O Marco Civil da Internet começou a valer na última segunda, e foi aprovado tendo como principais pilares a garantia da transparência no uso de dados dos usuários e a neutralidade da rede pelos provedores de acesso. Mas, para especialistas em direito digital, boa parte dos gestores ainda não atentou a questões práticas que impactam o cenário empresarial como um todo – e por isso ele ainda é alvo de dúvidas relativas à segurança da informação e à privacidade dos dados, tanto no ambiente interno como no trato com os clientes.
Um dos exemplos é a simplificação dos contratos de prestação de serviços (disposta no artigo 7º da lei), que determina que se informe de modo claro e objetivo o regime de proteção de dados pessoais, de registros de conexão, de acesso e práticas de gerenciamento de redes nos termos de uso de sites, redes sociais e aplicativos. Outro é a necessidade de um compliance digital, ou seja, um conjunto de normas internas que prevê os direitos e deveres de uso quanto ao tráfego de internet.
No primeiro caso, as políticas de uso ou a coleta de dados pessoais devem estar explicitamente informadas conforme pede o Marco – o que deve afetar especialmente o comércio varejista, segundo a advogada Sarina Sasaki Manata, da assessoria jurídica da FecomercioSP. Seja em um e-commerce ou em uma rede social, além de os dados pessoais serem bem protegidos, o item "Termos de uso", deve se tornar uma espécie de resumo dos principais pontos, com clareza no texto e destaque das informações relevantes, de preferência resumido em uma folha e com cliques especiais em partes mais sensíveis, como "Concorda que seus dados sejam fornecidos para terceiros?". Isso para que o cliente ou usuário tenha seus direitos garantidos, e a empresa saiba até onde pode ir, orienta.
"Apesar de existir há muito tempo, ninguém lê 20 folhas para dizer se aceita ou não comprar em uma loja virtual. E tem que ser tudo bem definido, como no caso dos dados pessoais: é nome, endereço e CPF, ou inclui 'gostos' e 'hábitos de consumo'? Quando eu clico em 'opções', o site guarda meus dados para oferecer produtos. Mas, enquanto alguns acham a ideia interessante, outros acham invasão – o que pode gerar demandas judiciais futuras", afirma a advogada Sarina Manata.
Reforço
O Marco Civil exige que os provedores têm que constantemente revisar políticas de uso, oferecer ampla divulgação aos clientes e estar em conformidade com a neutralidade da rede, segundo Marcelo Crespo, sócio do escritório Crespo & Santos Advogados. Mas há um terceiro ponto que não tem sido tratado até agora: a necessidade de induzir empresas a se preocuparem "reflexamente" com o compliance digital.
"Embora o Marco traga a discussão, mas não penalidades, existe a previsão quanto ao desrespeito à privacidade e a individualidade dos usuários em geral. Em um e-commerce, por exemplo, os dados do cliente devem ser tratados de forma sigilosa e não compartilhados sem expressa autorização. O mesmo se diz do acesso interno ao conteúdo ilegal: atitudes preventivas impedem perdas importantes decorrentes de crimes digitais. Mas, apesar de trazerem prejuízos, muitas empresas ainda não tiveram consciência de iniciar um trabalho preventivo de convergência digital e jurídica para evitar problemas", diz.
MPEs inclusas
Se há quem diga que apenas as grandes empresas já têm ou podem implantar o compliance digital, segundo Crespo, não é tão difícil colocar códigos de conduta digitais internas no âmbito das MPEs. Exemplo disso são normas simples, como restrição de uso de pen-drives ou de acesso a e-mails pessoais. Sarina Manata, da Fecomércio, lembra que, apesar de não terem grande aparato jurídico, geralmente pequenas lojas virtuais e os sites mais simples já têm políticas de troca ou de uso de forma mais singela – o que facilita essa adequação.
Marcelo Crespo também diz que, apesar da ideia geral de que especialistas em direito digital são "caríssimos", há bons profissionais que podem ajudar a tomar precauções mínimas. "É um nicho que deve ser explorado melhor pelas empresas e profissionais do ramo, e apesar de já existirem grandes bancas que cuidam de direito digital, elas ainda não estão acostumadas com o foco na prevenção de riscos. Mas é um movimento natural", acredita. O ideal, segundo o advogado, é as MPEs considerarem essas condutas como investimento. "A ideia não é esperar ter estrutura para isso, mas criar um ambiente participativo de compliance digital hoje para não ter que criar condições depois – e gastar mais – no futuro", finaliza.
Por Karina Lignelli
Fonte: Diário do Comércio - SP