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Audiência discute norma para receita

Proposta de órgãos reguladores vai ao encontro de modelo adotado por construtoras brasileiras.

16/11/2011 09:32

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Audiência discute norma para receita

A polêmica envolvendo o critério de reconhecimento de receita das incorporadoras imobiliárias brasileiras está bem perto de ter uma solução definitiva. E o desfecho deve ser a favor do entendimento das companhias, que preferem continuar a fazer o registro ao longo do andamento da obra, e não apenas na entrega das chaves.

Os órgãos responsáveis pelos dois principais padrões de contabilidade do mundo, o IFRS, usado no Brasil e em mais de cem países, e o US Gaap, usado nos Estados Unidos, colocaram em período de consulta pública na segunda-feira uma nova proposta de norma sobre o assunto, que estabelece os princípios gerais que todas as empresas devem seguir para fazer a contabilização de suas receitas.

O princípio básico da norma é que a receita deve ser reconhecida quando um bem ou serviço é transferido para o comprador, com a possibilidade de isso ocorrer em um único momento ou ao longo do tempo.

"Não tenho dúvida de que a nova redação resolve a questão das incorporadoras, de que há transferência continuada nos contratos usados no Brasil. A leitura da norma não permite outra interpretação" disse Alexsandro Broedel, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ele já entendia que a regra atual provocava o mesmo entendimento, mas admitia que "o texto era ruim", o que permitia interpretações distintas.

Com o aval da CVM e do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), as incorporadoras brasileiras vêm fazendo a contabilização conforme o andamento das obras e dizendo que isso está de acordo com o IFRS, adotado de forma obrigatória no Brasil em 2010.

Mas os auditores dessas empresas pensam de outra forma e, para não ser obrigados a dizer simplesmente que os balanços estão incorretos, vinham afirmando que as informações estavam de acordo com o "IFRS brasileiro". Eles mencionam ainda, em um parágrafo de ênfase, que o Comitê de Interpretações do IFRS (Ifric) está analisando a questão e que, a depender da solução encontrada, as companhias podem ter que rever o método de reconhecimento de receita.

Para as principais firmas de auditoria brasileiras, dentro do padrão internacional de contabilidade conforme ele existe hoje, a receita de venda de um imóvel só seria registrada no momento da entrega das chaves.

Procurado pelo Valor na segunda-feira, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) afirmou ao que ainda está analisando a nova proposta conjunta do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb) e do congênere americano Fasb.

A preocupação no setor é grande porque, se essa segunda interpretação prevalecesse, o resultado de curto prazo seria uma queda significativa nos lucros e no patrimônio das empresas -, ainda que ao longo dos anos o resultado seja o mesmo. E embora elas já tivessem o apoio da CVM e do CPC, ainda haveria o risco de o Ifric decidir de forma contrária, o que as obrigaria a republicar os balanços.

"É muito importante que as incorporadoras brasileiras, a CVM e o CPC deem uma boa olhada na norma colocada em audiência pública e enviem um retorno para nós", disse ao Valor Wayne Upton, presidente do Comitê de Interpretações do IFRS (Ifric).

"Não queremos ter essa incerteza por um período maior que o necessário", acrescentou, ressaltando que a polêmica sobre o assunto é internacional. "Ela existe no mundo todo. Na Coreia, na Malásia, nas Filipinas, na Índia. O Brasil não está sozinho", afirmou.

Upton esteve no Brasil há algumas semanas e teve contato com as incorporadoras imobiliárias locais, que lhe explicaram a situação dos contratos de compra de imóveis. "Tentei comparar com o que existe no Sudeste Asiático e há diferenças significativas. Por isso que não posso simplesmente chegar e dizer que o novo pronunciamento vai resolver todas as dúvidas em todos os países", afirmou ele, que participou na segunda-feira de um evento organizado pelo Financial Executives International (FEI), em Nova York.

Apesar de a nova norma não ter aplicação prevista para antes de 2015, o presidente do Ifric se comprometeu a não tomar uma decisão contrária à proposta pela diretoria do Iasb para o futuro. "Não queremos que as empresas que estejam fazendo ao longo do tempo troquem para a entrega das chaves agora e depois tenham que voltar poucos anos depois. Isso não faz nenhum sentido", afirmou.

Kenneth Bement, gerente de projeto do Fasb responsável pelo pronunciamento de reconhecimento de receita, disse que espera que a redação dada à nova proposta esclareça questão. "Essa é a expectativa. Mas é claro cada caso tem que ser analisado", afirmou ele, no mesmo evento.

A nova norma divide os ativos em dois tipos, um mais parecido com um produto de prateleira e outro com uma encomenda específica, ou seja, que o vendedor não pode vender facilmente para outro cliente, sem ter outros custos.

No primeiro caso entra, por exemplo, um veículo. O comprador escolhe a marca, o modelo e os acessórios, mas a loja não tem a obrigação de entregar um carro com determinado chassi. Se o comprador desiste do negócio, ele pode facilmente ser vendido a outro cliente.

No caso de imóveis no Brasil, o mais comum é que o comprador escolha um apartamento específico, de um determinado bloco e andar. Por exemplo, a unidade 112 do bloco B. A incorporadora não pode entregar um apartamento de outro andar ou bloco ao cliente, mesmo que do mesmo tamanho e com as mesmas características.

Nessa segunda categoria, a proposta de norma diz que é preciso se cumprir apenas uma de três condições para que o reconhecimento da receita seja feito ao longo do tempo: que haja transferência dos benefícios ao comprador ao longo do tempo; que no caso de outra empresa ter que concluir o contrato a partir de determinado ponto ela não tenha que refazer o trabalho da primeira desde o início; que a empresa tenha direito de receber pelo serviço prestado até determinado momento.

Segundo Broedel, há consenso de que as duas primeiras condições existem no Brasil, ainda que bastasse que uma delas fosse atingida. Ao falar do benefício transferido, ele destaca que o comprador de um imóvel no Brasil pode vendê-lo durante a fase da construção e ficar com o lucro, caso ele exista.

Telefonia também terá mudanças

Embora o setor de construção tenha especial interesse no assunto, a nova norma contábil sobre reconhecimento de receita vai ter efeitos importantes nos os segmentos de serviços financeiros e de telecomunicações.

Segundo Leslie Seidman, presidente do Fasb, um dos conceitos novos trazidos pela norma é que as empresas devem levar em conta o "compromisso de desempenho" ("performance obligation") para registrar a receita, já que um mesmo contrato pode ter vários pontos a ser atendidos.

Uma operadora de telefonia, por exemplo, vende um aparelho celular e um plano pós-pago em um mesmo contrato. A venda do telefone terá que ser contabilizada no momento da entrega do aparelho, enquanto a parcela referente ao serviço será contabilizada ao longo do período do plano.

Para Allan Cohen, vice-presidente responsável pela controladoria da NBCUniversal, a mudança deve obrigar as empresas a fazer um grande investimento de tempo e dinheiro mudando seus sistemas. "Deve haver também consequências indesejadas das novas regras, assim como práticas distintas e dificuldade para implementação e divulgação das informações requeridas", afirmou.

A proposta ficará em audiência pública até 13 de março. A nova norma não deve entrar em vigor antes de 2015. (FT)

Fernando Torres | De Nova York

Fonte: Valor Econômico

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