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ARTIGO TRABALHISTA

O Plano de Stock Options no âmbito trabalhista

Neste artigo, o especialista Jorge Matsumoto comenta sobre o Plano de Stock Options em um contexto trabalhista.

01/03/2023 14:15

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Plano de Stock Options no âmbito trabalhista

O Plano de Stock Options no âmbito trabalhista Foto: Fauxels/Pexels

No que se refere à esfera das relações trabalhistas, o Plano de Stock Options normalmente é visto sob dois diferentes olhares dentro de uma empresa, seja em sua gênese, seja na consolidação de seu ciclo de maturidade. 

O primeiro é decorrente de sua utilização como instrumento de recursos humanos, pois aumentam o engajamento dos trabalhadores, uma vez que mantém e seduz talentos com altos índices de resultados, que atuam em áreas essenciais e cruciais em determinadas áreas de mercado. 

Dada a importância dessa ferramenta de recursos humanos para a retenção de executivos, key employees ou trabalhadores hiper suficientes no âmbito corporativo, depreende-se necessariamente outro olhar que são os aspectos trabalhistas legais decorrentes da implementação deste regulamento na empresa e seus impactos nos contratos de trabalho, especialmente em um cenário que se ressente em muito de uma legislação específica, cuja construção vem sendo formada pela abordagem multifacetada da doutrina, normas e práticas internacionais, precedentes judiciais e direito comparado.

Parafraseando de forma analógica Noberto Bobbio, ao enfatizar a natureza construída dos direitos humanos, o Stock Options no Brasil é um direito do empregado a uma remuneração variável construído tijolo a tijolo na esfera trabalhista, cujos impactos deste regulamento nos contratos de trabalho foram maturados ao longo dos últimos 30 anos. 

Inicialmente o entendimento em relação a essa política remuneratória foi alicerçado em claudicantes decisões proferidas pela Justiça do Trabalho que confundiam sua natureza mercantil com salarial, aplicando os consequentes e nefastos impactos trabalhistas e sociais na folha de pagamento.  

Estas primeiras decisões foram ainda mais nocivas no que diz respeito aos seus impactos nos contratos de trabalho, posto que os planos e políticas não raros eram vistos como verdadeiros direitos adquiridos do empregado, não suscetíveis a qualquer mudança que lhe causasse prejuízo, revelando um total despreparo dos magistrados no entendimento inclusive de fundamentos básicos de direito empresarial e societário. 

Desta forma, o que era um incentivo, uma forma de engajamento meritocrático empregados que desempenhassem funções estratégicas, transformou-se em verdadeiro pesadelo para área de recursos humanos que, no início da década de 90 e a ausência de qualquer marco legal regulatório em relação ao tema, patinou e caiu nas armadilhas do simplismo e conveniência de implementar Planos de Stock Options copiados regulamentos transnacionais norte americanos ou europeus, não  atentando-se aos detalhes e aos pormenores do direito do trabalho brasileiro, principalmente em relação a sua natureza jurídica e impactos no contrato de trabalho. 

Felizmente, no decorrer de quase 30 anos de intensa “construção” jurisprudencial e doutrinária dessa remuneração variável, apesar de ainda a Justiça do Trabalho não ter um entendimento uníssono em relação à sua natureza jurídica e seus impactos contratuais, pois não existe ainda um marco legal que a norteia ou Súmula trabalhista que estabeleça ao menos a natureza jurídica dessas ações, houve uma clara sedimentação no entendimento sobre quais instrumentos mínimos conceituais os operadores do direito e os profissionais da área de recursos humanos podem fazer uso para implementar de forma eficiente, que busque o engajamento e melhor produtividade e eficaz, mitigando problemas em relação ao custo e flexibilidade de alteração, o Plano de Stock Options.         

Assim, no decorrer desse processo de maturidade pela qual o benefício de Stock Options se submeteu, percebeu-se que em relação à sua natureza jurídica, esta sofreu forte influência das peculiaridades do ordenamento jurídico trabalhista e, caso obedecidos, trariam enorme eficiência e eficácia à política.  

Isso porque, se de fato o plano contemplar certas características que, caso observadas¸ confeririam a benesse de a concessão de ações não ser caracterizada como de natureza salarial, o que seria de enorme vantagem e incentivo para sua implementação na empresa, dada a sua menor onerosidade em relação ao pagamento em termos de encargos sociais e trabalhistas. 

Sendo assim, a construção pela natureza não salarial do Stock Options foi obtida a duros revezes na Justiça do Trabalho, sendo esse eixo de discussão crucial ou determinante para sua implementação, colocando em risco inclusive em situações mais dramáticas a continuidade da outorga de ações caso desafiada sua natureza jurídica judicialmente.

Essa construção sofreu enorme influência da doutrina, na medida em que para que tivesse a sua natureza  mercantil, o referido Plano deveria ser implementado por oposição ao conceito moderno de remuneração, bem delimitado pela doutrina  nas palavras de Sergio Pinto Martins como: 

o conjunto de retribuições recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidade, provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a satisfazer suas necessidades básicas e de sua família.” 

Além disso, o celebrado professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) atribui cinco elementos à remuneração, são eles a habitualidade, a periodicidade, a quantificação, a essencialidade e a reciprocidade. 

A habitualidade é o elemento preponderante para saber se o pagamento feito pode ou não.

Nesse sentido, à luz da doutrina supramencionada, verifica-se que a jurisprudência trabalhista se assentou no sentido de que para o Plano de Stock Options deter a verdadeira natureza mercantil e não salarial admitida, deve necessariamente permear e abordar com clareza alguns elementos a fim de deixar sua distinta de remuneração ou utilidade indubitável, quais sejam: os valores acordados para exercício da opção de compra (para atacar a gratuidade), as metas que deverão ser atingidas (desnaturar a habitualidade e reciprocidade), o período de carência ou vesting das ações e os requisitos para a recompra de ações pela empresa (ferir a essencialidade e a liquidez do benefício). 

Estes elementos bem colocados e dispostos no Plano de outorga, concessão, pagamento e recompra das ações ferem mortalmente a gratuidade e liquidez delas, qualidades estas inerentes ao caro conceito de salário defendido pelos doutrinadores e pela Justiça do Trabalho.  A concertação desses elementos dentro do plano tem o condão de reforçar a sua natureza mercantil no âmbito trabalhista, desnaturando sua natureza salarial porque mitiga as características cruciais que são encontradas em qualquer parcela ou benefício de natureza salarial dispostas pela moderna doutrina trabalhista. 

Em outras palavras, a desconstrução desse conceito salarial e a consolidação de sua natureza mercantil deve necessariamente passar pelos valores das ações outorgadas, pelo período de carência e pelos requisitos de recompra. 

Eles que vão determinar que a compra não é uma benesse gratuita dada pelo empregador fruto de sua contraprestação de serviços, ou que uma outorga de ações não se deu a um valor ínfimo a fim de disfarçar sua natureza salarial, ou seja, buscou-se assim a tão almejada onerosidade, qualidade fundamental para obstruir o conceito de salário trabalhista em relação ao Plano de outorga.  

Além disso, o ganho obtido não deve ser automático, habitual, incondicional, muito menos deve se incorporar ao patrimônio juridico do trabalhador de imediato, ou seja, a liquidez não imediata, colocando inclusive o empregado em uma posição peculiar de investidor de seu empregador e sujeito aos riscos do negócio acaba com a essencialidade do pagamento como remuneração, desmobilizando-se também sob esse prisma a natureza salarial do Stock Options. Ou seja, não há garantia de lucro, e, portanto, não se encontra atrelado à força de trabalho, não correspondendo à contraprestação salarial, muito menos há que se falar em qualquer direito adquirido. 

A  carência traduz-se em condição suspensiva, que subordina a eficácia do negócio à sua ocorrência; "enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa” conforme preceitua o Código Civil em seu artigo 125.  

Aliás, torna-se da essência das stock options a fixação de prazos para a consolidação do direito de compra de ações, eis que durante o prazo da carência, o trabalhador tem apenas mera expectativa de se tornar acionista em condições facilitadas e não há direito adquirido.

Claramente se vislumbra a influência da doutrina nos julgados sobre o tema, tendo a jurisprudência trabalhista papel fundamental na construção da natureza jurídica mercantil do plano no âmbito trabalhista, como se verifica abaixo:

“RECURSO DO RECLAMANTE. STOCK OPTIONS. NATUREZA MERCANTIL E NÃO SALARIAL. Ainda que tal opção de ações se encontre vinculada ao contrato de trabalho, não há garantia de lucro, e, portanto, não se encontra atrelado à força de trabalho, não correspondendo à contraprestação salarial. Entendimento já manifestado pelo TST. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido.  (TRT-7 - ROT: 00019598120175070004 CE, Relator: FRANCISCO TARCISIO GUEDES LIMA VERDE JUNIOR, 3ª Turma, Data de Publicação: 09/06/2022)”

“STOCK OPTIONS. OPÇÃO FACILITADA, COM PREÇOS PRÉ-FIXADOS, PARA AQUISIÇÃO FUTURA DE AÇÕES DA EMPRESA. PRAZOS DE CARÊNCIA (VESTING). INSUBSISTÊNCIA DO BENEFÍCIO NA RESCISÃO CONTRATUAL OCORRIDA ANTES DO CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA. Revestem-se de inteira validade as cláusulas contratuais que fixam carências (vesting) para as chamadas stock options (opção facilitada, com preços pré-fixados, para aquisição futura de ações da empresa), inclusive estabelecendo a insubsistência do benefício nos casos de rescisão do vínculo empregatício, antes do cumprimento da carência. Essas regulamentações não padecem de quaisquer vícios porquanto são estabelecidas em consonância com as disposições do art. 104 do CCB; as partes signatárias são capazes; o objeto é "lícito, possível" e "determinado"; e elegeu-se forma "não defesa em lei". Merece registro, também, que "os negócios jurídicos benéficos (...) interpretam-se estritamente" (art. 114 do CCB). Ainda, segundo o art. 122 do CCB, "são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes". A carência traduz-se em condição suspensiva, que subordina a eficácia do negócio à sua ocorrência; "enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa" (art. 125 do CCB). É da essência das stock options a fixação de prazos para a consolidação do direito de compra de ações. Durante o prazo da carência (vesting), o trabalhador tem apenas mera expectativa de se tornar acionista em condições facilitadas; não há direito adquirido. STOCK OPTIONS. NATUREZA NÃO SALARIAL. As stock options não possuem natureza salarial, pois caracterizam espécie do gênero participação do empregado no patrimônio empresarial, à semelhança da PLR que, segundo disposição expressa do art. 7º, XI, da CF, é paga desvinculada da remuneração. (TRT-3 - RO: 01150200902303004 0115000-58.2009.5.03.0023, Relator: Convocada Wilmeia da Costa Benevides, Decima Turma, Data de Publicação: 17/05/2011,16/05/2011. DEJT. Página 124. Boletim: Sim.)

Em outras palavras, em um cenário de ausência de qualquer marco legal em relação ao Stock Options, a jurisprudência trabalhista que se construiu em relação ao tema se focou em alguns elementos do Plano de Stock Options para identificar  sua natureza mercantil como por exemplo,  o valor cobrado pelas ações, a viabilidade de negar a entrada no sistema, a contra prestatividade pelo empregado, a habitualidade, o tempo de vesting e a efetiva transferência da ação para o colaborador (lock-up), dificultando sua liquidez, fazendo-o assumir o risco do negócio.  

Com isso, utilizando o raciocínio inverso, qual seja que a natureza mercantil do Plano é obtida pela desconstrução do conceito de remuneração e salário utilidade modernamente utilizados pela doutrina, a fim de buscar de alguma maneira a confirmação da sua natureza jurídica não salarial do Stock Options pela Justiça do Trabalho, ainda que esse entendimento não seja unânime, mas majoritário adotado pelos juízes do trabalho.

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