Um esquema de fraude, revelado nesta semana, desviou mais de R$ 500 milhões dos cofres da Prefeitura de São Paulo. Os cabeças do esquema eram funcionários de confiança da Secretaria de Finanças e Orçamento, no cargo há pelo menos dois anos. Eles usaram seus conhecimentos sobre o sistema de arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS) para burlá-lo. O perfil se repete, tanto no Brasil, quanto na Suécia, Qatar, Canadá e em outros 74 países ao redor do mundo. É o que diz o estudo "O Perfil Global do Fraudador: o crime do colarinho-branco, presente e futuro", da consultoria holandesa KPMG, que analisou, durante três anos, 596 investigados por fraudes na Europa, África, América do Sul e do Norte, Oriente Médio, Ásia e Pacífico.
Acesso fácil a altas tecnologias e despreparo das empresas aliados ao talento do fraudador podem causar rombos de US$ 500 mil a US$ 5 milhões, de uma só vez. A maioria dos golpistas (70%) ocupa cargos de confiança, tem entre 36 e 55 anos, está há mais de cinco anos na empresa e é cheia do que os pesquisadores chamam de "senso de superioridade". Segundo o estudo, os departamentos de finanças, operações, vendas e marketing podem ser grandes redutos para golpes porque envolvem múltiplas transações – "93% das fraudes usam transações desse tipo para passarem despercebidas."
Os holandeses ainda alertam: a cultura de um país pode fomentar esse tipo de crime, em larga medida. "O fraudador, normalmente, vai justificar seus atos dizendo que esse tipo de comportamento é aceito no país." "A legislação precisa ser capaz de levar as pessoas a mudar seus hábitos. E não arrastá-las para uma cultura de golpes", afirma Gert Weidinger, pesquisador da KPMG na Áustria.
Mas a falha pode ir além da lei e chegar a polícias, tribunais e departamentos de investigação. Dos 596 casos de fraude analisados, apenas 7% dos autores foram presos e 35% responderam na Justiça.
O fraudador é em geral homem, de 36 a 55 anos, casado, com filhos, considerado " confiável com boa noção de grupo" e ocupante de algum cargo de confiança – 29% dos golpes vinham de diretores-executivos. Ao relatar os motivos, muitos escreveram: "Porque eu posso".
Um dos fatores sensíveis a um golpista é o estilo de vida. Mas a maioria não sai por aí dentro de carros de luxo ou com roupas muito caras – apenas 18% tinham hobbies extravagantes e 17%, carros muito caros. "Vidas minimamente confortáveis são requisito." O argumento de que " fez isso porque estava com medo ou com raiva da empresa" não se aplica ao fraudador, muito menos a falta de dinheiro ou a baixa remuneração. Raiva e medo foram listados como motivos apenas por 10% deles, salários baixos, por 16%.
O que os guia é a ganância e o desejo de atingir metas extraordinárias, além do que o que estudo chama de "senso de superioridade", comum nos altos cargos: "Uma certeza quase absoluta que eles não precisam jogar conforme as regras estabelecidas ao resto dos funcionários", alerta o estudo da KPMG.
Brechas – As fraudes mudam conforme o setor em que está inserido o seu autor. Os desfalques, por exemplo, são mais comuns no setor financeiro, de comércio e indústria. Mas no setor público, de energia e recursos naturais, comunicações e entretenimento, o crime acontece nos contratos. Os setores que mais perdem dinheiro com fraudes são o financeiro, com desvios de em média US$ 5 milhões, e o da indústria, de até US$ 500 mil.
Tudo isso é fruto, de acordo com a KPMG, de três fatores: oportunidade, motivação e racionalidade. Os três juntos, em uma relação de causa-consequência, irá colocar a empresa no que o estudo chama de "perfeita tempestade."
E as empresas precisam estar prevenidas. O fraudador tem acesso a altas tecnologias, de forma fácil e simples. O estudo apontou que 54% das fraudes ocorrem por causa de fragilidades. "Fraudes ocorrem frequentemente porque o sistema de controle interno é muito fraco. Muitas empresas não têm, por exemplo, checagem de documentos que autorizam transações financeiras", disse Martin Krüger, pesquisador na Suécia.
Olhar a fraude como isolada já é o começo do erro. E o estudo diz ainda que não pensar nela antes que ocorra é pior ainda. O primeiro passo para não perder milhões ou até bilhões é "administrar o negócio com o máximo de transparência" e investir em controle interno e externo de documentos e funcionários.
Fonte: Diário do Comércio – SP