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Impostômetro não para, falta saber por que anda

O alto da marquise da Associação Comercial de São Paulo, um placar conta a cada segundo o valor dos impostos pagos no país desde 1º de janeiro. O chamado Impostômetro deve chegar a R$ 1 trilhão em alguns dias.

30/07/2013 09:21

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Impostômetro não para, falta saber por que anda

O alto da marquise da Associação Comercial de São Paulo, um placar conta a cada segundo o valor dos impostos pagos no país desde 1º de janeiro. O chamado Impostômetro deve chegar a R$ 1 trilhão em alguns dias. A pergunta é natural: o que se faz com todo esse dinheiro? Muita gente que foi às ruas nas manifestações de variadas reivindicações sequer tem ideia do que seja um orçamento público, instrumento pelo qual os governos de municípios, de Estados e da União gastam o dinheiro arrecadado com impostos.

E não é só o cidadão comum que não se interessa pelo assunto. Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) feita em 2008, que ouviu gestores públicos e empresários de São Paulo, Brasília e Recife, mostrou que 28% dos entrevistados com escolaridade acima da média declararam ter conhecimento, mas não interesse no orçamento público; 55% dos entrevistados com escolaridade abaixo da média disseram que têm interesse, mas não têm conhecimento; entre todos os ouvidos, incluindo os com escolaridade superior, mais de 70% declararam ter dificuldade de compreensão.

Os estudos reunidos no livro "A Reforma Esquecida" fazem parte de uma pesquisa em andamento que tem como objetivo construir e consolidar um diagnóstico do processo orçamentário no país, com foco no governo federal. Esse primeiro trabalho sobre o tema aponta para caminhos a serem percorridos, de modo que o processo orçamentário brasileiro - as escolhas que se façam, de despesas e dos modos de financiá-las - seja modernizado.

No artigo "Rumos e caminhos para a reforma orçamentária", Fernando Rezende e Armando Cunha delineiam uma trilha com categorias de mudanças a serem adotadas para que o orçamento exiba os seus atributos essenciais. "Como qualquer mapa, este se apoia no conhecimento acumulado sobre o tema, tanto o propiciado por experiências internacionais quanto o advindo da experiência e de estudos e análises sobre o caso brasileiro", definem os autores. Estão ali os problemas que, segundo os autores, precisam ser removidos para se reduzirem as incertezas orçamentárias, ampliar o horizonte temporal das decisões, melhorar a eficiência e a eficácia do gasto, propiciar a transparência das informações - inclusive dos próprios atos dos governantes - e melhorar a qualidade do financiamento do governo. Além disso, enumeram as consequências da não solução dos problemas apontados.

O estudo "Estrutura do gasto público no Brasil: evolução histórica e desafios", de Mansueto Almeida, mostra que o gasto primário do governo federal aumentou de 13,7% para 21,71% do PIB entre 1991 e 2010. "Uma vez que o padrão de crescimento do gasto público no Brasil desde o início da década de 1990 foi expressivo, para onde foi esse dinheiro? Que contas apresentaram maior crescimento? O custeio do governo está descontrolado?", questiona o autor.

Almeida garante que, "ao contrário da percepção comum", não há descontrole nos gastos do governo federal no "custeio administrativo" (quando se retiram programas sociais, INSS e custeios da saúde e da educação). E, por incrível que possa parecer, nos últimos 11 anos o custeio administrativo diminuiu como proporção do PIB. "Assim, talvez apenas um choque de gestão não baste para gerar a economia necessária para expandir o investimento público sem ter de aumentar a carga tributária".

Desde 1999, também observa o economista, o crescimento do gasto público está diretamente ligado à política de valorização do salário mínimo e à expansão dos programas de transferência de renda. Essa política "voluntária", segundo ele, é planejada e é consequência de decisões políticas que estão na Constituição e, mais recentemente, de políticas de governo direcionadas para a recuperação do valor do salário mínimo, que serve de piso para as despesas do INSS e da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e da Renda Mensal Vitalícia (RMV), criadas em 1993 e 1974.

"Em um país como o Brasil, em que 80% do crescimento do gasto primário do governo federal nos últimos 11 anos decorreram dos gastos sociais (+ 1,2 ponto percentual do PIB) e dos gastos do INSS (+ 1,3 ponto do PIB), é difícil conseguir alguma economia fiscal no curto prazo", diz Almeida. Despesas com o INSS, considerados os gastos dos governos federal, estaduais e municipais com previdência e os gastos da Loas, são as que mais crescem. No começo da década de 1990, representavam 3,5% do PIB e atualmente correspondem a 7%.

Conforme o estudo, a despesa que mais cresceu depois daquela do INSS foram os gastos sociais. Foram cerca de R$ 60 bilhões a mais, de 1999 a 2010, em assistência social (os dois principais programas são os desembolsos para o Benefício de Prestação Continuada da Loas e as transferências de renda do Bolsa Família) e na função trabalho (o programa mais importante é o pagamento do seguro-desemprego). Nesse mesmo período, as despesas de custeio de saúde e educação subiram de 1,8% para 2% do PIB.
Os gastos públicos com educação, aproximadamente 5% do PIB, estariam até acima do esperado, se for levada em conta a renda per capita do país. Mas, enquanto projetos como o Plano Nacional de Educação (PNE) está enroscado no Congresso Nacional, ainda não há políticas públicas definidas sobre as formas de se investir melhor em educação. Situação semelhante é observada na saúde, que tem gasto per capita de acordo com o esperado, considerando-se a média mundial. Mas há pouco gasto com programas de prevenção e muita despesa com procedimentos como, por exemplo, a distribuição de medicamentos excepcionais para tratamento de doenças mais complexas.


Esses gastos, que até poderiam ser classificados como excessivos, são consequência da opção política feita pelo Brasil, a partir da Constituição de 1988, de proteger os pobres e os idosos. O problema, como comenta Almeida, é que esse Estado de bem-estar social leva o país a ter uma carga tributária de 35% do PIB - custo elevadíssimo, que tende a crescer, com menos impacto na redução da pobreza, como é o caso da valorização do salário mínimo. Uma das saídas apontadas pelo autor é a mudança na composição do gasto social, com o aumento do investimento público em áreas sociais (segurança pública, educação, saúde, urbanismo, habitação, saneamento e gestão ambiental). Enquanto isso não acontece, o Impostômetro continuará sua marcha, sem que se possa considerar que anda no ritmo mais recomendável a aplicação dos tributos recolhidos.

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