Santa Catarina
RESOLUÇÃO
NORMATIVA 37 COPAT, DE 19-12-2002
(DO-SC DE 27-12-2002)
ICMS
SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO
Televisão por Assinatura
Esclarece sobre a prestação de serviços de televisão por assinatura.
De
acordo com o disposto no artigo 4º da Portaria SEF nº 226/2001, faço
publicar a seguinte Resolução Normativa, acompanhada do respectivo
parecer, aprovada pela Comissão Permanente de Assuntos Tributários
(COPAT).
Resolução Normativa nº 037, aprovada na sessão realizada
em 18 de dezembro de 2002:
EMENTA
ICMS. SERVIÇO
DE COMUNICAÇÃO. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE
TV POR ASSINATURA CONSTITUI PRESTAÇÃO ONEROSA DE SERVIÇO
DE COMUNICAÇÃO. O NEGÓCIO REALIZADO ENTRE A OPERADORA DO
SERVIÇO E O ASSINANTE TEM POR OBJETO A PRESTAÇÃO DESSE
SERVIÇO, E NÃO A CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS
À PROGRAMAÇÃO.
A “TAXA DE ADESÃO” INTEGRA O PREÇO DO SERVIÇO
DE COMUNICAÇÃO PRESTADO AO ASSINANTE E, PORTANTO, A BASE DE CÁLCULO
DO ICMS. TRATA-SE DE PARTE DA REMUNERAÇÃO DEVIDA À OPERADORA
EM FUNÇÃO DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, NÃO
DERIVANDO DE UMA OUTRA OBRIGAÇÃO DESVINCULADA DESTE.
01. CONSULTA
A empresa acima identificada, concessionária de serviços de TV
por assinatura na modalidade de TV a cabo, prestando serviços neste Estado,
formula consulta à COPAT, indagando:
a) se a atividade realizada pela Consulente, consistente na prestação
de serviço de televisão por assinatura “mediante licenciamento
e distribuição por sinais codificados, de programação
de sua titularidade, contra o pagamento do respectivo preço das mensalidades
de programação pelos assinantes”, constitui uma prestação
onerosa de serviço de comunicação, sujeita portanto ao
ICMS;
b) se, em caso de resposta positiva ao quesito anterior, a taxa de adesão
cobrada pela Consulente a seus assinantes “antes da entrega da programação”
integra a base de cálculo do referido imposto, ou por outra, se a concessão
ao assinante do direito de acesso ao sistema de TV por assinatura configura
prestação onerosa de serviço de comunicação.
Alega a Consulente não haver certeza da incidência do ICMS na prestação
de serviços de TV por assinatura, tendo em vista não haver “uma
norma legal sequer – lei em sentido estrito – que faça referência
à tributação da TV a cabo pelo Estado”. Menciona
ainda a inexistência de pronunciamento do Judiciário a respeito,
enquanto em sede de doutrina “a unanimidade dos juristas concluiu pela
não incidência do ICMS” na hipótese.
Afirma a Consulente que o fato gerador do imposto, na hipótese, não
se confunde com a ocorrência efetiva da comunicação, mas
com a disponibilização de meios que a tornem possível.
Mais adiante, porém, reconhece que a mensalidade que cobra de seus clientes
“não constitui remuneração pela efetiva prestação
de um serviço, mas, sim, valor cobrado pela mera disponibilização
de um serviço ao usuário”. E continua:
“Este [o usuário] paga sempre um valor fixo, podendo acionar o
serviço ou não. Se não acioná-lo, não terá
havido uma efetiva prestação de serviço, de modo que o
valor pago a concessionária de serviços de TV por assinatura a
título de mensalidade terá remunerado, tão-somente, a disponibilização
do serviço.”
Argumenta ainda a Consulente que não há prestação
de serviço de comunicação “típica”,
sujeita ao ICMS, quando, como no caso da TV por assinatura, não há
disponibilização do meio para a comunicação entre
terceiros, mas para o simples “transporte” de uma comunicação,
de uma mensagem “do próprio dono do meio”.
Assim, conclui a Consulente que não presta serviço de comunicação
a seus assinantes, mas fornece-lhes a programação de televisão
de que é titular.
02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, artigo 155, inciso II e § 2º;
Lei Federal nº 5.172/66 (CTN), artigo 109;
Lei Complementar nº 87/96, artigos 2º, inciso III, e 13, inciso III;
Lei nº 10.297/96, artigos 2º, inciso III, e 10, inciso III;
Lei Federal nº 8.977/95, artigos 26, 60 e 33, inciso II;
Lei Federal nº 9.610/98, artigos 1º, 24, 25, 27, 29 e 50.
03. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A propósito da matéria objeto da presente consulta, é esclarecedora
a lição de Aliomar Baleeiro, ao comentar o artigo Imposto sobre
Serviços de Transporte e Comunicações, cuja base imponível
foi posteriormente incorporada à do ICM, passando à competência
dos Estados, sobre o que seja serviço de comunicação:
“Igualmente, não há restrição outra em relação
ao imposto sobre comunicações senão as de que estão
excluídas as intramunicipais. Quaisquer outras que importem transmitir
ou receber mensagens por qualquer processo técnico de emissão
de sons, imagens ou sinais, papéis, etc., estão sob o alcance
do imposto federal, desde que constituam prestação remunerada
de serviços”. (Direito Tributário Brasileiro, Forense, Rio
de Janeiro, 1977, 9ª Ed. Rev.. E acrescida de um apêndice, p. 258)
Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (Dicionário Aurélio
Básico da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, J.E.M.M. Editores,
1988), comunicação é o “ato ou efeito de emitir,
transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos convencionados,
quer através da linguagem falada ou escrita, quer de outros sinais, signos
ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro
e/ou visual” e, por extensão, “a ação de utilizar
os meios necessários para realizar tal comunicação”.
Portanto, ao realizar suas atividades, consistentes, conforme descreve a Consulente,
na distribuição aos assinantes, por meios físicos ou por
microondas, de sinais de telecomunicação codificados, a Consulente
está realizando verdadeiramente um serviço de comunicação,
ou seja, no dizer de Baleeiro, supratranscrito, está transmitindo mensagens
(as obras audiovisuais componentes da programação televisiva)
por um processo técnico de emissão de sons, imagens ou sinais.
Dessa forma, quando o pacote de programação televisiva é
distribuído aos assinantes, clientes da Consulente, mediante transmissão
de sinais codificados, seja, conforme refere a Consulente, por meio do espectro
radioelétrico, seja por meios físicos, tem-se aí a comunicação
tal como referida na legislação, dado que é inegável
a ocorrência do envio, da transmissão ou da retransmissão
de mensagens várias, componentes da programação da TV por
assinatura (propagandas, jogos, filmes, novelas, telejornais, etc.).
Não obstante evidente a ocorrência, neste caso, de um serviço
de comunicação, a Consulente pretende ver tal operação
fora do campo de incidência do ICMS, pois entende não haver, no
caso, um serviço prestado a título oneroso a terceiro, tal como
na hipótese descrita pela Lei Complementar nº 87/96. Tal não
ocorreria, no caso em tela, segundo a Consulente, posto que o negócio
celebrado com o tomador do serviço de TV por assinatura teria por objeto
o conteúdo apenas dessa comunicação, que seria apenas o
meio de entrega do conteúdo. A atividade econômica explorada pela
Consulente seria, então, a produção e aquisição
(e, naturalmente, a posterior revenda, licença ou cessão onerosa)
do conteúdo da transmissão – “canais, programação,
obras, filmes, etc.” – sendo a transmissão ao tomador (a
comunicação) mero instrumento para a realização
dessa atividade; vale dizer, seria apenas uma atividade-meio. Destarte, não
haveria, na hipótese, uma prestação onerosa de serviço
de comunicação.
Tal entendimento, com a devida vênia de respeitáveis opiniões
nesse sentido, é completamente absurdo. O objeto da relação
obrigacional que se estabelece entre o assinante e a operadora do serviço
de TV a cabo é precisamente um serviço de comunicação,
ou seja, a operadora, quando contrata com o assinante, obriga-se a realizar
a emissão, transmissão, retransmissão, repetição
de sinais de áudio e vídeo tendo por conteúdo programação
televisiva. É por esse serviço que paga o assinante, e não
pelos direitos de propriedade da programação transmitida. Para
a configuração da hipótese de incidência do ICMS
é absolutamente irrelevante saber quem seja titular dos direitos autorais
da programação transmitida, podendo mesmo a operadora incluir
em sua programação obras pertencentes a terceiros, desde que pague
ao autor os direitos devidos, como adiante se verá.
Direitos autorais
Os direitos
de que podem ser objeto os programas transmitidos pela Consulente são
os denominados direitos autorais, quais sejam, nos termos do
artigo 1º da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera
e consolida a legislação sobre direitos autorais, “os direitos
de autor e os que lhe são conexos”.
A respeito, diz J. M. de Carvalho Santos:
“Os direitos de autor de qualquer obra literária, científica
ou artística, consistem na faculdade que só ele tem de reproduzir
ou autorizar a reprodução do seu trabalho pela publicação,
tradução, representação ou execução
de qualquer outro modo (...).
Já ficou explicado que o direito de autor, pela sua natureza jurídica
é, em parte, moral, sendo a paternidade da obra um direito inalienável
e imprescritível. Mas a utilidade econômica da propriedade pode
ser cedida, surgindo do direito do autor uma série de direitos fracionários
e protegidos pela lei, de natureza patrimonial, inerentes à propriedade.”
(Código Civil Brasileiro Interpretado, Freitas Bastos, Rio de Janeiro,
1977, 12ª Ed., Vol. VIII, pp. 404 e 446).
De fato, os direitos assegurados ao autor da obra intelectual protegida, subdividem-se
em direitos morais e direitos patrimoniais. Por força de seus direitos
morais, é assegurado ao autor, e somente a ele: a) reivindicar a autoria
da obra; b) ter seu nome indicado na obra como sendo seu autor; c) conservar
a obra inédita; d) assegurar sua integridade, opondo-se a modificações;
f) retirar a obra de circulação (Lei nº 9.610/98, artigo
24). Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis
(Lei nº 9.610/98, artigo 27), cabendo seu exercício, no caso de
obras audiovisuais, como o são em geral as obras veiculadas pelos canais
televisivos, inclusive os de acesso restrito, exclusivamente ao seu diretor
(Lei nº 9.610/98, artigo 25).
Os direitos patrimoniais do autor, por sua vez, diferentemente
do que ocorre com os direitos morais, podem ser transferidos total ou parcialmente
a terceiros. Somente ao titular dos direitos patrimoniais é facultada
a exploração econômica da obra, dado que qualquer utilização
da obra, tais como a reprodução, a edição, a adaptação,
a tradução, a inclusão em produção audiovisual,
etc. depende de autorização prévia e expressa do titular
desses direitos, seja este o próprio autor ou terceiro a quem este os
tenha transferido (Lei nº 9.610/98, artigo 29).
Assim, a Consulente, concessionária de serviço de TV por assinatura,
pode, de fato, ser titular de direitos autorais. Pode ainda retransmiti-lo a
terceiros, visto tratar-se o direito patrimonial do autor de “direito
dominial”, que, “ou se aliena totalmente, ou se transfere algum
de seus elementos, suscetíveis de aparição como direitos
reais limitados” (Pontes de Miranda, in Tratado e Direito Privado, Borsoi,
Rio de Janeiro, 1971, 3ª ed., tomo XVI, p. 65).
Contudo, na hipótese descrita na consulta não ocorre uma tal transmissão
de direitos autorais ao assinante do serviço de TV a cabo. Ao contrário,
o objeto do negócio celebrado entre a operadora e o assinante é
a prestação de um serviço, consistente no envio de sinais
contendo programação televisiva, e não a transmissão
da titularidade dos direitos relativos a essa programação. Basta
ver que, em caso de inadimplemento do contrato pela Consulente, o que poderá
exigir o assinante é que se realize um serviço de comunicação,
mas nunca que seja investido em qualquer das prerrogativas asseguradas pela
legislação somente ao autor ou a quem este as houver transmitido.
Vale lembrar que a transmissão (cessão total ou parcial) dos direitos
de autor somente se pode realizar mediante instrumento escrito específico,
nos termos do artigo 50 da Lei nº 9.610/98, verbis:
Art. 50 – A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que
se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.
§ 1º – Poderá a cessão ser averbada à margem
do registro a que se refere o artigo 19 desta Lei ou, não estando a obra
registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de
Títulos e Documentos.
§ 2º – Constarão do instrumento de cessão, como
elementos essenciais, seu objeto e as condições de exercício
do direito quanto a tempo, lugar e preço.
É evidente, portanto, que a contratação do serviço
de TV por assinatura não corresponde a um negócio relativo à
cessão de direitos sobre a programação transmitida.
A titularidade dos direitos autorais sequer é condição
para que a Consulente possa incluir determinada obra em sua programação.
Basta que para tanto haja autorização do autor, nos termos do
artigo 29 da Lei nº 9.610/98. Veja-se que a própria Lei que regulamenta
o serviço de TV a cabo contém disposição relativa
à necessidade de observância da legislação sobre
o direito autoral quando a operadora do serviço incluir em sua programação
programas produzidos por terceiros:
Art. 30 – A operadora de TV a Cabo poderá:
I – transmitir sinais ou programas produzidos por terceiros, editados
ou não, bem como sinais ou programas de geração própria;
(...)
Parágrafo único – O disposto no inciso I deste artigo não
exime a operadora de TV a cabo de observar a legislação de direito
autoral. (Lei nº 8.977/95, artigo 30)
Assim, a programação transmitida aos assinantes pela concessionária
de TV por assinatura pode compor-se tanto de obras cujos direitos autorais lhe
pertençam, quanto de obras cujos direitos autorais pertençam ainda
ao respectivo autor. Em um caso ou noutro, somente interessa saber quem seja
o titular dos direitos sobre a programação caso esteja-se discutindo
a faculdade de a operadora incluir ou não determinada obra na programação
que transmite. Ao assinante, contudo, pouco importa se a operadora está
ou não investida dos direitos do autor, se está ou não
autorizada a explorar economicamente os programas.
Vale lembrar (por mais óbvio que isso possa parecer, o teor da consulta
nos impõe a observação) que para assistir a determinado
programa, apreciar determinada obra de arte, peça de teatro ou obra audiovisual,
ouvir uma música, etc. não necessitamos ser titulares de direitos
autorais. Quando adquirimos um CD do cantor de nossa predileção,
podemos dar-lhe uso apenas doméstico, visto que não nos tornamos
por isso titulares de direitos autorais sobre a obra. Nunca poderemos utilizá-lo
em qualquer das modalidades que somente ao autor são facultadas, nos
termos do artigo 29 da Lei nº 9.610/98. Portanto, ao adquirir um CD, não
estamos realizando um negócio cujo objeto sejam os direitos autorais,
mas simplesmente adquirindo uma mercadoria.
O fabricante desta mercadoria, sim, está obrigado a observar a legislação
sobre os direitos autorais, posto que não poderia reproduzir, distribuir
ou incluir uma obra em fonograma ou produção audiovisual, etc.
sem estar para tanto autorizado.
O mesmo ocorre com a programação transmitida pela operadora de
TV a cabo: a operadora, explorando como explora comercialmente a programação
televisiva oferecida aos assinantes, somente poderá fazê-lo se
autorizada pelo titular dos direitos autorais; com relação aos
assinantes, contudo, somente se obriga a realizar o serviço de comunicação,
transmitindo-lhes e assegurando a recepção da referida programação.
Prestação de serviço de comunicação
Conforme
restou demonstrado, a atividade descrita pela Consulente, objeto da consulta,
não está relacionada à cessão (ou licença)
de direitos sobre a programação televisiva. Por outro lado, o
fato de eventualmente ser a Consulente titular de direitos autorais não
impede a caracterização da prestação de serviço
de comunicação. Como diz a própria Consulente, não
é o que é comunicado que se tributa, mas sim a prestação
do serviço que possibilita a comunicação, ou seja, a transmissão,
emissão, recepção, retransmissão, etc. de mensagens,
e é precisamente isso que realiza a Consulente no exercício de
seus fins sociais.
Tampouco a circunstância de ser a Consulente proprietária dos meios
utilizados para a realização da comunicação é
suficiente para descaracterizar a prestação de serviço.
De fato uma prestação de serviço pode consistir tanto numa
atividade de natureza material quanto numa atividade de natureza intelectual,
independentemente ainda de que o resultado dessa atividade materialize-se num
bem que ocupe fisicamente o espaço ou não (Marçal Justen
Filho, O Imposto Sobre Serviços na Constituição, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, p. 82).
Para Aires F. Barreto, serviço “é a prestação
de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em
caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção
de um bem material ou imaterial” (ISS e ICM – Competência
municipal e estadual – limites, in RDT, São Paulo, v. 5, nos 15/16,
jan/jun. 1981, p. 200). Esse mesmo autor, em trabalho conjunto com Geraldo Ataliba,
afirma:
“A prestação de serviços tem, em muitos casos, como
imprescindível a utilização de instrumentos, aparelhos,
ferramentas, equipamentos, máquinas ou veículos. Outros há
que dispensam qualquer espécie de instrumental seja de que natureza for.
Alguns, ainda, a par desse instrumental, requerem o emprego de materiais.”
(ISS – Conflitos de competência e tributação de serviços,
in RDT, São Paulo, v. 2, nº 6, out/dez. 1978, p. 57)
Vê-se, desde logo, que o argumento da Consulente de que por serem de sua
propriedade os meios de que se vale para efetuar a transmissão da programação
ao assinante não se configuraria, na hipótese, uma prestação
de serviço.
As discussões travadas acerca da relevância do emprego de materiais
pelo obrigado, da utilização de equipamentos de sua propriedade,
etc., para a caracterização de uma prestação de
serviço, sempre tiveram em vista estabelecer o limite entre os campos
de incidência do ISS e do ICMS.
Embora tal discussão seja aqui despicienda, já que não
há dúvida de que os serviços de comunicação
são tributados pelo ICMS, vale observar que, embora a Consulente possa,
em determinadas situações, entregar ao assinante decodificadores
ou outros equipamentos utilizados para a recepção dos sinais transmitidos,
não se tem aí uma outra espécie de obrigação,
diferente da de prestar o serviço de comunicação. Lembre-se
que o fornecimento desses equipamentos constitui obrigação legal
– e não decorrente apenas do contrato celebrado com o assinante
– da operadora do serviço de TV a cabo, haja vista o disposto no
artigo 33, inciso II, da Lei nº 8.977/95, verbis:
Art. 33 – São direitos do assinante do serviço de TV a cabo:
I – (...)
II – receber da operadora de TV a cabo os serviços de instalação
e manutenção dos equipamentos necessários à recepção
dos sinais.
Ademais, trata-se de obrigações subjacentes à obrigação
principal assumida pelo contratado, e que desta não se desvinculam. São
as denominadas atividades-meio,
referidas por Aires F. Barreto, que a respeito afirma:
“Os leigos tendem a confundir o exercício de atividades-meio com
prestação de serviço. Calcados na nomenclatura dos serviços
(...) misturam, embaralham, confundem, equiparam tarefas-meio com serviços.
Na sua simplicidade ingênua, não distinguem a consistência
do esforço humano prestado a outrem, sob regime de direito privado, com
conteúdo econômico, das ações intermediárias
que tornam possível o ‘fazer para terceiros’.
(...)
A concreta indicação de uma ação (datilografia,
programação, organização, manutenção,
operação, administração) é, muitas vezes,
configuradora de atos, fatos ou obras meramente constitutivos de etapas necessárias
para alcançar um fim. É inafastável – ainda que disso
muitos não se dêem conta – que o atingir um fim qualquer
exija, empírica ou cientificamente, atividades de planejamento, organização,
administração, controle, não obstante essas ações
nada tenham a ver com o fim perseguido que, por hipótese, poderia ser
o de transportar pessoas.
Outras vezes, essas mesmas ações humanas não mais se caracterizam
como atividades condicionantes da concretização de um fim, mas
demarcam, ao revés, o próprio objeto colimado. Nesses casos, a
razão última dessas ações é a sua própria
produção como utilidade, para terceiros.
(...)
Para essas atividades-meio não há cobrança de preço;
mas, nem mesmo quando, em certos casos, para elas é destacado preço,
essas “ações-meio” se transformam em “ações-fim”.
O serviço médico não assume outra natureza pelo simples
fato de os resultados de diagnósticos serem fornecidos verbalmente, datilografados
ou por listagem de computador, mesmo que para os últimos houvesse uma
cobrança adicional e específica de tantos reais.
(...)
Não se pode decompor um serviço (...) nas várias ações-meio
que o integram para pretender tributá-las separadamente, isoladamente,
como se cada uma delas correspondesse a um serviço autônomo.”
(“ISS – atividade-meio e serviço-fim”, Revista Dialética
de Direito Tributário, São Paulo, nº 5, fev. 1996, pp. 81-85).
Portanto, mesmo nos casos em que haja a colocação de equipamentos
na residência do assinante – o que se daria a título de comodato
– não se descaracteriza a prestação de serviço
de comunicação, nem tampouco esse fornecimento desvincula-se desta,
para que se tenha no caso duas situações autônomas, passíveis
de tratamento tributário distinto: uma relativa à prestação
do serviço de comunicação e outra relativa ao comodato.
A propósito, lembramos ainda a lição de Marçal Justen
Filho:
“A norma tributária, como regra, não se ocupa de determinar
como deve ser executada a prestação nem como deve efetuar-se a
contratação – o que lhe importa é que se configure
a execução de uma obrigação, consubstanciando-se
prestação de utilidade qualificável como serviço.
Caberá a outras normas regularem a forma do contrato e os requisitos
para qualificação jurídica da atividade como execução
de obrigação.
Isso não quer significar, por óbvio, que a norma tributária
esteja compelida a aceitar a qualificação jurídica efetuada
por normas não tributárias.” (op. cit., pp. 88-89).
Vê-se, assim, que ainda se celebrem diversos contratos, visando desmembrar
a operação realizada em diversas outras, com denominações
e naturezas jurídicas distintas, não se produzirá o pretendido
efeito de se ter cada uma dessas etapas realizadas pela operadora tributadas
como se fossem uma operação distinta e desvinculada do fim visado
pelo destinatário ao contratar o serviço.
Comunicação realizada entre terceiros
Ao contrário
do que pretende a Consulente, não estaremos diante de um serviço
de comunicação somente quando o meio de comunicação
“for explorado para ser disponibilizado a terceiros o seu uso para a comunicação
de mensagem de terceiros e entre terceiros”. A realização
de qualquer espécie de comunicação, seja a mensagem emitida,
transmitida, retransmitida, repetida, recebida, etc. e independentemente de
qual seja seu conteúdo, será alcançada pelo ICMS quando
realizada, mediante remuneração, como cumprimento de uma obrigação
nesse sentido assumida para com terceiros. Não é outra a lição
de Roque Antônio Carraza:
“Note-se que o ICMS não incide sobre a comunicação
propriamente dita, mas sobre a “relação comunicativa”,
isto é, a atividade de, em caráter negocial, alguém fornecer,
a terceiro, condições materiais para que a comunicação
ocorra.
Isso é feito mediante a instalação de microfones, caixas
de som, telefones, radiotransmissores, etc. Tudo, enfim, que faz parte das infra-estruturas
mecânica, eletrônica e técnica necessárias à
comunicação.
O serviço de comunicação tributável por meio do
ICMS se perfaz com a só colocação à disposição
do usuário dos meios e modos aptos à transmissão e recepção
de mensagens. Embora o sistema seja arcaico, um serviço de pombos-correio
posto à disposição de uma pessoa (física ou jurídica),
para transmissão ou recepção de mensagens, pode perfeitamente
ser tributado por meio do ICMS.
São irrelevantes, para fins de ICMS, tanto a transmissão em si
mesma considerada (“relação comunicativa”) como o
conteúdo da mensagem transmitida.” (ICMS, São Paulo, Malheiros,
4. ed, p. 115 e 116)
Taxa de Adesão
Resta por
fim analisar a questão relativa à incidência do ICMS sobre
a parcela do preço cobrado pela Consulente a título de “taxa
de adesão”.
A Consulente não apresenta nenhum fundamento para sua dúvida neste
ponto, ou porque entenderia não haver a incidência do ICMS na hipótese.
Apresenta-se em geral como justificativa para a cobrança da referida
taxa de adesão a necessidade de a empresa prestadora do serviço
realizar despesas e investimentos realizados pela prestadora de serviço
de comunicação com vistas a possibilitar a transmissão,
recepção e decodificação dos sinais pelo assinante
do serviço, e que essas operações (instalações
de equipamentos, construção de redes, entrega de equipamentos
em comodato).
Tais valores serviriam, assim, ao ressarcimento dessas despesas, que não
constituem, por si, fato gerador do ICMS.
Como visto acima, tais atividades não se desvinculam do serviço
prestado pela Consulente, enquadrando-se, antes, na categoria das denominadas
atividades-meio. Ao contrário, não se pode conceber que o usuário
do serviço de TV a cabo fosse solicitar a instalação de
equipamentos ou a construção de redes se não fosse com
vistas à prestação do serviço de TV a cabo.
Tanto é assim, que tais valores recebidos a título de adesão
devem normalmente ser devolvidos pela operadora caso se constate ser inviável
a prestação do serviço. Portanto, seja qual for a denominação
que se lhe dê, a referida taxa de adesão constitui parte da remuneração
paga pelo assinante à Consulente pelo serviço que lhe é
prestado, qual seja o serviço de TV por assinatura. Não há,
no caso, a prestação de dois serviços distintos e independentes,
com remunerações distintas, embora para o adimplemento de sua
obrigação a Consulente deva realizar diversas atividades.
Mais uma vez lembramos a lição de Marçal Justen Filho (op.
cit., pp. 88-89), no sentido de que as outras normas, e não às
tributárias, cabe regular a forma do contrato e os requisitos para a
qualificação jurídica da atividade, mas que essa qualificação
jurídica efetuada por normas não tributárias (a qualificação
de determinada parcela da remuneração do serviço como “taxa
de adesão” ou “mensalidade”, por exemplo) não
interfere na configuração da hipótese de incidência
tributária, in casu, a “execução de uma obrigação,
consubstanciando-se na prestação de uma utilidade qualificável
como serviço” de comunicação. O fato de que a Lei
regulamenta o serviço de TV a cabo prescreve que a remuneração
da operadora deva dar-se sob a forma de um pagamento já no momento da
contratação, ao que denomina “adesão”, e de
mensalidades pela “disponibilidade e utilização” do
serviço (Lei nº 8.977/95, artigo 26) não prejudica a validade
e a aplicação das normas jurídico-tributárias que
fixam a base de cálculo do tributo. Nesse sentido o disposto no artigo
109 do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de
outubro de 1966, verbis:
Art. 109 – Os princípios gerais de direito privado utilizam-se,
para pesquisa, da definição do conteúdo e do alcance de
seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição
dos respectivos efeitos tributários.
A Lei 10.297, de 26 de dezembro de 1996, repetindo os termos da Lei Complementar
nº 87/96, fixa, em seu artigo 10, inciso III, como base de cálculo
do ICMS na prestação de serviço de comunicação
o preço do serviço.
Bernardo Ribeiro de Moraes, falando sobre a base de cálculo do ISS, que
tal como no serviço de comunicação, é o preço
do serviço, assevera:
“Preço do serviço é, pois, a expressão monetária
do valor auferido, imediata ou diferida, pela remuneração ou retribuição
do bem imaterial (serviço) oferecido (prestado, vendido)
(...)
O legislador utiliza a expressão “preço do serviço”,
sem qualquer outro adjetivo e silenciando quanto a deduções permitidas.
Evidentemente o legislador está dispondo sobre o preço bruto (sem
dedução de qualquer parcela, mesmo a título de carreto
ou imposto), e não o líquido. O preço do serviço
vem a ser, desta forma, a receita bruta que lhe corresponda, auferida pelo prestador
do bem imaterial.
(...)
O preço do serviço abrange a receita total auferida, sem quaisquer
deduções da importância entrada para o patrimônio
do contribuinte, proveniente da prestação de serviços.
Abrange, pois, a soma de tudo quanto foi auferido pelo contribuinte como produto
da atividade prestada. Da receita bruta, diz o Prof. Rubens Gomes de Sousa,
“não se admite qualquer dedução”. (Doutrina
e prática do ISS, São Paulo, RT, 1978, pp. 518-520)
Ora, não há negar que a denominada “taxa de adesão”
somente é recebida em função da prestação
de serviço de comunicação. Ninguém vai a uma operadora
de TV por assinatura para contratar a instalação de equipamentos,
a construção de redes de telecomunicação, tendo
como fim último essa atividade. O objetivo último será
sempre a prestação do serviço de comunicação.
A operadora, por sua vez, não realiza a prestação de serviço
de comunicação sem a cobrança da “taxa de adesão”.
Resta claro, portanto, que a “taxa de adesão” constitui remuneração
pela prestação do serviço de TV por assinatura, integrando
o preço (receita bruta) auferido pela operadora em decorrência
do serviço prestado, e, sendo assim, integra a base de cálculo
do ICMS. Isso fica evidenciado na análise do artigo 26 da Lei nº
8.977/95, pois o acesso ao serviço de TV a cabo somente é assegurado
ao assinante que houver pago ambas as parcelas (a adesão e a mensalidade).
Se pagar somente a mensalidade, o assinante terá pago apenas parte do
que deve pelo serviço.
Diante do exposto, responda-se à Consulente:
a) que o serviço de TV por assinatura está sujeito ao ICMS; e
b) que a denominada taxa de adesão integra a base de cálculo do
imposto.
É o parecer. À consideração da Comissão.
(Laudenir Fernando Petroncini – Secretário Executivo; João
Paulo Mosena – Presidente da COPAT)
O Portal Contábeis se isenta de quaisquer responsabilidades civis sobre eventuais discussões dos usuários ou visitantes deste site, nos termos da lei no 5.250/67 e artigos 927 e 931 ambos do novo código civil brasileiro.