Legislação Comercial
PARECER
DE ORIENTAÇÃO 34 CVM, DE 18-8-2006
(DO-U DE 22-8-2006)
LEGISLAÇÃO COMERCIAL
SOCIEDADE ANÔNIMA
Abuso do Direito de Voto e
Conflito de Interesses
Examina o impedimento de voto em casos de benefício particular em operações de incorporação e incorporação de ações em que sejam atribuídos diferentes valores para as ações de emissão de companhia envolvida na operação, conforme sua espécie, classe ou titularidade.
DESTAQUES
• CVM examina aplicação do § 1º do artigo 115 da Lei 6.404/76
Objeto deste Parecer de Orientação
Freqüentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem sido
chamada a pronunciar-se sobre os temas do conflito de interesses e do impedimento
de voto em deliberações societárias. Tais temas vêm tratados
no artigo 115 (no tocante aos acionistas) e 156 (quanto aos administradores)
da Lei 6.404/76. Assim, ao longo dos anos, esse assunto, por si só já
complexo, e objeto de polêmica na doutrina jurídica, tem sido objeto
de intensas discussões, variando as interpretações predominantes
de acordo com a composição do Colegiado da CVM. A principal discussão
diz respeito à existência, ou não, de uma proibição,
que impeça o acionista de votar em questões em que possa existir conflito
de interesses.
A polêmica não alcançou, contudo, a vedação ao voto
na aprovação do laudo de avaliação de bens com que concorrer
para a formação do capital social e aprovação de suas próprias
contas como administrador. Essas hipóteses estão expressamente previstas
no artigo 115, §1º, da Lei 6.404/76. Nesses casos, não há
dúvida, seja na doutrina jurídica, seja nas decisões da CVM,
de que o acionista (que integralizará o capital ou que seja administrador,
conforme o caso) está previamente impedido de votar.
Também não há maior polêmica quanto à existência
de uma terceira hipótese de impedimento de voto, qual seja, aquela relativa
às deliberações que puderem beneficiar o acionista de modo
particular.
A polêmica ocorre na análise dos casos concretos, pois não há
um critério objetivo unânime que distinga hipóteses que
puderem beneficiar (o acionista) de modo particular e hipóteses em
que o interesse [do acionista seja] conflitante com o da companhia
(§ 1º do artigo 115).
Parcela da doutrina jurídica entende que, nesta última hipótese,
é possível que o voto seja dado e, posteriormente, seja analisada
a sua validade.
Em resumo: é razoavelmente pacífico que a hipótese de benefício
particular é diferente da hipótese de conflito de interesses, no texto
do artigo 115, § 1º, da Lei 6.404/76. Também é razoavelmente
pacífico que em caso de benefício particular o acionista está
previamente impedido de votar. Mas é normalmente difícil distinguir
as hipóteses de benefício particular das hipóteses de conflito
de interesses.
Recentemente, começaram a ocorrer no mercado brasileiro operações
visando à unificação das espécies de ações de
companhias e, também, à migração de companhias listadas
em segmentos tradicionais de negociação na Bolsa de Valores de São
Paulo (Bovespa) para o segmento especial denominado Novo Mercado (e potencialmente
também para aquele denominado de Nível 2). Esses movimentos são
salutares, porque reduzem as hipóteses em que os interesses dos acionistas
podem se contrapor e porque tais segmentos especiais de listagem baseiam-se
em critérios mais estritos que os da Lei 6.404/76 e têm por finalidade
uma melhor governança corporativa das companhias abertas neles listadas.
Nesse sentido, a CVM entende que sua atuação, inclusive do ponto de
vista da regulamentação legal que lhe cabe, deve facilitar tais procedimentos
de unificação e de migração, especialmente no que se refere
à revisão de normas desenhadas para outras situações, e
outra realidade de mercado, que possam restringir a ocorrência das operações
de migração sem benefícios palpáveis para os acionistas
das companhias abertas brasileiras.
Contudo, os mecanismos aventados pelo mercado para a realização de
tais operações de migração devem sempre obedecer à
legislação, e assegurar, na medida prevista na lei e na regulamentação,
uma adequada oportunidade de participação dos acionistas não-controladores
no processo decisório, especialmente quando importarem tratamento diferenciado
entre acionistas titulares de ações de mesma espécie e classe,
ou tomarem por base avaliações que considerem não apenas os direitos
econômicos ou políticos atribuídos às ações, mas
também suposições de sobrevalorização de ações
detidas por certos acionistas não comprovadas por efetivas negociações
entre partes independentes.
Por esses motivos, este Parecer de Orientação tem por objetivo divulgar
a interpretação da CVM sobre a incidência do impedimento prévio
de voto de que trata o § 1º do artigo 115 da Lei 6.404/76 em certas
deliberações que possam beneficiar de modo particular os acionistas
controladores ou proponentes de operações de incorporação
ou de incorporação de ações.
Impedimento de Voto
Diz o § 1º do artigo 115 da Lei 6.404/76:
Art. 115 (...) omissis
§1º O acionista não poderá votar nas deliberações
da assembléia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com
que concorrer para a formação do capital social e à aprovação
de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo
de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia".
A constatação do impedimento de voto não envolve um julgamento
sobre a licitude da deliberação a ser tomada. O acionista potencialmente
favorecido estará impedido de votar mesmo que se trate, como se espera,
de deliberar sobre benefícios perfeitamente lícitos, e que possam
coincidir com o interesse da companhia.
Com efeito, a aprovação das contas dos administradores, ou o aumento
de capital em bens, também podem (e, aliás, devem) beneficiar a companhia,
mas a lei expressamente veda o voto do interessado, nesses casos. Do mesmo modo,
a emissão de partes beneficiárias (hoje proibidas para as companhias
abertas) sempre foi vista pela doutrina como hipótese de benefício
particular que impedia o voto, sem prejuízo de que, evidentemente, a emissão
de tais títulos esteja prevista em lei no pressuposto de que incentivaria
os fundadores a atuarem no interesse da companhia.
O impedimento de voto, portanto, se dá pela especificidade do benefício,
pela particularidade de seus efeitos em relação a um acionista, comparado
com os demais. E mesmo em tais casos, se falhar a proibição cautelar
de voto, e o acionista impedido votar, a deliberação somente será
anulável se o voto do acionista potencialmente beneficiado tiver sido determinante
para a formação do quorum ou da maioria assemblear.
Operações societárias de incorporação e incorporação
de ações com relações de troca desproporcionais.
Propostas de incorporação (artigo 223 da Lei 6.404/76) ou de incorporação
de ações (artigo 252 da Lei 6.404/76) têm sido submetidas a assembléias
de acionistas de companhias abertas (aqui referidas simplesmente como Companhia
ou Companhias) em que, normalmente com base em laudo de avaliação,
se submete à assembléia geral uma relação de troca que atribui
valor diferente (e maior) às ações de emissão da Companhia
que sejam de propriedade da sociedade incorporadora (ou incorporada, em caso
de incorporação reversa), mesmo quando o único ativo, ou único
ativo relevante, de tal sociedade (aqui referida como Sociedade Holding), sejam
essas mesmas ações de emissão da Companhia.
A avaliação das ações, para efeito de relação
de troca, tem sido feita do seguinte modo: em primeiro lugar, define-se o valor
da Companhia, normalmente por valor econômico baseado em fluxo de caixa
descontado. Em um segundo momento, atribui-se um valor para as ações
de titularidade dos acionistas da Companhia (por cotação de mercado
ou outro critério, e por vezes com valores diversos para espécies
diversas de ações), sem considerar as ações de titularidade
da Sociedade Holding, apurando-se o valor do conjunto de tais ações.
Por fim, atribui-se às ações remanescentes, de titularidade da
Sociedade Holding, valor equivalente à diferença entre o valor do
conjunto das ações dos demais acionistas, apurado na forma antes descrita,
e o valor de avaliação total da Companhia, apurado em primeiro lugar.
Alternativamente, o mesmo resultado final pode ser alcançado se a relação
de troca desproporcional decorre, total ou parcialmente, do fato de que o número
de ações de emissão da Sociedade Holding antes da operação
de incorporação é proporcionalmente maior que o número de
ações de emissão da Companhia por ela detidas antes da operação,
emitindo-se as ações da Sociedade Holding, no aumento de capital decorrente
da incorporação, ou da incorporação de ações sem
ajustar tal desproporção.
É esta relação de troca mais favorecida para a Sociedade Holding,
sem que ela tenha ativos outros que justifiquem essa diferenciação
de tratamento, que pode ser considerada como o benefício particular de
que trata o § 1º do artigo 115 da Lei 6.404/76. O fundamento utilizado
para justificar a relação mais vantajosa tem sido o reconhecimento,
pelo artigo 254-A da Lei 6.404/76, de que as ações detidas pelo acionista
controlador têm valor maior que as ações não integrantes
do bloco de controle, na medida em que a alienação de controle não
obriga a realização de uma oferta pública de aquisição
para os titulares de ações da espécie preferencial sem voto,
e obriga uma oferta pública de aquisição para os acionistas titulares
de ações com direito a voto com desconto de 20% em relação
ao preço pago ao acionista controlador.
A CVM entende que tal justificativa é válida no âmbito de uma
OPA por alienação de controle, porque a lei assim o determina, mas
não é suficiente para afastar o impedimento de voto por benefício
particular quando, ao invés de uma parte independente (como é o terceiro
adquirente do controle), quem confirma o sobrepreço às ações
de titularidade da Sociedade Holding é o próprio acionista beneficiado,
ao votar na assembléia de incorporação.
Têm sido adotados mecanismos visando a permitir que uma parcela expressiva
dos acionistas não-controladores da Companhia, mesmo titulares de ações
sem direito a voto, tenham a possibilidade de vetar a operação, desde
que compareçam à assembléia em número expressivo (normalmente
50% mais uma ação emitida, excluídas as ações da Sociedade
Holding), e votem contra a incorporação.
A CVM entende, entretanto, que tais mecanismos somente seriam eficazes para
afastar a discussão sobre o impedimento de voto da Sociedade Holding nas
operações descritas caso a incorporação, ou a incorporação
de ações, somente fosse aprovada pelo voto afirmativo de acionistas
não beneficiados que completassem isoladamente o quorum legal, pois nessa
hipótese o voto do acionista beneficiado de maneira particular seria irrelevante,
e um terceiro (o conjunto dos demais acionistas) teria confirmado o sobrepreço
concedido às ações de titularidade da Sociedade Holding.
A CVM entende, também, que, caso a proposta de incorporação (ou
incorporação reversa) da Companhia, ou de suas ações, contemple
diferentes relações de troca considerando as diferentes espécies
de ações detidas pelos acionistas que não sejam acionistas da
Sociedade Holding, atribuindo, assim, por exemplo, diferentes valores para as
demais ações com voto e as ações sem voto, os acionistas
titulares de ações com voto, ainda que não sejam acionistas da
Sociedade Holding, também estarão impedidos de votar, salvo se a diferença
de relação de troca basear-se em critérios objetivamente verificáveis
(como o fluxo futuro de caixa descontado, ou as diversas cotações
em mercados organizados) e não apenas no eventual direito a alienarem suas
ações em ofertas públicas por alienação de controle.
Conclusão
Em situações em que se vise à unificação das espécies
de ações da companhia ou à migração para segmentos
especiais de listagem em que as ações do acionista controlador, ou
do proponente da operação, sejam detidas por sociedade cujo único
ativo, ou único ativo relevante, sejam essas mesmas ações (Sociedade
Holding), e seja submetida à aprovação da assembléia a deliberação
de incorporação (ou incorporação reversa) da Companhia,
ou de suas ações, na Sociedade Holding, a Sociedade Holding e os seus
acionistas (caso detenham participação direta na Companhia) estarão
impedidos de votar, na forma do artigo 115, § 1º, da Lei 6.404/76,
caso a proposta de incorporação (ou incorporação reversa)
da Companhia, ou de suas ações, considere uma relação de
troca que atribua valor diferente às ações de emissão da
Companhia que sejam de propriedade da Sociedade Holding, e às demais ações
da mesma espécie e classe de emissão da Companhia.
Da mesma forma, a Sociedade Holding e os seus acionistas (caso detenham participação
direta na Companhia) estarão impedidos de votar, na forma do artigo 115,
§ 1º, da Lei 6.404/76, caso a proposta de incorporação (ou
incorporação reversa) da Companhia, ou de suas ações, considere
uma relação de troca que atribua valor diferente às ações
de emissão da Companhia que sejam de propriedade da Sociedade Holding,
e às demais ações de emissão da Companhia, ainda que de
espécie ou classe diversas, caso a diferença de valor não se
baseie em laudo que considere os diferentes valores econômicos de cada
uma das ações com base em critérios objetivamente verificáveis
(como o fluxo futuro de dividendos descontado, ou as diversas cotações
em mercados organizados).
O mesmo impedimento de voto deve incidir se a operação for realizada
de modo a conferir o mesmo número de ações da Sociedade Holding
a todas as espécies e classes de ações de emissão da Companhia,
mas o número de ações emitidas pela Sociedade Holding antes da
operação for proporcionalmente superior ao número de ações
da Companhia de que ela seja titular antes do negócio, resultando, na prática,
na mesma desproporção que determina a existência do benefício
particular para a Sociedade Holding e seus acionistas de que trata este Parecer
de Orientação.
Adicionalmente, caso a proposta de incorporação (ou incorporação
reversa) da Companhia, ou de suas ações, contemple diferentes relações
de troca considerando as diferentes espécies de ações detidas
pelos acionistas que não sejam acionistas da Sociedade Holding, atribuindo,
assim, por exemplo, diferentes valores para as demais ações com voto
e as ações sem voto, os acionistas titulares de ações com
voto, ainda que não sejam acionistas da Sociedade Holding, também
estarão impedidos de votar, salvo se a diferença de relação
de troca basear-se em critérios objetivamente verificáveis.
A CVM, embora considere que a OPA de permuta seria o meio mais adequado para
a realização de operações de migração como as
descritas neste Parecer de Orientação, não atuará para reprimir
operações de incorporação (ou incorporação reversa)
de Companhias, ou de suas ações, caso seja previsto, inclusive no
edital de convocação da assembléia, que a aprovação
dependerá do voto afirmativo dos demais acionistas, inclusive para a formação
do quorum legal, observado tanto o impedimento de voto da Sociedade Holding
e de seus acionistas (caso detenham diretamente ações da Companhia),
quanto, se for o caso, o impedimento de voto dos demais acionistas titulares
de ações com voto, referido parágrafo anterior.
Aprovado pelo Colegiado em reunião do dia 18 de agosto de 2006. (Marcelo
Fernandez Trindade Presidente da Comissão)
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