A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) é um instrumento jurídico no Brasil utilizado para que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal em face da Constituição Federal. Esse tipo de ação visa proporcionar maior segurança jurídica e evitar conflitos de interpretações sobre a constitucionalidade de determinadas normas.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49 é um processo jurídico que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tratando da incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, localizados em estados diferentes.
Dentro do contexto do julgamento da ADC 49, é possível pensar estrategicamente em um planejamento tributário? Há de fato, alguma oportunidade estratégica e importante, que o contribuinte deva se atentar?
Histórico
Em abril de 2024, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, afastando artigos da Lei Complementar (LC) 87/96 que exigiam ICMS sobre transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa e estabeleciam critérios rígidos para composição da base de cálculo deste tributo.
A lógica dessa decisão é a de não permitir que os fiscos estaduais subtraiam recursos do contribuinte por conta da movimentação física de um bem que ainda não foi negociado. Porém, no contexto maior de uma cadeia econômica e mercantil, que vai desde a produção até o consumo da mercadoria, a retirada do ICMS sobre transferências interestaduais desorganiza o mecanismo de apuração de créditos e débitos de ICMS, bem como a divisão de sua arrecadação entre as unidades da Federação.
Dado que o contribuinte do ICMS é a pessoa jurídica e não os seus estabelecimentos individualmente considerados, na transferência interestadual há um único contribuinte respondendo a dois estados e obrigado a dividir entre eles a apuração do imposto, o que geralmente é feito considerando as entradas e saídas de mercadorias em cada um de seus estabelecimentos. Esse contribuinte pode, por exemplo, realizar todas as suas compras em um estado e deslocar as mercadorias para uma filial em outro estado, onde se darão as vendas. Sem a tributação das transferências, há um descasamento entre os créditos de ICMS gerados nas compras e débitos de ICMS sobre as vendas, distorcendo a apuração do imposto entre os estabelecimentos e estados de origem e de destino do bem.
Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49 x Estado de São Paulo
O Superior Tribunal Federal - STF, ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49), declarou a inconstitucionalidade dos artigos 11, § 3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal nº 87/1996. Ou seja, por maioria, o Plenário Virtual do STF decidiu pela não incidência do ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, a partir de 01/01/2024.. De acordo com o Voto do Ministro Edson Fachin, relator: “A decisão proferida não afasta o direito ao crédito da operação anterior conforme jurisprudência deste E. STF (RE 1.141.756, Tribunal Pleno, relator Marco Aurélio, j.28.09.2020, DJ 10.11.2020) ao que, em respeito ao princípio da não-cumulatividade, restam mantidos os créditos da operação anterior.”
Por esta razão, foram publicados o Convênio ICMS 178/2023, o Convênio ICMS 225/2023, o Convênio ICMS 109/2024 e a Lei Complementar 204/2023.
Diga-se, a Lei Complementar nº 204/2023, que alterou a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), para que não haja incidência do ICMS em transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, garantindo o direito à transferência do crédito do imposto da operação anterior, tal como decido pelo STF no julgamento da ADC 49, foi publicada na edição do Diário Oficial da União do dia 29/12/2023. Portanto, a questão não é nova.
Além da referida Lei Complementar nº 204/2023, também devem ser observadas a regulamentação, de acordo com a respectiva época de vigência, do Convênio ICMS 178/2023, do Convênio ICMS 225/2023, e do Convênio ICMS 109/2024 (vigência atual).
De acordo com a edição da Lei Complementar nº 204/2023, que incluiu o parágrafo 4º ao artigo 12 da Lei Complementar nº 87/1996, a partir de 01/01/2024 não se considera o fato gerador do ICMS na saída de mercadoria de um estabelecimento para outro de mesma titularidade. Esse novo dispositivo também garantiu a manutenção do crédito do ICMS relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, o que se aplica inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais, nas quais os créditos serão assegurados pelas Unidades Federadas de destino e origem.
Assim, para as transferências interestaduais, na Unidade Federada de destino, os créditos do ICMS serão assegurados por meio de transferência de crédito, limitadas aos percentuais das alíquotas interestaduais cabíveis, aplicados sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada, conforme inciso I do parágrafo 4º do artigo 12 da Lei Complementar nº 87/1996.
Já na unidade federada de origem, os créditos serão assegurados em caso de diferença positiva entre aqueles pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do parágrafo precedente, conforme o inciso II do parágrafo 4º do artigo 12 da Lei Complementar nº 87/1996.
Destaque-se que a cláusula primeira do Convênio ICMS 109/2024 assegura o direito à transferência de crédito do ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino na remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, a que se refere o inciso I do § 4º do art. 12 da Lei Complementar nº 87/1996, relativo às operações e prestações anteriores.
Conforme esclarecimentos do Fisco paulista, por meio da Resposta à Consulta Tributária 29361/2024, de 08 de março de 2024:
7. Com respeito às operações interestaduais com bens e mercadorias submetidos ao regime de substituição tributária, a regra geral prevista na cláusula décima terceira do Convênio ICMS 142/2018 prevê que o ICMS-ST será, em relação às operações subsequentes, o valor da diferença entre o imposto calculado mediante aplicação da alíquota estabelecida para as operações internas na Unidade Federada de destino sobre a base de cálculo definida para a substituição e o devido pela operação própria do contribuinte remetente.
7.1. No caso das remessas interestaduais de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, submetidas ao regime de substituição tributária, não havendo que se falar em “operação própria do contribuinte remetente”, deve ser abatido no cálculo do ICMS-ST o valor do crédito a ser transferido pelo estabelecimento remetente, nos termos do parágrafo 2º da cláusula décima terceira do Convênio ICMS 142/2018, incluído pelo Convênio ICMS 225/2023, combinado com a cláusula quarta do Convênio ICMS 178/2023.
7.2. Dessa forma, na hipótese do artigo 426-A do Regulamento do ICMS (RICMS/2000), em que o estabelecimento paulista destinatário da mercadoria efetua a retenção antecipada do imposto, na condição de sujeito passivo por substituição, este deverá deduzir no cálculo do ICMS-ST o valor do crédito transferido pelo estabelecimento remetente, constante da nota fiscal de transferência.
Além disso, o Estado de São Paulo editou o Decreto nº 68.243/2023, que dispõe sobre a remessa de bens e mercadorias entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular, com efeitos a partir de 01/01/2024.
Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49 x Planejamento Tributário
Diante do contexto até aqui apresentado, levanta-se uma questão que diz respeito a algum processo ou estratégia na qual o contribuinte possa adotar. Ou seja, existe alguma medida de planejamento tributário relacionada à Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49? Principalmente no que diz respeito às transferências e à manutenção dos créditos?
Ainda nesse contexto, existe alguma brecha ou oportunidade para o contribuinte reaver ou realizar algum trabalho de recuperação de crédito tributário?
Não, com base na legislação citada, não há mecanismos ou ações de recuperação tributária (Créditos de ICMS) no contexto da ADC 49. Contudo, abre espaço para planejamento tributário (enquanto não entra em vigência a reforma tributária), no sentido de o contribuinte ter margem para mensurar débitos e créditos do imposto e, com isso, analisar a carga tributária entre seus estabelecimentos, que muitas vezes estão sujeitos a diferentes regimes de apuração em suas respectivas unidades da federação, não incidência, redução de base de cálculo e de alíquotas.