Que o sistema tributário no Brasil é travado por um sem fim de processos burocráticos, não é necessariamente uma novidade. Porém, como diz a Lei de Murphy, o que está ruim sempre pode piorar – e essa é uma regra que não costuma falhar por aqui, mesmo quando a intenção seja relativamente boa.
Entrou em vigor em 2016 a emenda constitucional nº 87/2015 (EC 87), que impactou diretamente a Lei do ICMS, nosso Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. O tributo fiscal está previsto na Constituição Federal de 1988 e, basicamente, é cobrado pela venda de grande parte dos produtos ou serviço prestados que resultem na emissão de uma nota fiscal – praticamente tudo que você compra no Brasil tem o imposto incluído.
O cálculo para a cobrança do ICMS, como você pode imaginar, já não era uma tarefa muito fácil. No entanto, por ter sido estabelecido há bastante tempo, a maior parte dos sistemas utilizados nas empresas já processava tudo de forma automatizada, o que facilitava (de certa forma) o processo de vendas. É aí que as novas alterações entram na jogada – e que as empresas, principalmente de e-commerce, estão sendo extremamente prejudicadas.
Entendendo o processo de venda
De uma forma extremamente simplista, o processo de uma venda interestadual feita por uma loja virtual poderia ser resumido em cinco passos, conforme explicado por Igor Gaelzer para o site Medium:
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1 – O pedido e o pagamento são recebidos, confirmando a venda
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2 – É gerada uma nota fiscal eletrônica e, em paralelo, a nota fiscal física é emitida em duas vias
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3 – Uma das vias é anexada ao produto
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4 – O produto é enviado
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5 – O imposto é pago ao final do mês
Tudo relativamente simples, certo? No entanto, com as alterações, a coisa ficou bem mais complicada. Isso porque, entre outras coisas, a emenda constitucional exige um novo cálculo da diferença entre a alíquota interna e a interestadual entre o estado de origem e o de destino. Além disso, é necessário emitir e pegar a guia de recolhimento ANTES de enviar o produto.
O passo a passo fica assim:
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1 – Pedido recebido e pago
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2 – Geração da nota fiscal eletrônica e impressão da nota fiscal física em duas vias
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3 – Aqui começa a complicar: é necessário chegar a tabela do ICMS para verificar e calcular a diferença entre a alíquota interna e a interestadual
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4 – A diferença (em percentual) precisa ser dividida em duas partes: 40% para o estado de destino, 60% para o de origem
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5 – É preciso emitir uma guia para o pagamento dos 40%, acessando o site do SEFAZ. O problema aqui é que a página varia de acordo com o estado de destino e os campos a serem digitados também mudam, fazendo com que o processo precise ser feito de forma manual
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6 – A Guia Nacional de Tributos Interestaduais (GNRE) é emitida e paga pela empresa
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7 – É necessário imprimir o comprovante de pagamento e anexá-lo junto com a nota fiscal no produto a ser enviado
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8 – O produto é enviado
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9 – O imposto (os 60% restantes da diferença das alíquotas) é pago ao final do mês
Se você achou o processo confuso e oneroso, imagine fazer isso para diversas vendas no dia para vários estados diferentes – situação muito comum nas vendas pela internet.
A pior parte é que a causa da mudança, que é corrigir distorções fiscais geradas por um sistema de tributação antigo, pode ser considerada correta – mas veio acompanhada de uma aplicação completamente distorcida.
As primeiras vítimas da burocracia
Como resultado direto das mudanças, diversos sites de e-commerce estão suspendendo as suas vendas porque um alto volume de pedidos, que antes era motivo de felicidade, agora é algo que apavora os donos de sites de comércio eletrônico – que, vale lembrar, geralmente são empresas pequenas e não têm condições de contar com uma equipe exclusiva para assuntos tributários.
Silvano Spiess, dono do site O Caneco – especializado na venda de cervejas artesanais –, divulgou um vídeo em que explica, do ponto de vista do empreendedor, como a atual situação pode vitimar ainda mais e-commerces no Brasil:
Acesse o link: https://youtu.be/pHM7CWedbNE
O que Silvano e Igor têm em comum é a opinião de que toda a parte burocrática da alteração faz com que o empresário tenha que priorizar a papelada em detrimento de trabalhar para a satisfação de seus clientes.
"O que acontece se a impressora falhar, se a internet cair, a luz acabar, o site do banco ou o próprio sistema do GNRE sair do ar (o que já aconteceu)? Nosso trabalho se torna imediatamente um inferno", explica Gaelzer. "Não podemos fazer envios no prazo, os clientes enviam e-mails de frustração – que não podemos responder com eficiência e atenção, por precisar focar no processo burocrático –, abrem reclamações e, no final, todos perdemos".
Os próximos capítulos não são nada promissores, já que o governo não deu qualquer indício de que vá repensar sobre a forma como a nova regra está funcionando – e o resultado pode ser desastroso para todo mundo: as pequenas empresas podem fechar e os consumidores terão cada vez menos opções de compra.
Fonte: TecMundo