A inclusão pelo legislador, no art. 1º do referido diploma legal, ao lado dos títulos cambiários, de "outros documentos de dívida", sem, contudo, proceder à sua enumeração taxativa, suscitou muitas dúvidas quanto à concretização desse conceito jurídico indeterminado e levou muitos a defenderem que nele se inclui também a sentença judicial, por se tratar de documento que, sem possibilidade de discussão, certifica uma obrigação imposta ao réu/devedor, isto, claro, quando nela se encontre plasmada obrigação de pagar quantia certa. Outros, contudo, continuaram afirmando que só é possível o protesto específico da sentença para fins falimentares.
Subjacente a esta divisão de pensamento está uma premissa fundamental: o protesto pode ou não ser utilizado como meio de cobrança ou coação do devedor? Na verdade, constituindo o protesto um meio de prova especialíssimo, as suas principais finalidades são a prova inequívoca do inadimplemento da obrigação e a publicidade da mora do devedor, finalidades que são atingidas, no caso da sentença, com a simples instauração do procedimento executivo, haja vista a publicidade inerente aos atos judiciais e a possibilidade de obter certidão do juízo de execução que ateste o início da fase executiva. Contudo, além dessas finalidades e dos efeitos específicos cambiários, o protesto produz, na prática, outro efeito da maior importância, do qual não goza a execução da sentença: a publicidade específica produzida pelo protesto implica abalo no acesso ao crédito, inclusive com a possibilidade de inscrição do devedor nos cadastros dos órgãos de restrição ao crédito, constituindo-se assim o protesto como eficaz meio de execução indireta.
A publicidade produzida pelo protesto implica abalo no acesso ao crédito, constituindo-se meio de execução indireta
A questão já foi analisada pela 3ª Turma do STJ, nos autos do Resp nº 750.805-RS, que reconheceu a legitimidade dessa finalidade específica do protesto como forma de dar efetividade ao cumprimento das decisões judiciais, firmando o entendimento segundo o qual "a sentença condenatória transitada em julgado, é título representativo de dívida" e, deste modo, é possível o seu protesto, desde que represente "obrigação pecuniária líquida, certa e exigível." No entanto, longe de representar a pacificação definitiva do tema, a decisão dividiu os ministros (3-2), o que demonstra a falta de consenso sobre a matéria.
Perante essa controvérsia e visando resolver em definitivo a questão, o texto substitutivo do projeto do novo CPC aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados em julho (PL nº 8.046, de 2010), previsto para ir à votação do Plenário da Câmara até ao fim do mês de outubro, prevê expressamente a possibilidade do protesto da sentença no seu art. 531, que dispõe: "a decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art. 537."
Essa alteração, como se vê, não se limita a prever expressamente a possibilidade do protesto da sentença judicial transitada em julgado, ela fixa também o momento exato em que o protesto pode ser realizado pelo credor: apenas após o transcurso do prazo para o pagamento voluntário da condenação pelo devedor - 15 dias a contar da sua intimação para pagar o débito - e se este não o fizer.
Destarte, mais do que resolver em definitivo a questão da possibilidade ou não de levar a protesto a sentença judicial, o texto do novo CPC procede à sua disciplina conciliando os interesses do credor e do devedor, na medida em que, se, por um lado, fornece ao credor um novo meio de execução indireta bastante eficaz, por outro lado, protege o devedor contra constrangimentos patrimoniais desnecessários e indevidos, garantindo a observância de prazo para que este possa pagar o valor do débito voluntariamente.
Trata-se de opção legislativa que privilegia, assim, a boa-fé e a lealdade processuais, pois configuraria verdadeira violação a esses postulados ético-jurídicos permitir que o credor, imediatamente após o trânsito em julgado da decisão judicial, pudesse levar a protesto a sentença sem antes oportunizar ao devedor proceder ao pagamento voluntário do débito. Assim, tal como a multa de 10% prevista no atual art. 475-J do CPC e mantida no projeto do novo CPC, o protesto da sentença só pode ser utilizado pelo credor nos casos em que ocorra a frustração do procedimento executivo, pois o que se visa com este meio de execução indireta é, precisamente, compelir o devedor a cumprir voluntariamente a sua obrigação e, deste modo, conferir maior efetividade ao processo, dificultando e desestimulando a prática de comportamentos procrastinatórios por parte do devedor que objetivem frustrar a execução da sentença.
No nosso entender, o art. 531 do novo CPC constitui, assim, um importante e decisivo avanço no sentido de dar uma maior efetividade ao cumprimento das decisões judiciais, sem descorar e acautelar, no entanto, os direitos e interesses do devedor. Ressalte-se, que a solução preconizada no novo CPC não necessita de aguardar a sua entrada em vigor para ser aplicada de imediato pelos operadores judiciários, pois já é esta a solução que melhor se enquadra nos princípios e normas processuais atualmente vigentes.
Luis G. P. Gonçalves e Janahim Dias Figueira
Fonte: Valor Econômico