x

É preciso dar espaço para o luto no trabalho

"Era um dia bastante comum no escritório", lembra Michael Gibson. "Mas, na hora do almoço, recebi um telefonema de um cliente dizendo que meu colega não havia aparecido em um encontro que eles haviam marcado"...

27/11/2013 12:43

  • compartilhe no facebook
  • compartilhe no twitter
  • compartilhe no linkedin
  • compartilhe no whatsapp
É preciso dar espaço para o luto no trabalho

"Era um dia bastante comum no escritório", lembra Michael Gibson. "Mas, na  hora do almoço, recebi um telefonema de um cliente dizendo que meu colega não  havia aparecido em um encontro que eles haviam marcado". Mais tarde, uma amiga  ligou dizendo estar preocupada e os demais colegas começaram também a se  preocupar. "Então, recebemos uma ligação da polícia dizendo que um corpo havia  sido encontrado. A pessoa havia pulado de um prédio", diz.

Hoje atuando como diretor da Fat Media, uma empresa de marketing digital, ele  explica que, embora isso tenha acontecido anos atrás, quando estava em outra  companhia, é algo em que pensa frequentemente. A morte de um colega é um tabu no  local de trabalho. As empresas não gostam de falar sobre isso - quando  procuradas para comentar sobre a morte de funcionários para esta reportagem, dez  companhias educadamente se recusaram a falar, embora em muitos casos as mortes  tenham chegado às manchetes dos jornais.

É claro que pessoas empregadas morrem, incluindo executivos. Nos últimos  anos, Steve Jobs, um dos fundadores da  Apple, morreu de câncer; Steve Appleton,  diretor-presidente da  Micron Technology, morreu em um desastre de avião, e o  empresário Jimi Heselden, que controlava a Segway, morreu depois de cair com seu  Segway PT de um penhasco.

Qual deveria ser a reação das empresas? "As organizações têm um papel  importante nesses casos", diz Kirsty Minford, consultora de recursos humanos e  "grief counsellor" [consultora de luto, na tradução literal]. "As pessoas não  deixam o luto do lado de fora ao entrar na companhia". Com a morte de um  companheiro de trabalho, o apoio dos demais colegas pode ser muito importante.  "As pessoas sempre dizem 'o trabalho me ajudou a seguir em frente', e a rotina,  a comunidade e o apoio dos mais próximos podem ser de grande ajuda", afirma.

As relações de trabalho podem não ser especialmente amigáveis ou pessoais,  mas mesmo assim a vida no escritório pode produzir ligações profundas. "Uma  relação é construída quando você trabalha com alguém, mesmo que vocês não sejam  grandes amigos. Assim, uma morte no local de trabalho sempre é significativa",  afirma Russell Friedman, diretor do Grief Recovery Institute, que ajuda  indivíduos e empresas a lidarem com a morte. "A questão envolvida no luto é a  mudança - e obviamente o grau de luto vai variar. As empresas precisam dar às  pessoas espaço para o luto, sem se transformarem em assistentes sociais. É  importante que conversem e demonstrem seus sentimentos."

Kevin Friery, diretor clínico da consultoria Right Management, diz que "os  maiores empregadores deveriam ter uma política em relação ao assunto, uma vez  que isso vai acontecer em algum momento". Os passos que uma companhia pode  considerar incluem uma folga para as pessoas mais afetadas, alguém que  estabeleça uma ligação com a família (e às vezes com a polícia) e até uma  cerimônia fúnebre. É essencial também fazer um comunicado curto e digno o quanto  antes, especialmente porque rumores falsos podem começar a circular. Se a morte  for inesperada, reconheça que as pessoas ficarão chocadas e terão de falar a  respeito.

Além disso, é importante ser misericordioso, mas ao mesmo tempo pragmático.  Esforços para chegar a um equilíbrio entre a compaixão e a necessidade de  continuar trabalhando serão apreciados. Um certo grau de administração também  pode ser envolvido no processo. Por exemplo, a mensagem padrão que a pessoa  deixava na secretária eletrônica do telefone não deve ser ouvida pelas pessoas  que ligarem durante dias, e até mesmo semanas, após o falecimento. "É preciso  explicar o que aconteceu aos clientes e contatos da pessoa, o que pode ser um  processo bastante demorado."

As empresas deveriam averiguar quem é afetado, afirma Friery. "Trata-se do  grupo imediato de trabalho? E as pessoas com quem a pessoa tomava café e  almoçava? Trabalhamos com uma empresa em que um funcionário na casa dos 50 anos  morreu - e ele trabalhava naquela empresa desde os 17 anos. O impacto foi  enorme". Mas nem sempre é óbvio quem será afetado com o acontecimento. É preciso  estar preparado para descobrir amigos próximos inesperados ou mesmo casos  amorosos secretos.

O luto afeta as pessoas de maneiras diferentes. Duas pessoas podem ter uma  relação parecida com um colega, mas reagir de maneiras muito diferentes quando  esse colega morre. "Mesmo tendo pouco contato com uma pessoa, você ainda pode  ficar abalado por sua morte", explica Friedman. "É normal sentir que perdeu a  chance de dizer a ela algo que gostaria de ter dito. Você poderá se ver preso a  frases e sentimentos não ditos ou poderá pensar: 'Eu realmente nunca o conheci  direito'."

No caso da morte de um executivo-chefe carismático e conhecido, o staff pode  ser afetado da mesma maneira que pela morte de uma celebridade. Mas Russell diz  que mesmo a morte de um funcionário de baixo escalão que você não conhece pode  ter um impacto. "A gente tem um tipo de sentimento de equipe em relação às  pessoas de nossa empresa."

A natureza da morte vai afetar as reações. "O suicídio é diferente porque há  culpa e vergonha. Seu efeito é enorme, sendo ainda maior quando a pessoa deixa  uma carta de despedida dizendo que fez aquilo por causa do trabalho", diz  Friery. Os detalhes de uma morte podem ser difíceis de se lidar. "Certa vez, um  funcionário, bêbado, caiu em um canal e se afogou", lembra. "Ou você pode se  deparar com o caso de alguém que morreu em um acidente de carro porque estava  dirigindo bêbado. Isso faz as pessoas questionarem seus próprios estilos de  vida."

Finalmente, há o desafio de o que fazer quando as pessoas simplesmente  desaparecem. "Essa é uma situação muito estranha. Você chega ao ponto em que tem  de perguntar o que fazer com a mesa de trabalho da pessoa. Seria insensível  limpar a mesa e esvaziar as gavetas?"

É claro que, por trás dessas preocupações, há um elemento de interesse  próprio nas companhias. "Se as pessoas não puderem se enlutar, sua concentração  vai cair, elas poderão ter crises de choro repentinas e ficar deprimidas", diz  Friery. "Normalmente, não se oferece muito aconselhamento, mas você trata as  pessoas de maneira compassiva, ficando atento para detectar aquelas que estão  realmente tendo problemas para superar o trauma."

Kirsty Minford alerta que as organizações devem ficar atentas para não  prometer muita coisa, especialmente quando estiverem lidando com a família.  "Seja cuidadoso com o que você fala no estágio inicial do choque", ressalta. "É  da natureza humana comprometer-se demais, mas é preciso pensar naquilo que pode  ou não cumprir. Não prometa coisas demais, para depois decepcionar as pessoas".  A longo prazo, uma empresa pode honrar a memória da pessoa criando um prêmio com  seu nome. "Se estiver em linha com os desejos da família, esse tipo de coisa é  positiva", diz Minford.

É importante reconhecer que o staff poderá sentir bastante uma morte mesmo  muitos anos depois. "Ainda penso no que aconteceu. É estranho que, mesmo agora,  quando esse tipo de questão é levantada, você volta no tempo para aquele  momento", diz Gibson. Como regra geral, as empresas deveriam ser mais  compassivas. "Se você fizer isso, as pessoas vão se lembrar", diz Friery. "As  empresas têm medo do assunto. Mas não deveriam, pois é algo que afeta a todos  nós. O luto é universal", afirma Russell.

Rhymer Rigby
Tradução de Mario  Zamarian do Valor Econômico

Fonte: Financial  Times


 



Leia mais sobre

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

ARTICULISTAS CONTÁBEIS

VER TODOS

O Portal Contábeis se isenta de quaisquer responsabilidades civis sobre eventuais discussões dos usuários ou visitantes deste site, nos termos da lei no 5.250/67 e artigos 927 e 931 ambos do novo código civil brasileiro.