As apostas on-line têm gerado uma crescente preocupação entre autoridades brasileiras, à medida que os efeitos desse tipo de atividade vêm se intensificando na vida de milhões de cidadãos. Empresas do setor, muitas ainda atuando fora da regulamentação vigente, têm sido alvo de discussões no Senado e, recentemente, de novas propostas legislativas. Essas iniciativas buscam limitar o acesso de grupos vulneráveis e impor restrições à publicidade das plataformas de apostas.
Nas últimas semanas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, trouxe à tona a necessidade de uma intervenção urgente para conter o impacto da propaganda dessas empresas, conhecidas como “bets”. O governo, por sua vez, anunciou no final de setembro o bloqueio iminente de cerca de 500 plataformas de apostas que operam sem as devidas licenças e orientou os usuários a retirarem imediatamente qualquer valor dessas empresas ilegais.
Uma das medidas em estudo pelo governo inclui a possibilidade de restrição dos pagamentos via cartão de crédito, visando prevenir o endividamento crescente entre os apostadores. Além disso, o governo avalia a proibição de que beneficiários do Bolsa Família utilizem seus cartões para financiar apostas. A pressão por ações mais rígidas aumentou após a divulgação, pelo Banco Central, de um relatório que revelou que beneficiários do programa Bolsa Família gastaram cerca de R$ 3 bilhões em apostas através do sistema Pix, somente no mês de agosto.
Senadores propõem limitações e bloco à publicidade das bets
No Senado, diversas iniciativas legislativas foram apresentadas para combater o avanço das apostas on-line. O senador Omar Aziz (PSD-AM) solicitou, no início de setembro, ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que disponibilizasse informações detalhadas sobre as transações financeiras feitas por beneficiários do Bolsa Família em sites de apostas.
Aziz destacou que esses valores, que deveriam ser direcionados para necessidades básicas, acabam se tornando “uma doação para as empresas de apostas”, que não retornam benefícios significativos para os jogadores.
Além disso, o senador acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitando a abertura de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para suspender temporariamente as atividades dessas empresas até que uma regulamentação mais rigorosa seja implementada.
Em pronunciamento recente, Aziz fez um alerta queilhões de brasileiros estão perdendo dinheiro em apostas on-line. Muitos utilizam recursos que seriam destinados à compra de medicamentos ou alimentos. As empresas de apostas não existem para perder dinheiro. Quem perde são os jogadores, em sua maioria brasileiros que enfrentam dificuldades financeiras”.
Estudos da Confederação Nacional do Comércio (CNC) indicam que o comprometimento da renda familiar com apostas on-line pode reduzir em até 11,2% o desempenho do varejo, impactando diretamente a economia com uma retração de até R$ 117 bilhões por ano. Aziz ainda pontuou que o dinheiro gasto em apostas não contribui para o fortalecimento da economia local, já que os recursos são enviados para o exterior.
Propostas para restringir apostas a grupos vulneráveis
Uma pesquisa do Instituto DataSenado, divulgada no início de outubro, revelou que aproximadamente 13% da população brasileira com 16 anos ou mais — o equivalente a mais de 22 milhões de pessoas — participou de apostas on-line nos últimos 30 dias. Desse grupo, a maioria (52%) recebe até dois salários-mínimos, e 35% ganham entre dois e seis salários-mínimos. Para tentar mitigar o impacto sobre os mais vulneráveis, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou o Projeto de Lei (PL) 3.718/2024, que propõe restringir ou até mesmo proibir a participação em apostas de idosos, pessoas com dívidas inscritas ou que estão no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).
A proposta de Vieira altera a Lei 14.790, conhecida como Lei das Bets, de 2023, incluindo mecanismos de proteção para evitar que grupos vulneráveis se envolvam em atividades de risco financeiro elevado. “A falsa percepção de que as apostas são uma forma de investimento rápido induz muitas pessoas ao erro, negligenciando os riscos inerentes”, destacou o senador.
O projeto de lei sugere, entre outras medidas, a criação de um teto para as perdas financeiras ou para o valor mensal transferido para plataformas de apostas, de acordo com a renda declarada do jogador. Outras possibilidades incluem a limitação de transferências mensais ou até a proibição total de transações financeiras com essas plataformas.
Debate sobre publicidade das apostas
A publicidade das empresas de apostas também está na mira do Congresso. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) apresentou o PL 3.563/2024, que visa reduzir a exposição das propagandas de apostas, especialmente em mídias como televisão, rádio e redes sociais, a fim de proteger a saúde mental dos brasileiros e evitar que o vício em jogos se alastre. O texto está em análise pela Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD) e propõe a proibição de qualquer tipo de publicidade de apostas durante campanhas eleitorais e a instalação prévia de aplicativos de apostas em dispositivos eletrônicos.
Randolfe ressaltou que o Senado deve agir com urgência diante do crescente impacto das apostas on-line na economia popular e na saúde pública. “As bets já se tornaram uma questão de saúde pública e uma ameaça à economia familiar”, afirmou o senador.
Outro projeto de destaque é o PL 3.405/2023, de autoria do senador Eduardo Girão (Novo-CE), que proíbe a participação de celebridades na publicidade de apostas esportivas. Girão acredita que a proibição ajudará a proteger a população dos riscos emocionais e financeiros associados ao jogo. O projeto, que está pronto para ser votado pela Comissão de Esporte (CEsp), propõe a proibição de atletas, ex-atletas, celebridades e influenciadores de participarem de campanhas publicitárias de empresas de apostas.
Em um discurso na semana passada, Girão ressaltou que o Senado tem a oportunidade de corrigir o que ele chamou de "erro" ao permitir a regulamentação das apostas esportivas no país. Ele pediu apoio dos colegas para rejeitar o Projeto de Lei 2.234/2022, que autorizaria a instalação de bingos e cassinos no Brasil.
“É um momento de reflexão para o Senado, onde podemos evitar uma tragédia maior, que já está destruindo famílias e levando muitos ao endividamento extremo”, lamentou.
Com o crescimento das apostas on-line e suas consequências cada vez mais visíveis, o governo e o Congresso Nacional buscam encontrar o equilíbrio entre regulamentar o setor e proteger a população vulnerável dos perigos associados ao jogo.