a competência absoluta do juízo de falências e recuperações, como faz a decisão do TST, atenta-se contra a previsibilidade e a estabilidade econômica, elementos reforçados tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Sob o prisma jurídico, o STF já reconheceu, no julgamento da ADI nº 3.934, que a suspensão das execuções individuais é indispensável para viabilizar o plano de recuperação judicial. Sem essa premissa, instaura-se um ambiente de desordem processual que mina a proteção aos credores e fragiliza a função social da empresa, alicerçada nos incisos III e VIII do art. 170 da Constituição Federal.
A postura do TST também contraria o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), positivado na Súmula 480, segundo o qual “o juízo onde tramita a recuperação judicial detém competência para decidir sobre os bens de capital essenciais ao exercício da atividade empresarial”.
Manter os valores bloqueados na seara trabalhista não só afronta a uniformidade decisória, mas debilita a própria lógica da recuperação judicial, que depende de uma administração centralizada e eficaz dos bens e recursos do devedor.
Ademais, o art. 47 da Lei nº 11.101/2005 enfatiza que a recuperação judicial tem como objetivo superar a crise econômico-financeira da empresa, a fim de preservar a fonte produtora, os empregos e os interesses dos credores, promovendo a função social e o estímulo à atividade econômica. Quando o juízo universal deixa de reunir todos os atos de execução, essas finalidades são comprometidas, pois um plano de recuperação eficiente exige a análise conjunta dos interesses de toda a coletividade de credores.
De nada adianta garantir formalmente os direitos trabalhistas se a desintegração entre diferentes ramos do Judiciário acaba inviabilizando a sobrevivência da empresa e a efetiva satisfação dos compromissos assumidos perante todos os credores. A fragmentação processual prejudica a eficiência econômica do instituto, desencoraja investimentos, agrava a crise das empresas e corrói a credibilidade do sistema jurídico brasileiro.
Ao se distanciar da jurisprudência consolidada pelo próprio STF, a 3ª Turma do TST inaugura um perigoso precedente que instaura insegurança jurídica e instabilidade econômica. A concessão da liminar pelo STF na mencionada Medida Cautelar é, na prática, um alerta para que o Poder Judiciário reforce a supremacia do juízo universal, rechaçando decisões que possam comprometer não apenas as empresas, mas a economia de forma ampla.
Tais fundamentos, respaldados nos arts. 6º, §2º e 47 da Lei nº 11.101/2005, no RE nº 583.955, na ADI nº 3.934 e na Súmula 480 do STJ, além das garantias constitucionais previstas no art. 170, incisos III e VIII, conferem sólida base para a defesa da competência exclusiva do juízo de falências e recuperações, em conformidade com o posicionamento do STF.