Santa Catarina
RESOLUÇÃO
NORMATIVA 39 COPAT, DE 4-8-2003
(DO-SC DE 18-8-2003)
ICMS
CRÉDITO
Gás
Esclarece quanto à possibilidade de aproveitamento do crédito de GLP consumido em processos de industrialização.
De acordo
com o disposto no artigo 4º da Portaria SEF nº 226/2001, faço
publicar a seguinte Resolução Normativa, acompanhada do respectivo
parecer, aprovada pela Comissão Permanente de Assuntos Tributários
(COPAT).
EMENTA: ICMS. CRÉDITO DE ICMS. PODERÁ SER APROPRIADO COMO CRÉDITO,
PARA COMPENSAR IMPOSTO DEVIDO, O IMPOSTO RELATIVO À ENTRADA DE INSUMOS
UTILIZADOS COMO FONTE ENERGÉTICA E QUE SE CONSOMEM INTEGRALMENTE NO PROCESSO
INDUSTRIAL.
1. CONSULTA
A interessada, empresa estabelecida neste Estado, no ramo de “produção,
industrialização, comércio, importação e
exportação de artigos cerâmicos e louças”,
consulta sobre o direito ao aproveitamento de crédito relativo à
aquisição de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), utilizado
como combustível no seu processo produtivo. Argumenta nos seguintes termos:
“Sabe-se que a energia elétrica deve ser, para todos os fins, considerada
como matéria-prima, ou material intermediário, uma vez que, apesar
do fornecimento constante e ininterrupto, a energia utilizada se consome por
inteiro na alimentação do maquinário.
Desta forma, também o deverá ser o GLP.
Aliás, a energia reveste caráter de elemento essencial ao processo
produtivo, uma condição sine qua non estará inviabilizada
a atividade industrial.
Com isto, o caráter de primordialidade que têm a energia na realidade
industrial do País, faz com que esta assuma a corporificação
de um insumo absolutamente indispensável ao processo produtivo, considerando
inclusive, que toda aquisição é utilizada/aplicada na industrialização
de produtos tributados.
Vale dizer, então, tal insumo (GLP) adquire, por seu passo, caráter
de material intermediário, pois se destina à criação
de energia utilizada no processo produtivo, em substituição ao
tradicional fornecimento de energia elétrica. Pode-se classificá-lo,
outrossim, como insumo fomentador de energia aplicada na produção.”
(SIC)
A Consulente adquire GLP do Estado do Paraná, com o ICMS retido antecipadamente,
por substituição tributária, a favor de Santa Catarina.
Nesta hipótese, o artigo 22, I, “a”, do Anexo 3 do RICMS-SC/2001,
garante ao contribuinte substituído o crédito do imposto “quando
as mercadorias se destinarem a emprego como matéria-prima, ou material
secundário e o adquirente for estabelecimento industrial, desde que o
produto resultante seja onerado pelo imposto”. O § 1º do mesmo
artigo determina que, no caso em pauta, “o valor do crédito fiscal
será o resultado da aplicação da alíquota interna
sobre a base de cálculo da substituição tributária
mencionada no documento fiscal”.
Sucede que, conforme mostram documentos fiscais acostados pela Consulente, o
fornecedor não destacava o valor da base de cálculo presumida
para o ICMS substituição. A Consulente, portanto, fica impossibilitada
de proceder ao correto creditamento do imposto.
Isto posto, a Consulente formula os seguintes questionamentos:
1. É passível de creditamento de ICMS a aquisição
interestadual de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP)?
2. Em sendo afirmativa a questão anterior, nas operações
realizadas sob a égide de legislação anterior a janeiro
de 2002, deverá o contribuinte aplicar qual margem de lucro para a obtenção
da base de cálculo do crédito?
3. Uma vez permitido o crédito extemporâneo por estas operações,
deverá o montante do crédito ser corrigido?
A autoridade fiscal, em suas informações de fls. 32-33, manifesta-se
favoravelmente à pretensão da Consulente, objetando contudo que
não caberia à Consulente proceder ao cálculo relativo à
margem de valor agregado. “Tal cálculo é de responsabilidade
de quem promove a retenção do imposto, não da Consulente.
A esta restaria apenas obter, junto ao emitente das Notas Fiscais acima mencionadas,
a informação omitida quando da emissão das mesmas.”
No tocante à atualização monetária dos créditos
pretendidos, a mesma autoridade fiscal observa que inexiste previsão
legal para tal procedimento e que a Consulente somente poderia aproveitar os
créditos pelo seu valor histórico, obedecido o prazo decadencial.
2. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, artigo 155, § 2º, I;
Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, artigos 19 e 20;
Lei nº 10.297/96, artigos 21, 22 e 37, § 6º, II;
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto nº 2.870, de 2001, artigos 28 e 29 e Anexo
3, artigo 22, I, “a”.
3. FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
A Consulente substituiu uma fonte energética por outra, ou seja, a eletricidade
por GLP, na presunção de que o tratamento tributário seria
o mesmo, qualquer que fosse a fonte energética utilizada. Se o consumo
de energia elétrica dá direito a crédito, também
o consumo de GLP deveria dar o mesmo direito, posto que, trata-se, em ambos
os casos, de fontes de energia. A dúvida do contribuinte residia apenas
em como aproveitar este crédito, já que o imposto é retido
antecipadamente por substituição tributária.
A vexata questio reside no alcance da adoção do regime de créditos
financeiros pela Lei Complementar nº 87/96. O legislador optou pela implantação
gradual do referido regime. Assim, a entrada de bens para integrar o ativo permanente
do estabelecimento passou a dar direito a crédito a partir da edição
da nova lei. Já as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento
somente darão direito a crédito a partir de 1º de janeiro
de 2007.
Ora, se o GLP for considerado “consumo do estabelecimento”, a sua
entrada dará direito a crédito apenas a partir da data marcada
para a adoção plena do regime de créditos financeiros.
Se for considerado insumo de produção, o crédito será
assegurado, mesmo segundo o regime de créditos físicos. Isto porque
a conceituação de créditos físicos mesmo na vigência
da legislação anterior à Lei Complementar nº 87/96
não se restringe aos materiais que integrem fisicamente o novo produto.
O próprio Ruy Barbosa Nogueira (Direito Tributário, 1969, pp.
32-33) conceitua o sistema de crédito físico como o “que
admite apenas o crédito dos produtos que fisicamente se incorporam ao
produto ou se consomem no curso do processo de industrialização”.
No mesmo sentido, leciona Sacha Calmon Navarro Coelho (Curso de Direito Tributário
Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 479):
“O Decreto-Lei nº 406/68, Lei Complementar ratione materiae, adotou
o crédito físico, pois se no artigo 3º dispunha que o ICM
era não cumulativo, abatendo-se em cada operação o montante
cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado, já no § 3º
do mesmo artigo estabelecia o não estorno de mercadorias adquiridas para
utilização como matéria-prima, material secundário
e embalagem, indicando na via do estorno que o direito de crédito era
restrito. A jurisprudência fixou-se, então, no entendimento de
que o sistema de compensação era o do crédito físico,
ou seja, somente propiciavam crédito a compensar nas operações
subseqüentes as mercadorias destinadas à revenda ou materiais/insumos
que se integrassem fisicamente ao produto resultante (output) ou que, ao menos,
se consumissem integralmente durante o processo de industrialização.
O GLP consumido como fonte energética utilizada no processo industrial
é tipicamente “consumo no curso do processo de industrialização”.
Embora não se integrando fisicamente ao produto ou participando de sua
composição, o direito de crédito resulta de seu papel na
transformação industrial. O mesmo raciocínio vale para
qualquer outra fonte energética: óleo combustível, lenha,
energia elétrica, carvão, etc.
À mesma conclusão nos leva o exame da legislação
anterior à LC 87/96. A entrada de material consumidos no processo de
industrialização dava direito a crédito. É o que
diz taxativamente o Anexo Único ao Convênio ICM 66/88:
“Art. 31 – Não implicará crédito para compensação
com o montante do imposto devido nas operações ou prestações
seguintes:
.............................................................................................................................................................................
III – a entrada de mercadorias ou produtos que, utilizados no processo
industrial, não sejam nele consumidos ou não integrem o produto
final na condição de elemento indispensável à sua
composição.”
Infere-se a contrario sensu que a entrada de mercadorias ou produtos implicará
crédito para compensação com o montante do imposto devido
nas operações ou prestações seguintes quando utilizados
no processo industrial:
a) forem nele consumidos; ou
b) integrarem o produto final na condição de elemento indispensável
à sua composição.
O Convênio ICM 66/88, editado com base no § 8º do artigo 34
do ADCT da Constituição, promulgada em 1988, tratou provisoriamente
de normas gerais aplicáveis ao ICMS até a edição
da Lei Complementar nº 87/96. a disciplina do Convênio 66/88, portanto,
trata estritamente do regime de compensação de créditos
físicos, já que o regime de créditos financeiros somente
foi introduzido pela Lei Complementar nº 87/96. Por via de conseqüência,
resulta cristalino que, no regime de crédito físico, admitia-se
o aproveitamento de créditos não só das mercadorias que
se integram fisicamente ao produto final, mas também das que se consomem
no processo de industrialização. Redação semelhante
encontramos na Lei nº 7.547/89, também vigente antes da LC 87/96,
quando adotado o regime de créditos físicos:
“Art. 34 – Não implicará crédito para compensação
com o montante do imposto devido nas operações ou prestações
seguintes:
II – a entrada de bens destinados a consumo, ou à
integração no ativo fixo do estabelecimento;
III – a entrada de mercadorias ou produtos que, utilizados no processo
industrial, não sejam nele consumidos ou não integrem o produto
final na condição de elemento indispensável à sua
composição;”
O legislador distinguia com muita propriedade entre os “bens destinados
a consumo”, referidos no inciso II, e as mercadorias ou produtos consumidos
no processo industrial na condição de elemento indispensável
à sua composição, referido no inciso III. No primeiro caso,
o crédito é vedado; no segundo, é permitido.
No mesmo sentido, o antigo Regulamento do ICM, aprovado pelo Decreto nº
31.425, de 17 de fevereiro de 1987, admitia claramente o crédito relativo
a produtos “consumidos no processo industrial”, quando adotado o
regime de créditos físicos:
“Art. 62 – Para efeito de apuração do valor a recolher,
poderá ser aproveitado, salvo disposição em contrário,
o imposto pago e escriturado, relativamente:
I – às mercadorias recebidas para comercialização
e/ou emprego na industrialização ou produção agrícola,
animal ou extrativa, incluindo-se o material de acondicionamento e, no caso
da industrialização, os produtos intermediários que, embora
não se integrando fisicamente ao novo produto, sejam consumidos no processo;”
Tanto a legislação do ICM quanto a do ICMS vigente antes da edição
da LC 87/96, ou seja, no período em que adotado estritamente o regime
de créditos físicos, o direito a crédito incluía
não só os insumos que se integrassem fisicamente ao novo produto
como também os que fossem consumidos na produção. Ora,
a Administração estaria agindo contra a letra expressa da legislação
se restringisse o crédito apensa à hipótese em que o insumo
integre fisicamente o produto final.
Em sede de jurisprudência, o próprio Supremo Tribunal Federal tem
entendido de forma lata o conceito de “consumo no processo industrial”.
Assim, a sua Primeira Turma, ao julgar o Recurso Extraordinário nº
79.601-RS, em 26 de novembro de 1974, em Acórdão da lavra de Aliomar
Baleeiro, reconheceu o crédito do ICM aos “produtos intermediários
que se consomem ou se inutilizam no processo de fabricação”.
Isto porque os referidos materiais, “ainda que não integrem o produto
final, concorrem direta e necessariamente para este porque utilizados no processo
de fabricação, nele se consumindo”.
No mesmo sentido, a egrégia Segunda Turma reconheceu direito ao crédito
do ICM para os “materiais refratários utilizados na indústria
siderúrgica, que se consomem no processo de fabricação,
ainda que não se integrando no produto final” (RE 96.643-MG, julgado
em 9 de agosto de 1983). A mesma Turma entendeu também que “peças
que se desgastam no processo de produção, equiparam-se ao material
consumível, para efeitos de aplicação do benefício
da não cumulatividade” (RE 107.110-SP, julgado em 25 de fevereiro
de 1986). Do voto do Relator, Ministro Carlos Madeira, extrai-se a seguinte
passagem:
“Não integram as peças fabricadas, mas se desgastam no processo
de produção. Também não integram um bem de capital,
pois são materiais consumíveis, que devem ser substituídos
com breve tempo de uso. A circunstância de não se consumirem desde
logo, no processo de fabricação, mas em operações
sucessivas, não impede se possa equipará-la ao do material consumível
beneficiado com a não cumulatividade tributária.” (RTJ 102/304)
Mais recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça,
no julgamento do AgRg no Agravo de Instrumento nº 438.945-SP (RDDT 93:
229), em 10 de dezembro de 2002, embora negando direito ao crédito dos
produtos intermediários, reconheceu o crédito gerado, não
só pela entrada de insumos que integram o produto final, mas também
dos que se consomem de forma imediata e integral no processo industrial.
“A aquisição de insumos que, apesar de integrarem o processo
de industrialização, não integram o produto final, tampouco
são consumidos de forma imediata e integral, não geram direito
ao creditamento do ICMS.”
De qualquer forma, é inadmissível que, com a Lei Complementar
nº 87/96, que introduziu, ainda que gradualmente, o regime de créditos
financeiros no ordenamento jurídico tributário brasileiro, venha
a ser negado direito ao crédito em hipóteses em que este era admitido
quando o regime adotado era estritamente o dos créditos físicos.
Ora, desde a criação do ICMS, quando os combustíveis passaram
da competência tributária da União para serem tributados
pelo ICMS, esta Comissão nunca pôs em dúvida o direito do
contribuinte ao crédito relativo ao combustível consumido no processo
industrial. Assim, a Consulta nº 44/96 foi respondida nos seguintes termos:
ICMS. CRÉDITO. FUNDIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
DE METAIS NÃO FERROSOS. PEÇAS DE REPOSIÇÃO PARA
MÁQUINAS E APARELHOS UTILIZADOS NO PROCESSO FABRIL. NÃO GERAM
DIREITO AO CRÉDITO DO IMPOSTO AS ENTRADAS DOS PRODUTOS QUE SOFREM OS
EFEITOS DO DESGASTE NATURAL, DECORRENTE DO USO.
GERAM DIREITO AO CRÉDITO AS ENTRADAS DE ÓLEO DIESEL UTILIZADO
COMO COMBUSTÍVEL NO PROCESSO INDUSTRIAL, A UTILIZAÇÃO DE
ENERGIA ELÉTRICA E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO, VINCULADOS
AO PROCESSO INDUSTRIAL
No mesmo sentido, a Resposta à Consulta nº 80/96 reconheceu o direito
ao crédito do ICMS relativamente ao combustível utilizado na extração
de areia. Não é possível que, com a adoção
do regime de créditos financeiros, a aplicação do princípio
constitucional da não cumulatividade venha a restringir-se, negando-se
direito a crédito em hipótese em que antes era reconhecido e assegurado.
A razão do crédito é que o insumo utilizado como fonte
energética efetivamente consome-se no processo de industrialização.
Assim, a RC 16/89 reconheceu direito a crédito relativo à entrada
de lenha: “A entrada de cavacos utilizados como combustível no
processo industrial gera crédito do imposto quando destacado em documento
fiscal”.
A RC 75/89 foi mais longe, chegando a reconhecer direito a crédito para
o combustível utilizado na produção de energia elétrica,
esta sim, empregada como fonte energética no processo industrial:
ICMS. CRÉDITO. O IMPOSTO PAGO NA AQUISIÇÃO DE ÓLEO
COMBUSTÍVEL FUEL OIL. PARA EMPREGO, COMO COMBUSTÍVEL NA GERAÇÃO
DE ENERGIA ELÉTRICA A SER UTILIZADA EM PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO,
PODE SER UTILIZADO COMO CRÉDITO PARA COMPENSAÇÃO COM DÉBITOS
FUTUROS, POR SE ENQUADRAR NO CONCEITO DE MATERIAL SECUNDÁRIO.
Portanto, resulta cristalino que o entendimento desta Comissão quanto
ao direito ao crédito do ICM/ICMS de qualquer fonte energética,
seja ela óleo combustível, lenha ou energia elétrica, que,
à evidência, não se integram fisicamente ao novo produto.
Este entendimento, ressaltemos, foi esposado por esta Comissão quando
ainda em vigor estritamente o regime de créditos físicos e não
se cogitava ainda de adotar o regime de créditos financeiros. Não
é cabível, agora, reconceituar o regime de créditos físicos,
para restringir a aplicação do princípio da não
cumulatividade.
Do entendimento então esposado por esta Comissão não discrepa
a douta Consultoria Tributária do Estado de São Paulo, conforme
depreende-se das seguintes respostas:
Consulta nº 35/81
“Afigura-se-nos legitima a pretensão da interessada em se creditar
o imposto destacado nas Notas Fiscais emitidas pelos seus fornecedores da lenha
a ser consumida no processo de fabricação de seus produtos.”
Consulta nº 142/91
“É legítimo o aproveitamento, como crédito fiscal,
do valor do ICMS relativo às aquisições de óleo
combustível, para emprego no processo de industrialização
(geração de vapor e calor) de produtos cuja saída são
oneradas pelo tributo em foco.”
Não se trata, portanto, de interpretação isolada desta
Comissão, mas de entendimento pacífico dos Estados. Tanto não
havia dúvida quanto ao direito ao crédito que o legislador complementar
não cuidou de citar expressamente o combustível na regra de vigência
da LC 87/96, como fez com a energia elétrica, cuja vigência imediata
foi assegurada pelo artigo 33, I, “b”, “quando consumida no
processo de industrialização”. O comando resultou necessário
devido à natureza peculiar da energia elétrica que é considerada
mercadoria por expressa disposição da lei penal, para caracterizar
o crime de furto (CP, artigo 155, § 3º).
Ora, tratando-se de fontes energéticas, não é de admitir-se
que seja reconhecido o crédito a uma e negado à outra. Pior que
isto, suponhamos que em um mesmo estabelecimento existam duas máquinas,
uma movida a óleo combustível ou a GLP e a outra a energia elétrica:
em um caso poderia ser aproveitado o crédito e no outro não. O
argumento a contrario sensu aplicado à espécie (se a lei admite
expressamente o crédito no caso da energia elétrica, então
estará negando para as demais fontes energéticas) fere não
só o bom senso, como também o princípio constitucional
da isonomia tributária.
De fato, dispõe o artigo 150, II, da Constituição Federal
que fica “vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que
se encontrem em situação equivalente”. A escolha da fonte
energética utilizada no processo fabril não é discrímem
válido para justificar a diferença de tratamento tributário.
Leciona, a este propósito, Roque Antonio Carrazza (Curso de Direito Constitucional
Tributário, 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 59):
“A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser
aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação
jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será
inconstitucional – por burla ao princípio republicano e ao da isonomia
– a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las
a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas
posições jurídicas.
O tributo, ainda que instituído por meio de lei editada pela pessoa política
competente, não pode atingir apenas um ou alguns contribuintes, deixando
a salvo outros que, comprovadamente, se achem nas mesmas condições.”
No caso em pauta, não podemos reconhecer direito a crédito para
um insumo e negar para outro, quando ambos desempenham o mesmo papel no processo
produtivo: em um ou outro caso, tratam-se de fontes energéticas que não
se integram fisicamente ao produto. O tratamento discriminatório resultaria
privilegiar os usuários de energia elétrica em detrimento dos
consumidores de combustível.
Ora, a escolha da fonte energética deve resultar de critérios
econômicos e não de possíveis vantagens tributárias.
Se for o caso, a extrafiscalidade (uso dos tributos para fins econômicos
ou sociais) é prerrogativa do legislador, não do aplicador da
lei.
A interpretação maliciosa que artificiosamente altera o conteúdo
da regra de direito, para negar ao contribuinte direito que antes lhe era reconhecido,
com o fim de aumentar a arrecadação, agride o princípio
da moralidade, agasalhado expressamente pela Constituinte de 1988 (CF, artigo
37), que obriga a Administração, em seu trato com o administrado,
a pautar o seu comportamento não só pelo princípio da legalidade,
mas também pelo da aticidade, o que pressupõe lealdade e boa-fé.
Diva Malerbi nos fala da “busca das dimensões éticas do
Estado, especialmente nas relações travadas com os particulares
em razão da tributação” (In: O Princípio da
Moralidade no Direito Tributário, coord, por Ives Gandra S. Martins,
Rev. dos Tribunais, 1998, p. 53). “No Estado Democrático de Direito,
a legalidade legítima da conduta administrativa é, simplesmente,
legalidade moral. A moralidade do direito é, assim, o aperfeiçoamento
das atividades da administração pública.”
Passando à análise dos demais questionamentos da Consulente, o
fato de tratar-se de mercadoria sujeita à substituição
tributária não impede o aproveitamento do crédito, a despeito
do imposto não estar destacado no documento fiscal. De fato, o artigo
22, I, “a”, do Anexo 3 assegura que “o contribuinte substituído
poderá creditar-se do imposto retido por substituição tributária
e do correspondente à operação própria do substituto
quando as mercadorias se destinarem a emprego como matéria-prima ou material
secundário e o adquirente for estabelecimento industrial, desde que o
produto resultante seja onerado pelo imposto”.
A regra do § 1º do mesmo artigo não autoriza a Consulente a
calcular o valor que teria servido de base para a retenção da
substituição tributária. Apenas, se conhecido o valor da
base de cálculo da retenção, poderá obter o valor
do crédito pela aplicação da alíquota interna, caso
o seu fornecedor também seja contribuinte substituído. O procedimento
deverá ser, portanto, o sugerido pela autoridade fiscal em suas informações
a fls. 33, ou seja, obter junto ao emitente das Notas Fiscais a informação
requerida. Isto porque “tal cálculo é de responsabilidade
de quem promove a retenção do imposto, não da Consulente”.
Quanto à pretensão de apropriar os referidos créditos acrescidos
de atualização monetária, não poderá ser
atendida. Remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem se
firmado no sentido de que não cabe correção monetária
de créditos extemporâneos. O crédito deverá ser registrado
pelo valor nominal. Este é entendimento do Excelso Pretório manifestado,
entre outros, o AgRg no RE 261.534-0: “a correção monetária
incide sobre o débito tributário devidamente constituído,
ou quando recolhido em atraso. Diferencia-se do crédito escritural –
técnica de contabilização para a equação
entre débitos e créditos, a fim de fazer valer o princípio
da não cumulatividade”.
Isto posto, responda-se à Consulente:
a) poderá ser aproveitado como crédito do imposto o ICMS que onerou
a entrada de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), utilizado como
fonte energética em processo industrial.
b) se o imposto respectivo tiver sido retido por substituição
tributária, a Consulente deverá solicitar o valor respectivo ao
seu fornecedor, para fins de aplicação do disposto no Anexo 3,
artigo 22, I, “a”;
c) conforme reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não
cabe correção monetária de créditos do ICMS, aproveitados
extemporaneamente.
À superior consideração da Comissão. (Velocino Pacheco
Filho; Anastácio Martins – Presidente da COPAT)
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