Caros Colegas
Tenho lido diversas discussões tratando do assunto em pauta, e a minha percepção é de que esse tema vem sendo abordado de forma um tanto quanto simplista, visto as inúmeras regras que o envolve, não nos permitindo como contadores uma análise meramente sob a ótica fiscal, quando na verdade, a ciência contábil, em que pese sua importância e utilidade, é muito mais abrangente do que apenas servir como ferramenta para atendimento ao fisco. Também há um equívoco de entendimento no que tange a responsabilidade ética e legal por parte do contador, conforme explanarei mais adiante.
Se pensarmos que uma transação financeira relacionada em extrato bancário, tendo informação de sua natureza e beneficiário, porém, efetuada sem a formalização de documento fiscal, não deva ser contabilizada, é uma posição extremamente temerária, devido a contabilidade ter como principal missão, apresentar as demonstrações financeiras de uma companhia da forma mais Verdadeira e Transparente possível, refletindo, inclusive, os acertos e erros da administração, para atender a diversos usuários, tais como sócios, acionistas, bancos, auditores e, inclusive, o fisco. Ou seja, tendo conhecimento de um fato contábil e de sua respectiva natureza, e deixar de registrá-lo em razão de não atender a formalização fiscal, pode colocar em xeque a fé pública depositada sobre a assinatura do contador, principal responsável por garantir informações confiáveis acerca da posição patrimonial das empresas.
Exemplificando: Digamos que num dado período o contador deixou de registrar o montante de R$ 60.000,00 em despesas, que foram debitadas em extrato bancário e suas naturezas comprovadas por recibos, cópias de cheques nominais, cartas da administração, dentre outros, porém, sem emissão de documentos fiscais. Apresentou, assim, um DRE com Lucro Liquido de R$ 50.000,00 quando deveria ser um Prejuízo de R$ 10.000,00 caso tivesse considerado tais Fatos Contábeis.
Um investidor, então, toma a decisão de aportar capital na empresa tendo como base informações contábeis incorretas.
Fatos Contábeis segundo Wikipédia: Fato contábil é aquele que provoca modificação no Patrimônio da entidade, sendo, por isso, objeto de contabilização através de conta patrimonial ou conta de resultado, podendo ou não alterar o Patrimônio Líquido.
É preciso deixar claro que concordo plenamente com as opiniões dos colegas no que diz respeito aos enormes riscos envolvidos para o empresário e em relação a orientá-lo sobre os procedimentos adequados a serem adotados, a fim de evitar problemas com a fiscalização. Contudo, uma discussão é sobre a necessidade de o empresário trabalhar corretamente, ou seja, de forma preventiva. Outra discussão é sobre o que fazer depois que erro foi cometido (ex: compras/vendas sem nota). E é sobre a segunda opção que comento, visto a abordagem escassa encontrada nos fóruns.
Sobre procedimentos e responsabilidade solidária do contador junto ao Fisco
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a ORIGEM da informação contábil não é produzida pelo contador.
Explico: Uma transação de compra ou venda para ser efetivada passa pelo empresário ou gestor (negociação/decisão), por consequência aos funcionários da administração (compras/faturamento/tesouraria), pela área fiscal, etc. Por fim, o contador recebe o resultado de tudo o que foi realizado pelos agentes anteriores, traduzindo estes dados para a linguagem contábil. Ou seja, a contabilidade é o fim e não o meio do processo. De forma que, quando os agentes anteriores procedem de forma incorreta, sem documentar uma transação bancária, ao chegar a informação nas mãos do contador, muitas vezes já não é mais possível quaisquer correções documentais. Porém, essa falha não elimina a existência do fato que modificou o patrimônio, devendo ser analisado e contabilizado. Se a companhia for optante pelo Lucro Real, deverá adicionar à base de cálculo do imposto de renda os lançamentos efetuados sem documentos aceitos pelo fisco. Por outro lado, se for possível providenciar os documentos para amparar uma determinada transação, cabe aguardar, contabilizando o valor em uma conta patrimonial temporária (adiantamentos). Destaque-se que sempre levo em consideração que determinada transação esteja movimentando a conta bancária da empresa. Caso alguma movimentação seja realizada em dinheiro que não movimente o caixa oficial da empresa, e que não tenha documento fiscal, não há o que se falar em contabilização.
Como último exemplo, imaginemos uma venda mediante crédito bancário, sem documento fiscal. Caso o contador, tomando conhecimento de tal situação, deixe de contabilizar, omitindo a informação dos usuários das demonstrações contábeis, dentre eles o fisco, pode ser acusado de cúmplice do empresário, por ocultar entradas de caixa na contabilidade, sendo, aí sim, responsabilizado.
A responsabilidade solidária do contador ocorre quando, tendo conhecimento de práticas incorretas por parte do empresário, de alguma forma as oculta, jogando "sujeiras para debaixo do tapete".
Importante mencionar, ainda, que devemos levar em consideração a Primazia da Essência sobre a Forma, de maneira que, contabilizando como dividendos um pagamento realizado sem nota fiscal, quando se sabe a correta natureza (essência) por meio de informações prestadas pela administração, estará ferindo essa premissa.