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STF decidirá se Estados podem impedir uso de créditos de ICMS.

Leading case será da empresa do setor alimentício Gelita do Brasil, que contesta a cobrança de ICMS pelo Rio Grande do Sul

01/11/2011 11:43

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STF decidirá se Estados podem impedir uso de créditos de ICMS.

Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou a inconstitucionalidade da guerra fiscal, no julgamento em bloco de 14 ações em junho, empresários continuam sofrendo os efeitos da briga tributária entre os Estados. Ao remeter mercadorias de uma região para outra, as empresas não conseguem o reconhecimento dos créditos de ICMS resultantes de incentivos fiscais concedidos na origem. Com isso, passam a discutir valores altíssimos, administrativamente e na Justiça - só a JBS Friboi foi autuada em São Paulo em mais de R$ 1,2 bilhão por usar esse tipo de crédito. Muitas empresas chegam a ter as contas bancárias penhoradas por Estados com os quais discutem esses pagamentos. Outro efeito colateral dessa briga é o grande número de ações penais contra empresários que usaram incentivos fiscais. Um desfecho para a questão, porém, poderá vir em breve do Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar, pelo mecanismo da repercussão geral, se os Estados têm ou não o direito de impugnar créditos de ICMS resultantes de benefícios fiscais concedidos por outros. A Corte selecionou um "leading case" que valerá de parâmetro para todo o país. Trata-se um recurso da empresa do setor alimentício Gelita do Brasil, que contesta a cobrança de ICMS pelo Rio Grande do Sul.

A empresa comprou couro no Paraná, onde se beneficiou de incentivos fiscais, pagando 7% de ICMS. Ao enviar o material para o Rio Grande do Sul, destacou 12% do imposto na nota fiscal - alíquota incidente na operação interestadual. Mas como a quantia efetivamente recolhida foi de 7%, o Estado do Rio Grande do Sul quer cobrar a diferença de 5%.

Os incentivos fiscais funcionam da seguinte forma: a empresa paga uma alíquota menor de ICMS no Estado de origem, mas, nas operações interestaduais, destaca nas notas fiscais um crédito equivalente à alíquota cheia do imposto - o chamado "crédito presumido". É essa diferença entre o valor cheio e a quantia paga de fato que os Estados querem cobrar das empresas, quando os benefícios não foram previamente aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Os Estados se amparam na Lei Complementar nº 24, de 1975, que condiciona a concessão de benefícios fiscais a um acordo prévio entre os Estados, no Confaz. A norma considera "ineficazes" os créditos resultantes de incentivos concedidos sem seguir esse trâmite. A Gelita argumenta, por outro lado, que não cabe ao Executivo de um Estado determinar se a lei de outra região é ou não inconstitucional. "Essa é uma competência exclusiva do Poder Judiciário, notadamente do STF", diz o advogado da empresa, Haroldo Lauffer, do escritório Lauffer Advocacia, de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul.

Sua tese remete aos princípios da separação dos poderes e da presunção de validade das normas jurídicas, previstos na Constituição. "Não podemos partir do pressuposto de que uma lei de um Estado é inconstitucional", afirma Lauffer. As empresas defendem que a via correta para um Estado questionar o incentivo concedido por outro seria entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF.

Paralelamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) irá analisar o assunto de um outro ponto de vista, levando em consideração o que diz a lei. Os ministros remeteram o debate sobre os créditos impugnados à 1ª Seção do tribunal, formada por dez integrantes, que irão uniformizar o entendimento da 1ª e 2ª turmas. O recurso foi movido pela empresa de autopeças HC Peças contra o Estado de Minas Gerais, que não reconheceu créditos presumidos outorgados pelo Distrito Federal.

O STJ decidirá, no caso, se o que vale na operação são os créditos destacados na nota fiscal ou o imposto efetivamente pago no Estado de origem. "Se o Estado concede um benefício, trata-se de um acordo com esse Estado de origem. A relação com o destino é independente disso", argumenta o advogado Leandro Martinho Leite, que defende a HC Peças. Ele lembra que, embora tanto a 1ª quanto a 2ª Turma do STJ tenham precedentes favoráveis às empresas, a 2ª Turma já emitiu decisões seguindo a tese da Fazenda. "O julgamento pela 1ª Seção será importantíssimo, pois irá uniformizar o entendimento do tribunal e servirá de baliza para as instâncias inferiores", afirma Leite.

A guerra fiscal entre os Estados tem um efeito perverso no bolso das companhias. No setor de distribuição farmacêutica, por exemplo, praticamente todas as empresas foram autuadas a partir de 2005, com raríssimas exceções, segundo a Associação Brasileira do Atacado Farmacêutico (Abafarma). "As empresas se sentem extremamente pressionadas pelas secretarias de Fazenda", diz o diretor executivo da Abafarma, Jorge Froes de Aguilar. "As autuações comprometem o capital de giro e muitas não têm como oferecer penhora para discutir os valores na Justiça. O reflexo disso pode chegar até ao abastecimento das farmácias e da população."
 

Empresários respondem a ações penais
 

"É um absurdo o que acontece com a gente", reclama Angelo Esturaro, sócio-gerente da Cobra Rolamentos, uma das maiores distribuidoras de rolamentos do país. Assim como diversos empresários brasileiros, ele se vê no meio de um fogo cruzado ao lidar com a guerra fiscal. A pior consequência para Esturaro foi um processo criminal apresentado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, no qual é classificado como sonegador, por usar incentivos fiscais concedidos no Espírito Santo. "Na remessa das mercadorias para São Paulo, o fiscal entendeu que houve simulação porque o imposto pago não era o mesmo do que foi destacado na nota fiscal", explica Esturaro. "Isso traz muita instabilidade para todos os envolvidos. É um verdadeiro pepino."

Os sócios da Ginjo Autopeças estão prestes a enfrentar a mesma situação. O Fisco de São Paulo se recusou a reconhecer créditos de ICMS resultantes de incentivos concedidos em Brasília. O resultado: a empresa de médio porte enfrenta uma cobrança de R$ 40 milhões, que classifica como "impagável". Depois de perder a discussão no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, a empresa foi informada de que o caso será encaminhado à delegacia de crimes contra a ordem tributária. "A guerra fiscal é entre os Estados mas, no fim do dia, nós pagamos a conta", lamenta a advogada da Ginjo, Maria Cecília Bernardo dos Ramos.

A Secretaria de Fazenda de São Paulo cobra das empresas R$ 9 bilhões pelo uso de créditos de ICMS resultantes de benefícios concedidos por outros Estados, fora do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Se a empresa perde a discussão administrativa, a praxe é encaminhar representações penais ao Ministério Público, que poderá processar os empresários por crime contra a ordem tributária. Segundo a Coordenadoria de Administração Tributária, essas representações penais seguem as exigências da Lei nº 8.137, de 1990, que trata desses crimes. "É um dever de ofício da Fazenda comunicar o Ministério Público", diz o coordenador adjunto da CAT, Osvaldo Santos de Carvalho. (MM)

Maíra Magro | De Brasília

Fonte: Valor econômico

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