O economista José Roberto Mendonça de Barros, que atuou na equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso, é conhecido por manter sempre um pé na economia real quando faz suas análises e cenários. Dessa forma, a sua visão vai além dos indicadores que mapeiam o trabalho cotidiano dos economistas, e inclui um conhecimento profundo, baseado numa longa e intensa interação, do dia a dia das empresas e de seus gestores.
É preocupante, portanto, que Mendonça de Barros esteja entre aqueles que veem problemas sérios para a indústria nacional. Mais preocupante ainda é que ele enxerga, no curto e médio prazo, uma tendência de piora de boa parte das dificuldades que afligem a indústria.
Recentemente, uma coleção de maus indicadores chamou atenção do público em geral para essa questão. Nos números do PIB, a indústria da transformação ficou praticamente parada em 2011, e mantém um nível quase igual ao do terceiro trimestre de 2007.
Na Pesquisa Industrial Mensal (PIM), tanto a indústria como um todo como a transformação ficaram estagnadas no ano passado, com crescimento inferior a 0,5%. Houve forte queda da PIM em janeiro, e as expectativas para o primeiro trimestre são bem ruins. Em 2012, as projeções de algumas instituições recentemente ouvidas por mim para uma reportagem eram de que a PIM não vá muito além de 2%, se chegar lá.
É claro que o ano está apenas começando, e muitas surpresas podem acontecer. Mas tudo indica, de fato, que as agruras da indústria vão além das oscilações cíclicas que afligem o resto da economia.
Mendonça de Barros vê várias causas no mau desempenho da indústria: câmbio valorizado, infraestrutura deficiente, alta carga tributária, elevado custo da energia e escassez e encarecimento da mão de obra qualificada. Para ele, os três últimos itens têm uma clara tendência de piora nos próximos anos.
O economista acha que a carga tributária deve continuar crescendo acima do PIB. Ele nota que impostos como o ICMS têm uma estrutura progressiva, com alíquotas maiores para bens cujo consumo sobe mais com a renda, como combustíveis, telefonia e energia elétrica. O crescimento do PIB e o avanço da classe média popular, portanto, puxam a arrecadação.
O aumento da formalidade também amplia carga, que foi desenhada para compensar um nível de informalidade que já não existe mais. Impostos provisórios tendem a se tornar permanentes, com a arrecadação do IOF aproximando-se da receita da extinta CPMF.
Para Mendonça, o governo poderia devolver, na forma de redução de alíquotas, esse aumento endógeno da carga tributária, mas isso dificilmente acontecerá diante da lógica política que insufla o aumento de gastos.
Já a tendência de aumento do custo da energia, para o economista, deriva do fato de que a oferta adicional virá em boa parte de usinas hidrelétricas na Amazônia, a uma grande distância das regiões de maior consumo, ou de usinas termoelétricas, que são mais caras.
Mas uma das suas maiores preocupações é a mão de obra qualificada. “Para muitas empresas, isso se tornou um pesadelo”, ele diz. O problema, observa Mendonça de Barros, é que a indústria acaba contratando pessoas de menor qualificação, o que tanto aumenta o custo com treinamento quanto reduz a produtividade. “Transformar um cortador de cana em soldador de navio em seis meses não dá certo, ele não faz direito e tem de haver um retrabalho”, comenta.
O economista considera o problema da escassez e do encarecimento da mão de obra qualificada como um fenômeno estrutural e crônico, que não tem como mudar em menos de uma década. Ao contrário, o aquecimento do consumo está deixando o mercado de trabalho cada vez mais pressionado.
O setor de serviços, que não sofre concorrência internacional, consegue repassar para os preços, provocando inflação. A agricultura brasileira, altamente inovadora, vem tendo grandes ganhos de produtividade, que possibilitam a absorção da alta dos custos.
A indústria, porém, fica na pior situação: vai bem mais devagar na inovação, não tem ganhos expressivos de produtividade e sofre a competição internacional. A solução que vem sendo posta em prática, nota Mendonça de Barros, é importar cada vez mais peças, componentes e matérias-primas. Assim, o impacto maior se dá nos bens intermediários, o que leva a uma perda de densidade das cadeias produtivas no Brasil, e à criação de menos valor adicionado.
O economista acha que o ativismo recente do governo, tanto para conter a valorização do real quanto para conceder isenções tributárias e turbinar o BNDES e seus empréstimos baratos, não vai à raiz do problema. “Há muita aflição de curto prazo, estão colocando esparadrapo e band-aids, mas não vai resolver”. Para Mendonça de Barros, “o governo acha que inventou um novo modelo de desenvolvimento, mas ele só tem demanda – a demanda foi na frente, e a oferta na indústria ficou parada, o que torna o modelo manco”.
Fonte: Estadão.com