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Um decreto de poder

No limite, o Decreto nº 8.243 da presidente Dilma Rousseff é uma agressão ao sistema representativo, com a instalação de uma espécie de democracia direta tupiniquim – fala-se até em um novo bolivarianismo.

23/07/2014 08:11

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Um decreto de poder

Muito já se escreveu sobre o decreto 8.243 da presidente Dilma Rousseff , sobre participação popular na administração pública e sobre seus inúmeros efeitos deletérios – um deles a incomodar a Congresso Nacional, que é redução do papel do legislativo na elaboração das políticas públicas. Esvaziados já, Câmara e Senado mais esvaziados ainda ficariam.

No limite, é uma agressão ao sistema representativo, com a instalação de uma espécie de democracia direta tupiniquim – fala-se até em um novo bolivarianismo.

Para completar, o homem no governo que coordena todo esse projeto, o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, alheio às críticas e à iniciativa do Congresso, por indução da oposição, de anular o decreto presidencial, anuncia um outro decreto para criar as condições financeiras para financiar o funcionamento dos Conselhos Populares. Os passos são largos para tornar o fato consumado em fato consumadíssimo.

E é sob esse ponto de vista que o jurista Ives Gandra da Silva Martins, em palestra ontem na Associação Comercial de São Paulo, põe o dedo em outras das muitas feridas do arranjo institucional brasileira que o decreto 8.243 vai plantar. Uma é mais objetiva e mais chã. Dilma e PT querem – como aquelas algas que grudam nos cascos dos navios e não desgrudam mais, mesmo se forem derrotados nas eleições de outubro – manter o controle sobre vastas áreas do setor público federal. É um mecanismo de perpetuação.

Muito mais organizado do que qualquer outro partido político brasileiro e, mesmo esvaziado e já sem a mesma influência, ainda que com bons tentáculos nos sindicatos e quase todas as suas centrais) e no que poderíamos chamar de "organizações não governamentais governamentais" (ONGs financiadas quase que exclusivamente por organismos públicos), o PT não teria a menor dificuldade de organizar o controlar esses conselhos.

Não por acaso, está liderando esse processo dentro do governo o ministro Gilberto Carvalho, responsável na administração Dilma Rousseff pelo diálogo com esses segmentos sociais.

O objetivo imediato da criação dessa nova política de participação social é também reaglutinar essas forças em torno do petismo. Desde que assumiu o poder, por razões que podem ser definidas como uma espécie de "aburguesamento" das representações sociais, como sindicatos, centrais e ONGs e do próprio partido, o PT perdeu fluência e influência nos movimentos sociais, nos sindicatos e até mesmo nas ruas.

Basta ver duas coisas. Primeira, a redução da participação popular nas campanhas petistas, cujo auge foi a primeira eleição de Lula para a Presidência da República, em 2002.

De lá para cá as campanhas do partido estão cada vez menos tingidas de um vermelho autêntico e cada vez mais esmaecidas pela militância paga, igualzinho a seus concorrentes.

A segunda ficou evidente nas jornadas de junho de 2013, feitas à revelia de qualquer partido ou sindicato. Numa delas, realizada na avenida Paulista, o PT tentou pegar uma carona no movimento e acabou sendo escorraçado pelos manifestantes. Pode-se citar também as ações do MTST na capital paulista, nos últimos meses, organizadas longe da influência petista, coisa inimaginável quando o partido de Lula ainda não cheirava a poder e a burocracia estatal.

A criação desses Conselhos Populares ajudaria o PT a reconquista este espaço, tanto se continuar no governo quanto se for obrigado pela maioria dos eleitores brasileiros a voltar à oposição – algo que hoje não é de todo impossível.

Com ele no governo, os Conselho seriam de grande valia para ajudar a quebrar resistências no Congresso e na sociedade a alguns programas e projetos petistas. Por exemplo, com eles em determinadas áreas, ficaria muito mais fácil, por exemplo, levar adiante o controle social da imprensa. E se o PT for para a oposição, os Conselhos poderão ser muito úteis para minar as ações do governo vencedor e preparar, pode dentro, a volta em 2018.

Não se pode, em tese, ser contra a participação popular nas decisões de políticas públicas, embora as decisões finais devam ser sempre da instância máxima dessa participação, que é o Congresso Nacional. Já há exemplos, tanto no âmbito federal quando nas esferas estaduais e municipais, como o caso dos Conselhos de Saúde, de bom funcionamento do modelo. Entretanto, o decreto já em vigor não beneficia estruturas sadias, abre caminho para conselhos viciados e partidarizados.

O projeto como está é um projeto de poder de um partido, e não um programa de ampliação do mecanismos de decisão democrática no Brasil.

Por José Márcio Mendonça

Fonte: Diário do Comércio - SP

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