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A receita do bolo britânico

A Europa do continente continua rateando na retomada do seu crescimento; na Inglaterra, entretanto, os dados do PIB mostram crescimento de 0,8% no terceiro trimestre deste ano.

30/10/2013 21:50

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A receita do bolo britânico

A Europa do continente continua rateando na retomada do seu crescimento; na Inglaterra, entretanto,  os dados do PIB mostram crescimento de 0,8% no terceiro trimestre deste ano. Com base nos resultados dos dois trimestres anteriores e nas projeções para o último trimestre, é possível que o país cresça 1,4% no ano como um todo.
 
Melhor ainda, as estimativas do FMI para 2014 dão conta de uma possível expansão da economia inglesa de 1,9%  – menos do que as projeções para as taxas de crescimento dos Estados Unidos e da Alemanha, mas um desempenho muito melhor que o do conjunto dos países da área do euro (-04% e 1%, respectivamente, para 2013 e 2014).
 
O que explica essa diferença de desempenho, pergunta o conceituado jornal francês Le Monde? 
 
Talvez a resposta esteja sumariada na afirmação do ministro da Fazenda inglês do governo conservador de David Cameron: "Os dados mostram que os duros esforços empreendidos agora se pagam com a retomada do país no caminho da prosperidade".
 
A expressão "duros esforços" pode ter um forte apelo político, mas não detalham em 
que consistiram esses esforços. Eles se materializaram através de uma austeridade fiscal sem precedentes, que lembram os tempos de Margaret Thatcher. Em conjunção, uma desvalorização da libra inglesa de 20% entre 2008 – o ano do início da crise – e hoje.
 
No plano das reformas microeconômicas, uma maior flexibilização do mercado de trabalho, cujo principal resultado foi uma redução na taxa de desemprego de 8,2% para 7,9% hoje. Pode parecer pouco, mas esse número compara-se muito favoravelmente com os seus sucedâneos nos países do continente.
 
Como observa o jornal, o principal elemento determinante dos bons resultados ingleses reside na reativação da política monetária. O Banco da Inglaterra, sob o governo conservador, recomprou parcela expressiva da dívida pública, expandindo a liquidez de uma forma que não pode ser reciprocada pelo Banco Central Europeu. A maior liquidez no mercado permitiu uma expansão na construção civil, liderada por grandes obras de infraestrutura (crescimento de 2,5%). Mas cresceram também a produção industrial (+ 0,5%) e o setor de serviços (+ 0,7%).
 
Nem tudo são flores. O programa de austeridade do gabinete Cameron incluiu um aumento nos preços do gás e da eletricidade – medidas obviamente impopulares.
 
Além disso, os frutos do crescimento não se distribuíram igualmente, como ocorre no início de períodos de retomada do crescimento, e há sinais de que aumentou a desigualdade de renda no país. Esse aumento é mais pronunciado no plano espacial, já que o crescimento do setor de serviços, concentrado no sul do país, vem sendo maior ao longo do ano que o da indústria, que fica em especial no  norte.
 
Para alguns,o crescimento decorre em parte dos níveis historicamente baixos das taxas de juros inglesas, que se mantêm no patamar de 0,5% ao ano,  situação que não vai perdurar indefinidamente.Para outros, os bancos continuam reticentes em financiar as pequenas e médias empresas, segmento importante em todos os países europeus.
 
As estatísticas oficiais britânicas indicam que o crescimento será da ordem de 1,4% este ano e de 2,4% no próximo. Se estiverem corretas, elas encerram importantes lições para nós.
 
Primeiro, que a austeridade pode custar a produzir resultados, mas  os produz. Segundo, embora impopular, o gabinete conservador resistiu a manter baixos os custos da energia para os consumidores. Com isso, reduziu o déficit fiscal e permitiu às empresas retomar os investimentos – fator importante na volta do crescimento do país como um todo.
 
Terceiro, os gastos públicos foram direcionados a expansão da infraestrutura, em lugar de se traduzir em crescimento d as despesas correntes.
 
Essas três lições parecem indicar que andamos na contramão da experiência britânica: temos medo da austeridade; usamos os preços da energia para manter estacionária – em um patamar elevado – a inflação; e continuamos expandindo os gastos de custeio, enquanto continua a deteriorar-se a infraestrutura.
 
Como sempre, há tempo para corrigir as políticas públicas.
 
O momento é de torcer para que a receita britânica possa, de alguma, forma influenciar a nossa política econômica na direção correta.
 
 
Roberto Fendt é economista

Fonte: Diário do Comércio – SP

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