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Turbinando o DNA do empreendedor

Com pacificação, negócios nas favelas do Rio crescem, e vendas de 1 em cada 4 comerciantes aumentam.

18/04/2012 12:53

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Turbinando o DNA do empreendedor

O pai de Levi Ricardo, de 29 anos, morador da Rocinha, é nordestino e queria que o filho trabalhasse na construção civil, para ter emprego garantido. Levi inventou de estudar, fazer curso superior e abrir um estúdio de fotografia.

Elói Araújo, de 37 anos, dedica parte grande do dinheiro que ganha, como músico e fiscal de feira da Grota, a um sonho. No Alemão, construiu uma casa na sua laje, pintou-a de amarelo ovo e quer receber turistas. No sonho de Elói, que se define como empreendedor nato, tem até um teto móvel. Diz que os turistas não têm que correr da chuva, o teto é que tem que ir até eles. Leonardo Louçana Ferreira, 38 anos, era um dos 600 participantes de um curso de empreendedorismo oferecido pelo governo do estado. Os dez melhores planos de negócios foram premiados. O dele ficou em primeiro lugar. O dinheiro do prêmio, R$ 20 mil, foi investido totalmente no salão que, remodelado, tem até uma parte só para crianças.

O que esses três têm em comum com muitos outros moradores de áreas ocupadas ou já pacificadas é o DNA do empreendedor. Reconhecem oportunidade, correm risco, investem no negócio.

— Queria ser meu próprio patrão. Faço o que gosto. Ficamos dez, 11 horas aqui, mas é trabalho e diversão ao mesmo tempo. A gente está começando a ver lucro.

Antes, o que entrava saía para a compra de equipamentos — diz o fotógrafo Levi que, junto com o sócio Rodrigo Pinheiro, de 22 anos, designer, acabou de formalizar o Studio Zero 5, na Rocinha. Hoje seu pai diz com orgulho que o filho é “retratista”. A pacificação está estimulando os negócios nas favelas do Rio. Dentro das comunidades, pessoas que tinham virado fornecedores de serviços ou produtos, por falta de alternativa, estão aproveitando as chances que se abrem com a chegada do Estado e a saída do tráfico. Uma pesquisa do Escritório de Gerenciamento de Projetos da Casa Civil do Estado do Rio mostrou que há só na Rocinha e no Complexo do Alemão mais de 11 mil microempreendedores. Eles já faziam negócios sem o Estado, agora, aperfeiçoam suas empresas, acumulam novos conhecimentos, crescem e alguns se formalizam. O Estado está chegando com oferta de crédito, cursos, parcerias. Tudo vai turbinando o que eles já tinham por natureza.

Ao redor das favelas as vendas do comércio aumentam. Uma pesquisa do Clube dos Diretores Lojistas do Rio, em torno de 17 comunidades que receberam UPPs, mostra que elas cresceram em 26% dos estabelecimentos. Esse número chega a 36% na Zona Oeste. Apenas 13% disseram que diminuíram. Dos estabelecimentos que apontaram alta nas vendas, 32% informaram aumento de mais de 20%, chegando a 46% na Zona Oeste.

A rua principal da Rocinha, no meio da tarde de um dia de semana, é um burburinho de estabelecimentos comerciais de todo tipo. A novidade é que agora muitos estão tentando se formalizar. Leonardo de Melo mora em Vilar dos Teles, em São João de Meriti, mas tira seu sustento da Rocinha.

— A Rocinha é uma mãe. Aqui se vende de tudo — diz Leonardo, conhecido como “Simpatia”.

Sua oferta de produtos varia com a hora do dia. Depois do almoço oferece doces; no fim da tarde, flores. Agora, com um empréstimo do microcrédito da Caixa, de R$ 7 mil, comprou uma Kombi e traz frutas frescas para vender de manhã. Ele se define como empreendedor e tem CNPJ para provar.

As histórias impressionam. O plano de negócios de Leonardo Louçana Ferreira tem novidades inesperadas, como a reutilização da água usada e a parceria com empresas de cosméticos para um centro de treinamento de futuros cabeleireiros. Não foram ainda implementadas, mas ele diz que aprendeu ao fazer o plano de negócios que pode sonhar e ampliar horizontes.

— Quem não cresce, desaparece. Meu sonho é ter mais salões aqui na comunidade. Por que sair? Eu vivi no tempo ruim, por que não vou viver no tempo bom? — diz Leonardo, que hoje emprega várias pessoas da família.

Quem também conhece os dois tempos do Rio, o ruim e o bom, é Valmir Vale, de 42 anos. Logo após a Chacina de Vigário Geral ele foi para a Europa, aproveitando um convite de um amigo. Na Espanha, apaixonou-se pela arte do mosaico. Hoje é um empreendedor social, criou o Instituto Musiva, em Olaria, e fez nove painéis do Teleférico do Alemão. Sua ONG oferece cursos a 90 moradores da comunidade, e até de fora, de reciclagem e mosaico. Continua morando em Vigário Geral:

— Queria que a sociedade olhasse a minha aldeia de outra forma.

Sem burocracia, salto será maior

Regiane Silvino de Oliveira, de 36 anos, quer voltar para Natal, de onde veio. Como cabeleireira na Rocinha, ela pegou um empréstimo na Caixa, investe no salão que divide com outros três profissionais e parte do lucro envia para sua terra para montar um estabelecimento lá porque quer continuar dona de empresa.

— Já trabalhei em casa de família, hoje ganho cinco vezes mais — diz.

Se o setor público chegar com burocracia e impostos excessivos, matará esse empreendedorismo. Se continuar oferecendo cursos, financiamentos, treinamentos e oportunidades vai alavancar os negócios.

Basta abrir uma porta, que o morador entra. Ana de Souza Pereira, de 35 anos, tem na parede de sua casa numa escadaria da Rocinha o retrato do momento da promoção. Ela era camareira num hotel da Zona Sul e entrou num curso de inglês intensivo, gratuito, oferecido pelo Estado, através do Senac. Com a nova habilidade, virou camareira-chefe e faz planos de aprender espanhol e fazer curso de turismo ou hotelaria.

— Como ganho três vezes mais, agora posso pagar uma faculdade particular. Ninguém vai tirar de mim o que eu aprender.

Há outros bens mantidos com determinação. A família de Francisca Ribeiro Cavalcanti, de 27 anos, da Rocinha, tem uma lavanderia com máquinas de lavar e passar industriais e clientes na Zona Sul. O negócio está formalizado e ela quer continuar no ramo:

— É bom ter o próprio negócio. Não ter patrão. Enquanto eu tiver garra, tenho trabalho.

Fonte: O Globo

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