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O teatro que as empresas fazem para conquistar clientes

Algum tempo atrás participei de um comitê cuja tarefa era contratar um "headhunter". Ficamos grande parte de um dia trancados em uma sala na City de Londres com muito café e biscoitos, assistindo a uma apresentação após outra de firmas concorren

22/07/2014 13:19

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O teatro que as empresas fazem para conquistar clientes

O teatro que as empresas fazem para conquistar clientes

Quatro equipes entraram na disputa. Uma delas tinha apenas dois integrantes, outra quatro. Todas tinham boa aparência, estavam bem vestidas e eram amigáveis daquela maneira profissional que assusta um pouco.

Cada equipe tinha uma apresentação no PowerPoint, em que nos asseguravam suas "redes de contatos globais incomparáveis" e seu "profundo conhecimento do setor". No fim do dia eu estava com quatro pacotes gordos de apresentações em papel lustroso, que foram direto para o picador de papel.

Não havia nenhuma boa razão para escolher qualquer uma daquelas firmas de recrutamento em detrimento das outras, mas uma escolha tinha que ser feita. Portanto, acabei desqualificando uma simplesmente porque seu principal homem disse "maximizar o pool de talentos", combinando assim três das palavras de que menos gosto em uma única frase. Preferi outra firma, cuja apresentação foi um pouco mais curta.

Essa pantomina é uma maneira detestável de se contratar alguém. Mas é a maneira como advogados, consultores, agências de propaganda, firmas de relações públicas, bancos, corretoras e auditorias rotineiramente se digladiam para conseguir trabalho.

O primeiro erro com esse tipo de coisa é o custo. Três pessoas do meu comitê perderam o dia e cada firma passou vários dias preparando e se locomovendo para a apresentação. O custo em si não seria importante se nos levasse a tomar uma boa decisão.

O motivo que leva as empresas a participar dessa encenação é que, como elas pagam muito caro seus consultores, parece importante saber que estão gastando o dinheiro de maneira adequada. No entanto, esse processo maluco só serve para aumentar a base de custos, aumentando mais o preço dos seus serviços.

Um processo "justo" tem sido adotado, mas no fim todos saem perdendo. Nesse sistema, a decisão sempre será ruim. O vencedor inevitavelmente é aquele que se vende melhor, mas ser bom nisso não está necessariamente relacionado a ser bom em encontrar bons profissionais, ser bom em direito, em atividades bancárias, em propaganda ou em qualquer outra coisa que sua empresa necessite.

Quando a disputa se dá entre as grandes firmas, ela é particularmente sem sentido. Não há nada para se escolher entre a Ernst & Young ou a KPMG. Nem entre o JP Morgan e o Goldman Sachs, ou a Linklaters e a Freshfields. Todas contratam exatamente os mesmos tipos de pessoa. Elas fazem exatamente o mesmo tipo de trabalho para os mesmos tipos de cliente e cobram exatamente as mesmas comissões por ele. Se todos os clientes escolhessem as firmas com que trabalham por sorteio o mundo seria mais eficiente.

A única desculpa para o "concurso de beleza" é que você encontra as pessoas envolvidas e tem uma ideia se gostaria de trabalhar com elas. Mas esse argumento é fraco, uma vez que você não tem como dizer como uma pessoa é simplesmente assistindo a uma apresentação - e as pessoas que estão se oferecendo raramente são os resmungões que vão fazer o trabalho braçal.

Na semana passada, participei de uma decisão diferente no "Financial Times". Estávamos tentando escolher qual instituição de caridade o jornal vai apoiar no Natal deste ano. Em três dias assistimos a apresentações de ONGs sobre como elas impedem que pessoas sejam mortas ou feridas por minas terrestres, ajudam mulheres e crianças em zonas de conflito, e ensinam pessoas famintas a tirar mais sustento de suas terras.

Ao contrário da maior parte das apresentações de negócios, essa envolvia uma questão de vida ou morte. O problema aqui foi o inverso do problema com os headhunters - as equipes das ONGs eram tão diferentes que era impossível saber quem escolher. Mais uma vez, me vi influenciada pelo estilo em detrimento da substância.

Duas das instituições lançaram campanhas muito bem orquestradas com pessoas distribuindo cupcakes e apitos. A terceira trouxe apenas um homem que oferecia folhetos na recepção. Sei que isso não faz desta ONG a melhor, mas a simplicidade me tocou. "Confiem em mim", eu disse. Adoro um pobre coitado.

Poderia haver aqui uma lição para as firmas de serviços profissionais. Seria muito revigorante receber um headhunter solitário com uma folha barata de papel A4. Mas, pensando bem, quem ousaria contratá-lo? Não ficaríamos preocupados com a qualidade de sua rede global de contatos?

A triste verdade é que contratar uma firma de serviços profissionais é um jeito de se eximir de responsabilidades - ninguém vai culpar você pela contratação, por exemplo, da Slaughter and May ou da Egon Zehnder. Para uma instituição de caridade, ser uma pobre coitada pode ser vantajoso. Mas você escolheria uma pobre coitada como sua auditora? Não sei se eu teria coragem.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira

Fonte: Valor Economico

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