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Batalha contra credores complica cenário recessivo da Argentina

A crise continua na Argentina. E novas projeções só fortalecem esse pensamento, demonstrando uma expectativa de contração do PIB para índices entre 1,5% e 1,8% e taxa inflacionária em torno de 35 %.

30/06/2014 10:25

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Batalha contra credores complica cenário recessivo da Argentina

O cenário econômico na Argentina hoje indica um ano de recessão, com mais inflação, desemprego e pobreza. Novas projeções elevam a expectativa de contração do Produto Interno Bruto para índices entre 1,5% e 1,8% e taxa inflacionária em torno de 35%. A batalha do governo contra os credores que não participam da dívida reestruturada (‘holdouts’) tornou pior um ambiente já desfavorável, embora negociar com eles – opção menos dolorosa - traga esperanças de o país recuperar acesso ao mercado internacional.

A cada dia surgem complicações que contrastam com o tom ufanista que marca os discursos da presidente Cristina Kirchner e de sua equipe econômica. O episódio mais recente foi a decisão da Justiça federal da Argentina de proce ssar o vice-presidente, Amado Boudou por corrupção.

Apesar de escandaloso, o processo do vice-presidente é o que afeta o país. Boudou não tem peso político e a população parece não se importar com seu futuro, seja permanecer no governo ou renunciar. O que causa angústia, entre os analistas, é desconhecer os passos da equipe econômica nos 30 dias que lhe restam para evitar que o país entre em “default” técnico na questão da dívida pública e nos pouco mais de 400 que separam o país da eleição presidencial.

“A cena de fundo continua sendo que a Argentina tem poucos dólares e muitos pesos”, diz o ex-presidente do Banco Central, Martin Redrado. Para ele, a equação da questão cambial, um dos temas que mais preocupam, dependerá “de quantos dólares o governo vai conseguir atrair para o país quando resolver a negociação com os ‘holdouts’”.

Redrado é um dos muitos economistas argentinos que acreditam numa solução negociada com os credores que ganharam a batalha na Justiça americana para receber o dinheiro referente à dívida do calote de 2001. “A pergunta é a que taxas e prazos vão negociar”, destaca.

Embora a desvantagem para o lado argentino seja evidente, a negociação é, na análise dos economistas, a única maneira que o país dispõe para estancar a perda de divisas e tentar reativar a atividade. “À medida que o país começar a receber mais dólares, o governo relaxará as restrições às importações”, afirma Dante Sica, ex-sexcretário de Finanças e diretor da consultoria Abeceb.

“O acordo com os credores possibilita a entrada de dinheiro externo; caso contrário, os problemas com o nível de reservas vão se agravar”, destaca o professor de finanças Aldo Abram, que comanda a Libertad & Progreso, uma organização de economistas. “É preciso encerrar o capítulo dos ‘holdouts’ para conseguir financiamento, já que o dinheiro das exportações do agronegócio será insuficiente”, diz o coordenador executivo da Ecolatina, Lorenzo Siagut Gravina.

A essa altura, os analistas parecem não se incomodar com a percepção de que não será por meio de investimentos que o país receberá o capital externo. Como o clima de incertezas afasta investidores, há um conformismo de que, diante da situação de urgência, a obtenção da moeda estrangeira tende a ser por meio de mais endividamento.

Com vários clientes no exterior, a consultoria Ecolatina nota o recuo das empresas com planos de investimentos. “As empresas sabem que, se o país for para o ‘default’, a economia, já em recessão, entrará numa situação crítica”, afirma Gravina. Para ele, à medida que a atividade cai haverá demissões.

O Índice de Produção Industrial recuou 7,9% em maio e acumula retração de 4,4% no ano. Puxado pela queda de produção na indústria automotiva (por demanda menor tanto no mercado doméstico como nas exportações para o Brasil), o mau desempenho do setor industrial foi um dos principais responsáveis pela contração de 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre na comparação com os três últimos meses de 2013. Na comparação com igual período do ano passado, a queda foi de 0,2%. Para Redrado, a queda do PIB chegará a 1,8% este ano. Outros consultores, como a Ecolatina e Abeceb, trabalham com previsão de 1,5%.

Cálculos dos economistas independentes indicam taxas de inflação entre 34% e 35% este ano. Para Sica, o quadro estaria pior não fosse a queda da atividade provocada tanto pela retração no consumo como pelas restrições à entrada de importados. Os insumos importados, diz, representam de 25% a 30% dos custos industriais.

Nos três últimos anos, a taxa de desemprego manteve-se estável em 7,2%. Entre os analistas independentes, há quem aposte que índice já beira os 10%. Mas poderia ser pior não fossem os programas sociais. “Muitos dos que são beneficiados por esses programas não procuram emprego. Não fosse isso, calculo que a taxa de desemprego estaria em 14%”, afirma Redrado.

A pobreza é algo que o governo não quer ver. Simplesmente não divulgou o índice do ano passado. Mas um dos mais bem conceituados trabalhos nessa linha, da Universidade Católica Argentina (UCA), indica que a faixa da população pobre alcançou 27,5% em 2013 e pode chegar a 30% este ano.

A crise de 2002, que veio na esteira do histórico calote de US$ 100 bilhões, é algo que provoca calafrios nos argentinos – dos que sentiram na pele o drama do desemprego, que chegou a 21,5%, aos mais renomados economistas. Naquele ano, o PIB contraiu-se 10,9%.

A expansão econômica que marcou fortemente dois períodos – de 2003 a 2008 e de 20010 a 2011 – teve, em grande parte, em seu favor, segundo a Econométrica, empresa de análises estatísticas, a alta dos preços internacionais dos grãos. Em 2010 e 2011, a economia do país cresceu 9,1% e 8,6%, respectivamente.

Segurar a desvalorização do peso e manter tarifas à custa de altas doses de subsídios foi a arma usada pelo governo para combater a inflação que surgiu com a expansão econômica. Isso levou à sangria nas reservas.

“Neste ano, porém, a percepção de que as reservas cambiais se esgotariam antes da eleição de 2015 fez o governo mudar o rumo e provocar a desvalorização cambial de 25% em janeiro. A recessão transforma-se agora na nova arma de combate à inflação”, descreve informe do economista Mário Brodersohn, da Econométrica.

Os analistas estão convictos de que a Argentina conseguirá evitar novo calote. Mas o quadro econômico do país é, de toda forma, de desalento. Ou, para usar a expressão do próprio ministro da Economia, em seu discurso na sede da ONU na semana passada: “Estamos à beira do abismo”.

Fonte: Valor Econômico

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