Quando lemos e refletimos sobre o futuro do trabalho, as referências têm nos levado a pensar em multifuncionalidade, capacidade de adaptação, visão sistêmica e o entendimento dele como uma soma de múltiplas atividades. Parece que a tendência é a busca da polivalência como diferencial competitivo.
Essa percepção está baseada na ideia de que as funções serão mais amplas, principalmente pelo claro movimento das empresas de reduzir seus tradicionais organogramas, tornando-os mais horizontais, o que traria também maior mobilidade e intercâmbio de atividades.
No entanto, tenho uma visão de que as carreiras serão cada vez mais especializadas. E digo mais: estamos entrando na era da hiperespecializacão, como afirmou Thomas Malone, professor do MIT, em um artigo escrito há dois anos sobre o futuro do trabalho. No ensaio, Malone afirma que o mesmo fenômeno que ocorreu nas fábricas durante o século XX chegou à sociedade do conhecimento.
Ou seja, teremos profissionais cada vez mais especializados em determinadas atividades. A sofisticação dos negócios, o avanço tecnológico e o aumento da competitividade das empresas exigem profissionais focados e altamente especializados em suas áreas. Esse movimento, que começou nas atividades operacionais e nos níveis intermediários, está cada vez mais presente em todas as funções.
Observo, como nunca, a tendência das empresas de procurar executivos hiperespecializados. Quando converso com headhunters (os poderosos "caçadores de talentos"), percebo que eles operam como uma antiga máquina de fotografias do tipo lambe-lambe. É como se cada candidato entrevistado tivesse seu "retrato" tirado e armazenado em um banco de imagens. Essa foto guarda a função e o setor da economia para os quais o profissional pode ser indicado. Por exemplo: um diretor de vendas para produtos de consumo. Ou seja, uma área e um setor da economia. É assim que funciona a lógica de contratação.
Os caçadores de pessoas seguem esse caminho porque assim são demandados pelas empresas. O efeito lambe-lambe é consequência do pedido de quem paga a conta. Mas, por quê? A resposta é simples: as empresas estão altamente pressionadas pelos resultados a curto prazo. As reflexões em longo prazo, missão essencial de qualquer CEO, são mero desejo. Os conselhos de administração funcionam como inquisidores para que as metas sejam atingidas.
Um presidente que não entrega resultados por dois trimestres tem risco de acabar demitido. Sem espaço para errar, as empresas querem profissionais que reproduzam práticas já consolidadas e bem-sucedidas - nada de ações inovadoras que, pelo ineditismo, possam representar algum risco aos números da organização. Por isso, contratam pessoas com experiências passadas muito próximas às atividades futuras. Nada de inovação.
Essa tendência global de hiperespecialização e efeito lambe-lambe parece estar bem definida. Pelo jeito que as empresas estão articuladas e pelo modelo de remuneração do sistema, não vejo mudanças.
Para sair desse sistema restritivo e sem oxigenação precisamos pensar alternativas. Um caminho pode ser a construção de conexões em áreas e setores análogos que diminuam o risco potencial dos implacáveis headhunters pressionados por contratantes medrosos.
Buscar trabalho em áreas próximas significa mapear atividades similares e setores da economia em que os clientes, os métodos produtivos ou até mesmo os fornecedores sejam semelhantes. Essa alternativa deixa o novo empregador mais confortável. Com isso, também evitamos a perspectiva ingênua de alguns executivos que acham que podem trabalhar em qualquer setor. A máxima de que gestão é igual em qualquer empresa não funciona no mundo superespecializado.
Por fim, a melhor estratégia: procurar trabalho e desenvolver a carreira nas poucas empresas que buscam pessoas olhando para o para-brisa e não somente pelo retrovisor.
Rafael Souto
Fonte: Valor Econômico