O caso das Lojas Americanas tomou uma proporção assustadora pelo tamanho do negócio, pelo setor que atua e pela magnitude da fraude contábil.
Resumidamente: a empresa tomava dinheiro de bancos, pagava os fornecedores e não inseria os valores como dívida bancária, escondendo os juros pagos, em uma economia conhecida por ter um dos juros mais altos do mundo.
Uma parte do passivo desaparecia, o que “inchava” o resultado, estimulado por uma cultura que espera de seus administradores números de curto prazo (e esta é uma outra discussão importante, mas que ficará para um outro momento). A consequência: um lucro maquiado que gerava dividendos irreais e, principalmente, bônus para os executivos que não condiziam em absoluto com a realidade.
O mais curioso é que até os impostos não ficaram de fora no processo, mostrando-se também fictícios. Óbvio que, em algum momento, isso viria à tona. Com a entrada do executivo Sérgio Rial, famoso pelo detalhismo, o rombo apareceu – e pode chegar a R$ 50 bilhões, algo como 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) anual do País.
É importante lembrar que balancete dilatado gera confiança na empresa (setor) e torna a captação de dinheiro via dívidas (ou, em especial, o mercado de capitais) mais fácil. É bem possível que isso tenha facilitado a obtenção de recursos no mercado e estendido o prazo em que a fraude foi levada a cabo, gerando uma espécie de espiral negativa.
O resultado de tudo isso pode ser muito maior do que se vê até agora: algumas outras concorrentes começaram a também lidar com problemas financeiros, da quitação do aluguel aos pagamentos dos fornecedores. Portanto, todo este efeito cascata pode ir além da tragédia social (40 mil colaboradores diretos) das empresas e se espalhar pelo setor por um canal muito importante: o de crédito.
Quando falamos em crédito, não nos referimos apenas aos empréstimos solicitados nos bancos, que claramente estão limitando (e com razão) dinheiro ao setor, mas também à busca de recursos no mercado financeiro, seja por debêntures, seja por abertura de capital. Em resumo: a torneira secou, e não apenas para as Americanas, num momento sensível da economia e do setor.
Paralelamente, nos Estados Unidos, algumas operadoras de varejo também revelam problemas, como a Sears. Aqui, não devemos confundir os contratempos. Não há nenhuma relação entre as empresas brasileira e norte-americana.
A crise estadunidense está mais ligada à remodelação do setor em função da importância crescente dos canais de mídias alternativas e de vendas pela internet. Apesar de não chegar ainda a 50% das vendas, eles se tornam cada vez mais relevantes para a receita total dos negócios.
Fato é que, tanto aqui como lá, quem não se ajustar aos novos tempos correrá o risco de sumir do mercado. No Brasil, temos casos parecidos, como o da Kodak, do ramo de equipamentos fotográficos analógicos, e a Olivetti, que fabricava máquinas de datilografia. A falta de adaptação à tecnologia praticamente extinguiu duas companhias gigantes. O mesmo está acontecendo, agora, no mundo todo.
Além disso, outras adversidades são comuns aos varejistas aqui e lá fora. Uma delas é a sustentabilidade do negócio. A praticidade que a busca online proporciona faz um setor, mesmo que oligopolizado, enfrentar demandas altamente elásticas, uma vez que é muito fácil trocar de fornecedor com apenas um clique – e isso gera um modelo insuportável, ainda mais diante de uma pressão cada vez maior por resultados imediatistas. Como lidar com este perigo e como sair desta armadilha são as verdadeiras perguntas-chave para o futuro das marcas.
Outra grande questão abrange o novo cenário inflacionário mundial, que deverá gerar uma conjuntura de menor liquidez e alta de juros. Será mais difícil para as empresas pedirem empréstimos, ao passo que os consumidores estarão menos dispostos a consumir, o que deve gerar menos receita, tanto pela diminuição nas vendas como pelo aumento do custo do crédito.
Parece claro que 2023 será um ano de consolidação de um novo modelo incentivado de forma precoce pela pandemia que, agora, tem se difundido no setor. Soma-se a isso outros obstáculos que eventualmente aparecerão.
O varejo brasileiro ainda terá de enfrentar a perda de credibilidade, estimulada pelo caso das Americanas. Aqui, as empresas precisarão consertar o telhado com chuva. Enfim, serão meses muito amargos.