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Os riscos da falta de ambição

O Brasil quer mesmo se tornar um dia um país desenvolvido? Esta pergunta, que poderia ser considerada quase absurda há algumas décadas...

10/12/2013 11:50

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Os riscos da falta de ambição

O Brasil quer mesmo se tornar um dia um país desenvolvido? Esta pergunta, que poderia ser considerada quase absurda há algumas décadas, hoje deveria ser formulada e examinada seriamente por qualquer pessoa envolvida com o debate sobre os destinos do País.

O objetivo de convergência ao padrão socioeconômico dos países ricos foi uma viga-mestra na formação intelectual deste colunista no que se refere à discussão sobre o Brasil, e era considerado uma condição sine qua non de qualquer projeto para a nação brasileira. Tanto Juscelino quanto os militares na fase do “milagre” encarnaram essa ideia e fizeram dela o tema central da sua propaganda política.

A “década perdida” – que, na verdade, durou mais de dez anos, indo do início dos anos 80 a meados dos 90 – foi particularmente frustrante porque representou a interrupção daquela trajetória. Era como se, durante um longo e sofrido inverno, o Brasil tivesse estacionado o processo de convergência, que, no fundo, era o que dava sentido à boa parte da vida social, econômica e política do País.

Com o sucesso do plano Real, o sonho do desenvolvimento foi reinstaurado. Apesar da sucessão de crises que atingiram o Brasil desde a estabilização da moeda, houve um breve momento de calmaria por volta de 1996 e 1997 (antes da crise asiática), quando o então ministro do Planejamento, Antônio Kandir, costumava declarar que o Brasil iria entrar numa trajetória de crescimento por volta de 7% ao ano – claramente um padrão de convergência.

O sonho tucano frustrou-se, como é bem sabido, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao poder mais imbuído da missão de distribuir a renda (o que cumpriu exemplarmente) do que de fazê-la crescer. Mas Lula acabou sendo embalado pela maré montante de commodities, e o crescimento no seu governo acelerou-se para 4%, um ritmo modesto para país emergente, mas que já representava um avanço em relação à era FHC.

Em especial a forma como o PIB cresceu no segundo mandato do governo Lula, com três anos acima de 5% (2007, 2008 e 2010), levou à sensação de que o Brasil, incluído no prestigioso grupo dos Brics, retomara a marcha batida do desenvolvimento. Foi um momento fugaz de triunfalismo, em que se celebrou um suposto modelo econômico que produzia crescimento veloz e distribuição de renda, e os mais otimistas chegaram a ver um produto potencial acima de 5%.

O governo Dilma, em que o crescimento do PIB médio muito provavelmente ficará abaixo de 2,5%, representa um novo fim do sonho de convergência rápida. Ao contrário do que ocorreu no final da era tucana, porém, não existe um clima de hostilidade quase generalizada em relação ao governo.

A sensação é que, considerando-se o mercado de trabalho ainda aquecido, o avanço da renda dos mais pobres e uma profusão de programas sociais bem sucedidos, o Brasil está se adaptando melhor à condição de país permanentemente de renda média.

Percorrendo-se rapidamente as redes sociais, é fácil encontrar centenas de debates sobre a realidade nacional, mas a grande maioria deles tem a ver com questões de direitos – de pobres, de não brancos, de minorias sexuais e de inúmeros outros grupos historicamente prejudicados no Brasil. São discussões importantíssimas e extremamente válidas para o avanço da democracia brasileira, mas a questão do desenvolvimento econômico, que também é crucial, parece curiosamente ausente da preocupação do cidadão médio no momento.

Dessa forma, no momento em que o exame internacional de educação Pisa revela que países em desenvolvimento do Leste asiático, como China e Vietnã, que não dispõe de mais recursos per capita que o Brasil, dispararam à nossa frente, não parece haver por parte da sociedade brasileira aquela sensação de que “temos que fazer alguma coisa” – a mesma, por exemplo, que viveu a sociedade americana quando os soviéticos colocaram o primeiro homem em órbita.

Ao contrário, a sensação é de que o brasileiro médio aceita, como parte da ordem natural das coisas, que outros países emergentes avancem espetacularmente em termos de educação e crescimento econômico, enquanto marcamos passo no limbo da renda média e prosseguimos no processo de distribuição de renda e atendimento de direitos via Estado.

As manifestações de junho, que sacudiram o País, também foram basicamente um grito por ampliação de direitos, com ênfase nos transportes públicos, sem que nada apontasse ainda que desajeitadamente para um novo projeto de desenvolvimento para o País. Hoje, intelectuais discutem o papel dos Black Blocs com muito mais intensidade e paixão do que a baixa qualidade do sistema educacional brasileiro.

O risco à frente dessa aparente queda de ambição nacional é que a maré internacional já não está tão favorável ao Brasil, e a anestesia da redistribuição pode vir a ser insuficiente para saciar o desejo de ascensão material da nova classe média popular, mesmo se considerando os recursos do pré-sal. O Brasil está há décadas preso num nível de renda per capita equivalente a 20% da americana. Não é nada certo que, à estabilidade deste indicador, corresponda necessariamente a estabilidade das relações sociais.

Fernando Dantas

Fonte: O Estadão

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