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A burocracia estatal precisa ser profissionalizada

Há três anos à frente da Advocacia Geral da União (AGU), órgão defensor do Estado brasileiro, o ministro Luís Inácio Adams vem colecionando vitórias no Judiciário.

05/11/2012 14:39

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A burocracia estatal precisa ser profissionalizada

Há três anos à frente da Advocacia Geral da União (AGU), órgão defensor do Estado brasileiro, o ministro Luís Inácio Adams vem colecionando vitórias no Judiciário. Tanto contra liminares que suspendiam as obras das grandes hidroelétricas na Amazônia quanto para frear os abusos cometidos por servidores públicos em greve. Também permitiu que os ministros do governo continuassem a receber gratificações por participar de conselhos e até evitou a retirada de índios guarani kaiowá da reserva em Mato Grosso, mesmo sendo autor de portaria que autoriza ações do governo em áreas indígenas sem anuência das comunidades. É até cotado para assumir a cadeira de Carlos Ayres Britto no Supremo Tribunal. Mas Adams acha que o Estado, a burocracia brasileira, deve e pode ir mais adiante.

"Hoje, o que nós precisamos é a profissionalização da burocracia", afirmou, em entrevista ao DCI. "Esse é um desafio da administração pública, que tem responsabilidade pela qualidade do serviço". Para ele, "o profissional, dentro da burocracia, se acha muito portador de direitos. Ele precisa se compreender ainda como um portador de responsabilidades profissionais. O Estado tem que ser um agente de serviços, um provedor de serviços", acrescentou. E ainda declarou: "Em última análise, você precisa fazer uma verdadeira reforma cultural, uma mudança cultural de comportamento dos agentes públicos".

O próximo desafio da AGU é aguardar ainda neste mês o julgamento dos embargos a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Se o STF mantiver sua posição sobre condicionantes nessas áreas, Adams pretende reativar a Portaria 303, editada em julho deste ano, que orienta advogados e procuradores espalhados em todo o País sobre o direito de uso das terras indígenas.

Sob protesto dos índios, a Portaria diz que a União está autorizada a instalar equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pelo Estado, sem necessidade de consulta prévia aos índios. "O problema é que as comunidades indígenas não são soberanias", conceituou. A seguir, a entrevista.

DCI: O fato de a União ser o maior litigante na Justiça é bom ou é ruim para a sociedade?

Luís Inácio Adams: A questão não é ser bom ou ruim. É um fato. A União, por ser o maior prestador de serviços do País, não é de se estranhar que ela também seja muito demandada. Nós precisamos usar nossos instrumentos para diminuir a litigância a que a União é submetida em processos judiciais, seja como autora, seja como ré. A União responde por 38% do volume de ações em tramitação na Justiça. Mas também é a maior prestadora de serviços do País. Se você comparar relativamente aos bancos [que também respondem por outros 38% das ações], você tem um menor litígio. Nós podemos falar em 40 milhões de pessoas, universo potencial que litiga contra os bancos. A União atende 190 milhões de pessoas. Agora, na medida em que você melhora a qualidade da prestação de serviços, você também reduz a litigância. Esse é um desafio da administração pública, que tem responsabilidade pela qualidade do serviço.

DCI: Por exemplo?

LA: Nós temos obtido no âmbito das políticas de investimentos. Essas vitórias não se devem apenas à atuação da AGU, mas se devem também ao fato de que o Estado está mais qualificado para lidar com essas demandas.

DCI: O senhor está se referindo às hidroelétricas?

LA: Sim. Hidroelétricas de Belo Monte, Santo Antônio, Jirau, Estreito - esta, inaugurada agora, depois de uma disputa judicial de vários anos. São vários os exemplos, como negociações que envolvem a construção de ferrovias. Em relação a aeroportos [editais de concessão de aeroportos], não tivemos liminar. E é uma questão complexa. Na questão da greve dos servidores públicos, nós tivemos diversas vitórias. O que acontece é que na medida em que o Estado se torna mais eficiente -não apenas a relação entre meios e fins, mas também a de entrega do produto-, isso se chama efetividade. Quando isso acontece, o Estado ganha robustez nas suas decisões. Mas isso é uma solução ainda em construção porque a formação desse processo passa por muitas etapas ainda. Hoje, o que nós precisamos é a profissionalização da burocracia. Não é necessariamente pagar mais, mas é pagar mais de forma mais compatível com a sua responsabilidade. Implica a formação inclusive de uma burocracia tecnicamente estruturada no âmbito da carreira. Nós avançamos muito na seleção nos membros da burocracia estatal, no ajustamento burocrático brasileiro. O processo de ingresso hoje é praticamente de concurso público, evoluímos muito nesse sentido.

DCI: As greves recentes mostram que os servidores públicos se veem muito como portadores de direitos?

LA: Não é só greve. É isso porque, na verdade, o que acontece é o seguinte: o estamento burocrático, ele é um portador de competência e, no caso do Estado, ele se torna, se compreende também, como um portador de decisões. Em geral, você vê muito isso, você vê muito isso na relação sociedade e Estado. Agora, você vê muito de parte do estamento uma atitude, digamos assim, de comando, de determinação, de comandar, de dar ordens, que é muito característico da realidade da burocracia brasileira - de qualquer burocracia, mas particularmente da burocracia brasileira, que ainda não se submeteu, digamos assim, aos ventos da democracia, de uma realidade democrática. Assim, por exemplo, existem experiências de outros países que mostram bem isso na questão tributária.

DCI: Onde isso acontece?

LA: Por exemplo, nos Estados Unidos, você vai encontrar a Lei dos Direitos do Contribuinte, que estabelece limites objetivos à atuação da administração tributária e, ao mesmo tempo, se constrói dentro da administração um sistema de equilíbrio entre os poderes que a administração tem a e as limitações, controle de poderes. É o ombudsman, que tem competências de controlar os abusos que podem ser praticados numa administração tributária. A nossa máquina pública nos concebe como poder. Veja, por exemplo, a Lei 9.784, que é a Lei Geral do Processo Administrativo, que procura regular o devido processo legal no âmbito administrativo. É curioso quando você lê o artigo primeiro. Ele já começa assim: essa lei regula o peticionamento sobre a administração pública e o direito de peticionar do "administrado". A palavra "administrado" mostra, na verdade, um alguém que não é sujeito de direito, alguém que é administrado.

DCI: O cidadão é o administrado?

LA: É isso. Essa lei guarda uma cultura muito forte de subordinação da sociedade, do indivíduo na sociedade. Então isso na verdade simboliza esse conceito, ainda presente no Estado, de não se ver como alguém que tem que entregar serviços, mas alguém que tem que dar força a ordens, a decisões, a leis etc. Ou seja, é um detentor de poder, não um responsável por serviços. Não que o Estado não tenha essa função, ele também é comando, ele centraliza força e o exercício da força é uma característica de um Estado moderno. Em última análise, permite a aplicação mais equilibrada e controlada dessa possibilidade, que é o exercício da força. Agora o problema é que, quando dá ênfase ao exercício da força, você esquece a dimensão central de toda essa atividade, que é entregar alguma coisa, entregar um serviço. O Estado tem que ser um agente de serviços.

DCI: O que é essa profissionalização da burocracia?

LA: Profissionalização é a formação de uma burocracia equilibrada, de uma burocracia que exerce essa competência baseada em um padrão de conduta ético, num padrão de conduta profissional, uma burocracia que não se excede e, quando se excede, se submete a controle contra excesso. Muitas vezes, a nossa burocracia parece ideologizada, até se comporta como um partido político, como uma seita, uma coisa muito dogmatizada. É "Nós x Eles". Tá Errado. Burocracia é fundamentalmente um espaço de exercício de competência que deve ser exercido de forma profissional.

DCI: Segundo a sua assessoria, a AGU oferece um serviço superavitário à União. No seu relatório de três anos de gestão, a AGU registrou R$ 2,133 trilhões de recursos economizados pela União e teve um orçamento de R$ 7,5 bilhões.

LA: A AGU, como qualquer instituição pública, não faz isso em seu benefício. É muito comum no Estado você ver os órgãos, setores do Estado, se compreenderem como produtor de resultados, e, portanto, como fossem donos desses resultados, quando na verdade esse exercício dessa competência não é exercício em benefício próprio, é exercício em benefício de todos. Então, a Receita não arrecada para ela, arrecada para a sociedade; a AGU ganha a ação, não ganha para ela, ganha para a sociedade. Então, esse resultado, esse serviço só é compreendido corretamente se ele for compreendido como algo que é prestado não no seu interesse.

DCI: No caso do Mensalão, há casos de condenação por corrupção que envolve desvio de recursos públicos. Nesse caso, a AGU tem que entrar com alguma ação?

LA: Tem que esperar o processo. Eu sei que o Ministério Público já entrou com ações específicas sobre isso. Agora, nesse ponto, a AGU age a partir de decisões administrativas. Não é um órgão de investigação. Quem faz a apuração desses valores é o TCU, a Controladoria Geral da União, além dos próprios órgãos setoriais que fazem seus procedimentos técnicos. Então, havendo uma definição no âmbito da administração, a AGU entra no caso.

DCI: Como ficou sua portaria em relação às terras indígenas?

LA: Foi suspensa, até o julgamento dos embargos no STF [relativos ao processo da reserva indígena Terra Raposa do Sol, em Roraima]. Tenho uma perspectiva do ministro Carlos Ayres Britto [presidente do STF] de julgar isso até novembro. O ministro tem a razão de julgar isso antes de sair.

DCI: Como o senhor avalia a reação violenta das ONGs e das comunidades indígenas contra a portaria, argumentando que isso fere princípios estabelecidos em tratados internacionais?

LA: A portaria não fere esses princípios. Há uma preocupação particular em relação à questão de defesa, a dependência ou não de consulta às comunidades indígenas para se implementarem ações de defesa do território brasileiro. Eu não acho que essas condicionantes de consultas se apliquem a essas questões. Há uma questão de formalização que eu não podia mexer porque essa formulação é dada pelo próprio Supremo. Eu tenho que reproduzir o que o Supremo especificou como condicionantes. Por exemplo, não pode haver necessidade de consulta para que a Polícia Federal vá prender ou desativar uma atividade criminosa. Digamos que exista uma reserva indígena com pista de pouso para tráfico de drogas. Nesse caso, a consulta pode até alertar os criminosos.

DCI: Em algumas áreas indígenas, por exemplo, no Estado do Amazonas, na reserva dos waimiri-atroari, os índios cobram pedágio dos que passam por uma rodovia federal que atravessa as terras da reserva...

LA: E não pode. É ilegal. O problema é que as comunidades indígenas não são soberanias. São territórios do Brasil destinados aos índios por questões culturais e históricas. Não são autonomias dentro do Estado. Há setores que veem esses espaços com autonomias. As condicionantes adotadas pelo Supremo servem para se adotar parâmetros. Não estamos fazendo mais do que adotar parâmetros. Agora, se o Supremo decidir não adotá-las ou revisá-las, a portaria vai cair.

DCI: Quanto a limites para a compra de terras para estrangeiros, tudo permanece como está?

LA: Está mantido o parecer da AGU.

DCI: O parecer é visto como empecilho para investimentos estrangeiros no Brasil.

LA: Parte. Isso é dito, mas a gente não viu tanta redução dos investimentos. Existem setores mais afetados, como o de plantio para reflorestamento para a produção de papel porque esses setores exigem uma estabilidade de investimentos por causa da demora da maturação. Afora isso, acho que a maioria dos setores está se adaptando bem.

DCI: Qual sua opinião sobre a ação direta de inconstitucionalidade prometida pelo DEM contra os vetos impostos pela presidente Dilma Rousseff ao texto da Medida Provisória do Código Florestal? Os democratas dizem que a presidente usurpou as atribuições do Legislativo ao reformar por decreto os itens vetados, como as áreas de preservação nas margens dos rios.

LA: Se você for à lei, em vários momentos ela atribui ao Poder Executivo algumas funções de regulamentação. Por exemplo, no artigo 6º diz que compete ao Poder Executivo fixar áreas de proteção, além das hipóteses do artigo 4º, desde que haja interesse social. No caso da escadinha para preservação, a competência do Executivo está prevista na própria lei.

Fonte: Jornal DCI

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