Uma boa forma de validar se um texto está bem escrito é entregá-lo a para as pessoas, que não o escreveram, para verificar o entendimento. No nosso caso, de tributaristas, não temos a oportunidade de validar com os redatores originais dos atos tributários regulatórios, salvo raríssimas exceções.
Pois bem, numa sessão de trabalho num cliente da nossa consultoria, fizemos o seguinte exercício: listamos todas as operações atualmente cadastradas no sistema e pedimos para a equipe tributária que pensando, exclusivamente na reforma tributária, indicasse as operações tributáveis e com quais alíquotas.
Foi um grande teste de entendimento após semanas de trabalho de leituras em conjunto, debates (calorosos), entendimentos e desentendimentos ou novos entendimentos. Debates sobre um tema completamente novo para todos. A surpresa, ao menos para mim, é que em algumas operações havia clareza e incoerência ao mesmo tempo. Clareza porque em um artigo ficaria clara a tributação, já em outro de mesmo enquadramento não restava dúvida que a operação não deveria ser tributada.
Esta simulação faz parte da nossa metodologia de aprendizado sobre tema, a prototipação. Se faz uma simulação das condições de campo sobre uma mesa. Nesta simulação usamos papel para representar o que seria a configuração do sistema para o cenário da reforma. Uma antecipação simulada do cenário.
Uma das questões mais discutidas foi a operação de remessa. Ao colocar a Lei Complementar à disposição para os tributaristas e pedir a configuração houve choque de ideias que consideravam os artigos quinto e quarto, resumidamente:
Art. 4º O IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou com serviços.
...
§ 3º São irrelevantes para a caracterização das operações de que trata este artigo:
I - o título jurídico pelo qual o bem encontra-se na posse do fornecedor;
Art. 5º O IBS e a CBS também incidem sobre as seguintes operações:
I - fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços, nas hipóteses previstas nesta Lei Complementar;
...
IV - demais fornecimentos não onerosos ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços por contribuinte a parte relacionada.
Ao considerar que uma remessa, considerada sobre os atuais regulamentos de ICMS – RICMS, pensaríamos que uma remessa para conserto é uma operação NÃO onerosa, pois não haverá contraprestação financeira pela remessa (somente pelo conserto que é outra operação) e que comparando ao artigo quinto deveria ser tributada de IVA. Ao submeter ao artigo quarto, por não ser onerosa, não estaria sujeita ao IVA.
O clima ficou pesado entre as pessoas mais fervorosas na reunião, pois não há aparente hierarquia ou exceções no próprio texto da lei complementar. Por outro lado, não faz sentido que uma operação que não tenha contrapartida de ganho fique sujeita à tributação. Não chegamos a uma conclusão razoável. E não avançamos na tarefa de parametrização simulada das operações desta natureza.
Como a empresa alvo desta atividade possui múltiplas situações de remessas e retorno, como industrialização por encomenda, beneficiamentos, consertos, consignação, comodato, armazenagem etc. a decisão do grupo foi aguardar por novas instruções a serem publicadas no decreto de criação do regulamento do IBS e da CBS.
Eu sou consultor e professor Mauro Negruni. Sócio fundador de uma consultoria focada em processos e sistemas de gestão. Atuo na integração de informações fiscais para gerar melhorias de processos e qualificação no âmbito das obrigações acessórias e tributação. Me encontre no LinkedIn e Instagram por @mauronegruni.