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Mais impostos no Brasil

Continuamos um dos países mais desiguais e socialmente injustos do mundo

23/04/2013 11:29

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Mais impostos no Brasil

Diante de um consenso tão generalizado de que no Brasil se paga muito imposto, o título deste artigo pode soar estranho. Mas ele está correto. Nos últimos anos, as notícias sobre o sucesso econômico do Brasil espalharam-se pelo mundo afora. Recentemente, os jornais ingleses noticiaram espantados que o Brasil havia ultrapassado a Inglaterra como a sexta maior economia do mundo. E as previsões indicam que, em menos de dez anos, ultrapassaremos a França e até mesmo a poderosa Alemanha. O fortalecimento de uma "nova classe C" está na boca do povo. Todos parecem se orgulhar de nosso progresso. O que poucos mencionam é que continuamos um dos países mais desiguais e socialmente injustos do mundo. Nesse aspecto, muito pouco mudou.

Uma das formas mais eficientes (talvez a mais eficiente) de construir uma sociedade mais justa e igualitária é adotar um sistema tributário progressivo. Isso significa que quem ganha mais deve pagar proporcionalmente (e não apenas absolutamente) mais tributos. O tributo que a essa tarefa melhor se presta é, sem dúvida, o Imposto de Renda. No Brasil, contudo, a maior alíquota de imposto de renda é de 27,5%. Ou seja, um trabalhador que receba pouco mais do que R$ 4 mil mensais está sujeito à mesma alíquota máxima que alguém que ganhe R$ 1 milhão. É claro que, como o imposto é calculado por faixas, a alíquota efetiva é diferente da alíquota nominal. Ainda assim, quanto mais a renda aumenta, tanto menor é a capacidade progressiva do nosso Imposto de Renda, exatamente porque a alíquota máxima é tão baixa.

Isso não é apenas injusto do ponto de vista individual (porque a fatia subtraída do rendimento da primeira pessoa tem um impacto muito maior em seu padrão de vida do que no da segunda). Do ponto de vista social e coletivo, um sistema tributário tão pouco progressivo e com uma alíquota máxima tão baixa contribui muito pouco para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Embora o nosso imposto de renda tenha isenções e alíquotas efetivas bastante reduzidas para a população de baixa renda, ele não desempenha a contento seu papel de diminuir as desigualdades porque não é mais incisivo com aqueles que estão no topo da pirâmide. Para piorar a situação, é sabido que as deduções obtidas especialmente pelas classes privilegiadas acabam minando ainda mais o desejado efeito progressivo do Imposto de Renda.

Existem, claro, várias objeções a tributos mais progressivos. Além da velha grita sobre a carga tributária, é possível mencionar duas críticas recorrentes.

Continuamos um dos países mais desiguais e socialmente injustos do mundo

A primeira delas já se transformou em um lugar-comum. Ela pode ser resumida por meio da seguinte pergunta: por que pagar mais impostos se o dinheiro arrecadado não é bem gasto ou, pior, é desviado por esquemas de corrupção? Essa postura, porém, é menos procedente do que se costuma imaginar. Para dizer o mínimo (ou seja, sem entrar no debate sobre o gasto público no país), ela seria, na melhor das hipóteses, tão válida quanto a seguinte atitude: se vou pagar mais impostos, vou exigir mais dos gestores dos recursos públicos; esse é o meu papel como cidadão. A primeira postura é apenas mais confortável e conformista do que a segunda, nada mais.

Uma segunda objeção supõe que as pessoas se esforçam menos na produção de riqueza se a tributação é muito elevada. Mas, se isso fosse de fato verdadeiro, como explicar então o grau de empreendedorismo de países como a Suécia, a Alemanha ou a Suíça? Esses e tantos outros países mostram, há muito tempo, que é possível haver empreendedorismo e produção de riqueza e, ao mesmo tempo, ser mais justo e igualitário, com um Estado social forte, baseado em sistemas tributários altamente redistributivos.

É claro que os problemas do sistema tributário brasileiro são muito mais complexos do que a discussão sobre a alíquota máxima do Imposto de Renda. A predominância de impostos altamente regressivos, como aqueles que incidem sobre o consumo, tem efeitos tão perversos quanto os que tentei apontar aqui para o caso do Imposto de Renda. Mas, passados já quase 20 anos desde o controle da inflação, é difícil aceitar que os sucessivos governos e a elite político-econômica do país não tenham conseguido ou não queiram levar adiante um debate tributário que não se limite à repetição de chavões sobre a carga tributária e que avance na discussão sobre igualdade social e redistribuição.

No caso do Imposto de Renda, para ficar no mesmo nível de países mais justos e igualitários, o Brasil teria que praticamente dobrar a sua alíquota máxima. Em um país tão rico e, ao mesmo tempo, tão desigual, talvez devêssemos ir até além disso, sem medo de que, inspirados pelo ator francês Gérard Depardieu, alguns cogitem mudar de país.

Virgílio Afonso da Silva é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Por Virgílio Afonso da Silva

Fonte: Valor Econômico

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